Durante a campanha eleitoral estadounidense de 2016 que deu a vitória a Donald Trump alastrou o termo ‘fake news’. Desde entom, esse termo serve para definir as informaçons falsas que se encontram sobretodo nas redes sociais, mas também foi usado por líderes políticos para desprestigiarem informaçons críticas com os seus posicionamentos ou açons. Assim, foi utilizado polo próprio Trump, polo presidente do Brasil Jair Bolsonaro, ou mesmo por políticos espanhóis como Pablo Casado ou Borrell. Afirma-se que as ‘fake news’ som umha ameaça para as democracias, mas ativistas dos direitos na Internet alertam de que o combate contra as ‘fake news’ também pode ser umha ameaça para a liberdade de expressom.
No passado mês de março o coletivo Xnet, que reúne ativistas em defesa dos direitos digitais, apresentava o relatório #FakeYou, a analisar o atual fenómeno das conhecidas como ‘fake news’ no ambiente digital. Nesse relatório, desmarcam-se dalguns lugares-comuns arredor deste problema e apontam que a desinformaçom existe desde sempre e que som necessárias políticas diferentes para abordar a situaçom presente.
Se consideramos as ‘fake news’ como umha informaçom falsa difundida – especialmente polas redes sociais – com umha intencionalidade concreta, estaríamos apenas diante de umha das arestas dos fenómenos desinformativos. Para o Xnet, a desinformaçom abrange igualmente as informaçons inexatas ou enganosas, mesmo se desprovidas de intencionalidade concreta. Desta forma, coloca-se o risco da desinformaçom nom na sua intencionalidade mas na sua capacidade para produzir danos significativos na populaçom. “[Estes danos] produzem-se quando os grandes monopólios informativos, políticos e económicos investem recursos na criaçom e viralizaçom da desinformaçom, tanto offline como online”, salientam no relatório. Quer dizer, nem toda a desinformaçom som as ‘fake news’ nem a desinformaçom é um problema novo, mas estrutural e que é agravado pola falta de credibilidade e as más práticas dos meios convencionais, altamente dependentes do número de visitas e da publicidade.
Notícias falsas e imprensa
A desinformaçom e as notícias falsas nom som cousas do século XXI. No livro Fake News: la verdad de las noticias falsas, o jornalista Marc Amorós lembra um evento histórico: o estourido do coiraçado Maine que em 1898 deu lugar à intervençom estadounidense em Cuba e as histórias sobre o conflito na ilha no New York Journal de William Randolph Hearst. Tal era o poder da desinformaçom e das notícias falsas nos conflitos.
O investigador da USC, Ángel Vizoso, refere nalguns dos seus trabalhos que as notícias falsas e a desinformaçom nom som próprios apenas dos períodos bélicos, mas da comunicaçom humana em geral e anteriores à invençom do prelo. “Porém, o desenvolvimento das novas tecnologias concedeu umha importância maior à distribuiçom deste tipo de conteúdos que perseguem a confusom da cidadania”, expom no artigo Habilidades tecnológicas en el perfil del fact-checker que assina com Xosé López e Xosé Pereira, acrescentando que “as novas plataformas virtuais favorecem a difusom de boatos e informaçons nom verificadas, muitas das quais acabam por passar a fazer parte da agenda informativa dos meios de comunicaçom no quadro da pugna polas audiências”.
Vizoso refere ao Novas da Galiza algumhas das suas impressons acerca da desinformaçom no panorama mediático galego. “Julgo que mais do que notícias falsas elaboradas de forma intencionada, o que de facto circulam som muitos conteúdos baseados no clickbait”, um novo anglicismo que vem a designar a prática de realizar manchetes sensacionais para atrair visitas à página e melhorar rendimentos publicitários. “Este clickbait levado ao extremo num contexto de luita polas visitas da web pode acabar por se tornar umha sorte de desinformaçom, pois o corpo das notícias nom oferece à audiência aquilo que lhe era prometido nuns títulos previstos para funcionar como reclamo nas redes sociais ou noutras plataformas em linha”, acrescenta este investigador.
