O inverno esvai-se, agroma a primavera e as cerdeiras cobrem-se de flores. Em muitas aldeias, vilas e cidades, velhas e novas celebram com alegria o ciclo da vida: “Março airoso, abril chuvinhoso / sacam maio florido e formoso” e chamam o maio e dim adeus ao “burro do inverno”; “Levanta-te maio bastante dormiste / passou o burro e nom o sentiste”. Abril, o mês dos namoricos, fecha as suas portas e deixa passo ao maio, o mês das flores: “Entra maio com as suas flores / sai abril com os seus amores.”
O primeiro de maio
É costume celebrar a festa o primeiro de maio, numha jornada marcada polo espírito reivindicativo da classe obreira, camponesa e também marinheira. Acompanhadas polo som da gaita e do pandeiro, a vizinhança canta coplas e cantigas que fam escárnio popular das classes dominantes. Em localidades como Ourense, as cantigas costumam fazer sátira sociopolítica e, no desenvolvimento da jornada, também é frequente escoitar a letra da Internacional Socialista, o Ai Carmela ou mesmo a Santa Bárbara bendita. É evidente que a festa nom simpatiza com décimos e usuras, tampouco com cregos. É por todas conhecido o poema “O maio” de Curros, que di: “[…] sem bruxas nem demos / um maio sem segas / usuras nem preitos / sem quintas, nem portas / nem foros, nem cregos”, em que o poeta celanovês sintetiza mui bem o porquê da celebraçom desta festa de origem pagá.
Os maios figurativos
Na Festa dos maios é frequente toparmos-nos com o maio, representado numha singular estrutura rodeada com arame sobre a que se penduram fieitos, cascas de ovo, frutos e flores; som conhecidos como maios figurativos. Nas vilas marinheiras os barcos, engalanados para a ocasiom, luzem motivos florais.
Em Vilafranca a festa goza dumha dilatada tradiçom e características particulares
Um maio humano
“Este é o maio, senhora é / este maio que andava de pé. / Viste o maio, mira-lhe bem / três caralhinhos também vo-los tem”. Em Vilafranca do Berzo, vila berciana em que nasceu Padre Sarmiento e Ramom Gonçalves Alegre, também celebram cada ano a Festa dos maios. Se volvêssemos o olhar para atrás, fazendo um exercício de memória, lembrávamos o ano 1822, em que a vila era capital da província galega. “Ailí” ‑forma dialetal empregada na comarca – nessa vila a festa é singular e senlheira, já que goza dumha dilatada tradiçom e características particulares, por se tratar dum maio humano. Cada primeiro de maio e desde primeira hora da manhá, os vizinhos e vizinhas procuram as canas que empregam para vestir os maios, pequenos e grandes, e começam a fazer as coroas de flores que portam as maias. Elas com as suas coroas de flores e cestas de vímbio e eles com as canaveiras ao lombo, só com a zona superior em forma de coroa. Assim vestidas, as participantes começam a percorrer ruas e praças.
As canaveiras e os vímbios
Também conhecidas como canas, canavelas ou canivelas, as canaveiras som umha planta da família das gramíneas de entre três e seis metros de altura, talo oco e flexível, folhas largas e ásperas, e flores em panícula terminal de até setenta centímetros. As canaveiras servem de matéria prima para a construçom da indumentária com que vestir os maios (pequeno e grande), as flores para fazer as coroas das maias e o vímbio para as cestas em que as maias recolherám as últimas e tam prezadas castanhas do inverno, também chamadas maias.
As maias
As castanhas som frutos de inverno fundamentais para a elaboraçom de pratos, sobremesas e também licores. Nas casas, a gente guarda as últimas castanhas do inverno para a festa:. “Tireno-las maias / senhor cavaleiro / vale mais a honra / que todo o dinheiro”. Esta copla popular lembra-nos que as castanhas, algum que outro “gotim” de vinho e o excedente de limonada berciana ‑bebida típica de Semana Santa, elaborada com vinho e vários frutos, figos secos, açúcar e canela em rama — que cada quem guarda na sua casa som motivos mais que suficientes para sair à rua.
O percurso
“Tire castanhas, senhora Maria / tire castanhas que as tem na cozinha. / Tire castanhas, senhora Manuela / tire castanhas que as tem na mantela. / Tire castanhas, tia Susana / tire castanhas que as tem na romana”. Durante o percurso, as participantes nom duvidam em parar nas portas de vizinhas e vizinhos, e pedir maias e golos com que satisfazer o seu apetite e sede, e cumprir assim as expetativas criadas para este dia de festa. Mas os resultados nem sempre som satisfatórios e quando este nom é o esperado, os vizinhos sofrem a investida do cantar do maio, que di: “Esta casa é de lousa / onde vive umha ronhona. / Esta casa é de cristal / onde vive um general. / Esta casa é de pedra / onde vive umha donzela. / Estas portas som de ferro / onde vive um cavaleiro”.
O jantar popular
“Deita-te maio descansar / quando descanses volve cantar”. O passeio finaliza na praça maior onde os grupos que partem dos seus bairros juntam as suas vozes e dirigem-se rumo ao jantar popular que se prolonga até altas horas, pedindo ao maio que vaia descansar.
A tradiçom
Som numerosos os estudiosos que figérom eco da tradiçom e os poetas que cantárom ao maio. Mesmo eu escrevim um poema intitulado“O maio”, que di assim:
“ule a barbureta / nos tempos da fame as “maias” do inverno guardava p’ra a festa / ciscadas no chao, as canas vam fora / florido e formoso sacamos o maio/andava de pé na procura de enchente / as gaitas e pandeiros pregoam [é tempo de flores] / as suas canelas batem nas portas [a casa é de Sónia, Manuela, Maria e Susana] / arcois e mantelas, cozinhas, romanas [xamois e castanhas, castanhas e mais castanhas] / na língua que eu falo dizemos-lhe adeus o burro do inverno / o cavaleiro é de ferro e desonra / de pedra a donzela / o general é cristal / de palha a cagalha / lona a pegona e cartom o (…) / estopa o lapa-sopas / a senhora ronha [é de lousa] / senhor cura mire-lhe os caralhinhos e bote, bote [país, limonada, real ou peseta, torta e lambetada] / levanta-te maio, bastante dormiste.”