Além do mais, a própria forma de funcionamento dos meios apresenta vulnerabilidades em face à desinformaçom. “Os jornalistas enfrentam-se à necessidade de publicar conteúdos de forma constante. Todo isto, acrescido ao desempenho doutras tarefas, leva a que por vezes a verificaçom dos conteúdos nom poda ser tam aprofundada como seria aconselhável. Esta circunstância pode ser aproveitada por organizaçons ou particulares que desejem introduzir no circuito informativo conteúdos falsos ou duvidosos”, afirma Vizoso, quem reivindica que “o trabalho dos jornalistas é de suma importância, desde que seja garantida umha série de condiçons que ajudem a dotar da veracidade necessária os conteúdos publicados”.
Voltando ao contexto galego, este investigador considera que “os jornais galegos, como os de qualquer outro contexto mediático som suscetíveis de serem transmissores de informaçons falsas. O contexto atual em que a velocidade na produçom de informaçons e a sua difusom através de redes sociais favorece enormemente que se espalhe a desinformaçom”.
Polarizaçom
“A experiência dos últimos anos demonstra que contextos de instabilidade política e social som propícios à difusom de informaçons falsas”, reflete Vizoso, quem a partir das recentes experiências nas eleiçons norte-americanas e no referendo do Brexit conclui que “os promotores de ‘fake news’ utilizam a polarizaçom e o desconcerto para introduzir as suas mensagens”.
Essas experiências recentes poderiam levar a umha conclusom demasiado simples: as ‘fake news’ som cousa da extrema-direita. Mas a realidade é mais complexa. Miguel Garcia, consultor em privacidade de dados, refere que se há umha novidade que trazem as redes sociais “é a possibilidade de segmentar a publicidade e a propaganda até níveis insuspeitados com base na análise dos desejos e gostos da populaçom. Isto, aliado ao próprio formato das redes sociais, que é efetista, breve e sensacionalista, abre a porta a posiçons políticas mui emocionais e fecha‑a ao debate político contrastado e sossegado”. E aqui é onde a extrema-direita sabe tirar proveito.
Arredor deste tema, umha ativista da Xnet diz que “a direita está a colher vantagem neste tipo de propaganda, e acho que é polo momento histórico que estamos a viver – a vitória de Trump, o Brexit ou a extrema-direita húngara – que existe essa impressom de que a desinformaçom vem pola direita”. Porém, no seu relatório #FakeYou, Xnet considera a desinformaçom como umha indústria, em que existem produtores de desinformaçom – tais como governos, corporaçons, organizaçons políticas – a distribuírem os seus produtos através de plataformas em linha que vendem publicidade – como no caso das redes sociais hegemónicas – ou até contratando empresas de comunicaçom política – que empregariam algoritmos ou bots.
Tecnofobia?
As ativistas da Xnet olham com desconfiança para os discursos que definem como tecnófobos e que querem que o problema da desinformaçom apenas se relacione com a Internet. “Este é o discurso que querem propagar os grandes meios de comunicaçom: ‘continuem a ver a televisom e todo correrá bem’, ‘nom te podes fiar da Internet, há que ler os jornais de toda a vida’”, analisa umha das suas ativistas numha conversa com o Novas da Galiza. “Vemos perigoso que certa esquerda esteja a reproduzir semelhante discurso”; acrescenta, “o discurso tecnófobo é a favor do poder. Às vezes, fala-se da Internet como se só fosse Google ou Facebook”.
Para a Xnet, quando mais abertos e participativos forem os espaços mais difícil será que a desinformaçom se viralize. “Quanto mais cidadá é a ágora na Internet menos problemas de ‘fake news’ há, e quanto mais seja um ‘jardim murado’ – pola expressom anglo-saxónica ‘walled garden’ empregada para definir as redes sociais que através de algoritmos só oferecem à pessoa usuária conteúdos que procuram a sua satisfaçom – mais problemas haverá. Por isso na WhatsApp há um problema grave, onde estám a desativar-se notícias falsas umha e outra vez”.
No seu relatório é citado o experimento da ONG alemá Stiftung Neue Verantwortung consistente em difundir notícias falsas através de seguidores do Twitter. Tirárom-se duas conclusons: que as notícias falsas som como os ‘memes’, bloquear a fonte nom evita a sua propagaçom, e que circulam por umha bolha de utentes fortemente ligados enquanto o desmentido da notícia falsa circula por grupos de pessoas mais diversos.
Legislaçom europeia
A ativista da Xnet que falou com o Novas da Galiza definiu as ‘fake news’ como “o segundo risco para a liberdade de expressom, depois do combate às próprias ‘fake news’”. Este é um dos perigos para que alertam no seu relatório, pois olham com desconfiança a vaga reguladora sobre a Internet que está a gerar-se na Europa.
A Uniom Europeia, após os resultados do Brexit, começou a elaborar umha série de matérias face às eleiçons europeias deste mês. O inquérito Eurobarómetro, publicado em março de 2018, acerca da perceçom das ‘fake news’ e a desinformaçom indicava que 83% das pessoas inquiridas consideravam, em maior ou menor medida, que as notícias falsas constituíam um problema para a democracia em geral. Após esses dados, um grupo de especialistas da Comissom Europeia tornará público um relatório, promove-se um Código de Boas Práticas, assim como um plano de açom contra a desinformaçom. No entanto, a Xnet receia que umha das medidas centrais nas iniciativas europeias seja que a resposta às informaçons falsas esteja encabeçada polas plataformas digitais, que estabelecêrom os seus critérios para decidir quando se exclui umha publicaçom. Também percebem um “esforço considerável por salvar os meios de comunicaçom e colocá-los ao mesmo nível que as pessoas comuns no referido ao uso da liberdade de expressom”, pois o controlo sobre as informaçons falsas se centraria na distribuiçom online. Estas medidas, aliadas às diretivas sobre os direitos de autor, estám a promover modificaçons, que coletivos como Xnet vem como um ataque à liberdade de expressom na Internet.
Lembram ainda as declaraçons que, em fevereiro passado, numhas jornadas intituladas ‘Desinformaçom e eleiçons europeias’ que tivérom lugar em Barcelona, fazia Ramón Luis Valcárcel, vice-presidente do Parlamento Europeu, responsável da política de informaçom, além de ex-presidente da Comunidade Autónoma de Múrcia e eurodeputado do PP. “Frente ao novíssimo perigo da desinformaçom e as ‘fake news’, a soluçom é regular a liberdade de expressom; naturalmente, numa base consensual, faltaría más”.
Assim, a Xnet considera-se na esteira da ‘Declaraçom conjunta sobre liberdade de expressom e notícias falsas, desinformaçom e propaganda’ publicada em março de 2017 em Viena. Esta declaraçom foi assinada, entre outras pessoas, polo relator para a liberdade de expressom da Comissom Interamericana de Direitos Humanos e o relator da ONU para liberdade de opiniom e expressom. “É preocupante que os governos utilizem o fenómeno das chamadas notícias falsas ou ‘fake news’ como umha desculpa para censurarem a imprensa independente e suprimirem o disenso”. Estas som palavras do advogado Edison Lanza, o relator especial para a liberdade de expressom da CIDH.
Neste sentido, as ideias que a Xnet propom para combater a desinformaçom passam pola verificaçom obrigatória das informaçons que provenham de um ‘informador influente’ – figura com que definem qualquer pessoa física ou jurídica cuja capacidade de difusom seja considerável –, a transparência na propriedade dos meios de comunicaçom social – umha ideia que se encontra também entre as iniciativas das instituiçons europeias, como ainda a necessidade de umha maior alfabetizaçom digital da populaçom –, transparência também dos algoritmos que empreguem as plataformas digitais ou umha declaraçom detalhada dos gastos em comunicaçom dos partidos políticos.
O futuro da Internet encontrar-se hoje, portanto, numa encruzilhada, com umha forte presença de plataformas digitais que conseguírom situar-se como intermediárias nas relaçons sociais das pessoas e para as quais os dados das suas utilizadoras som poder e negócio.