Ameados de noventa do século passado, durante a minha etapa no liceu em Arteixo, foi parar às nossas mãos um exemplar da Gralha, um boletim cultural em formato de jornal, escrito num galego que empregava umha norma proscrita. Um descobrimento precioso que nos abriria a porta a todo um universo insuspeitado fazendo explodir as estreitas margens que continham a vida numha vila dormitório. Parecia-nos que aquele jornal falava diretamente para nós: “Longe de vermos nas gralhas o que outros pobres de espírito, aves feias e agoirentas, vemos uns pássaros sóbrios e livres que no seu grasnar manifestam, como o afamado corvo de Poe: Nunca, nunca mais”.
A mudança de século apanhou-me como estudante universitário em Compostela e lá testemunhei o nascimento do NOVAS DA GALIZA, que tomava o relevo da Gralha de umha perspetiva mais ambiciosa, mas levantada com o mesmo ânimo militante e compromisso coletivo. Sem estar nunca integrado nos seus órgãos executivos, e à margem de colaboraçons esporádicas, lembro ter-me envolvido no intenso trabalho de divulgaçom e promoçom do jornal entre os círculos que frequentava fora do âmbito militante; o NOVAS nascia com umha vocaçom nitidamente popular, o sentido da responsabilidade coletiva para com o jornal ia para além do envolvimento orgânico no projeto, a gente sentia-se parte de umha aventura comunitária com múltiplas possibilidades para participar.
Hoje, contemplamos com vertigem as mais de duas décadas de transformaçons globais que acompanhárom o percurso do ‘Novas’, e que mudárom por completo o panorama da comunicaçom social
Fôrom passando-se os anos e com eles as distintas etapas do NOVAS; novas direçons, novas colaboraçons, novas focagens que acompanhárom, muitas vezes como o seu reflexo, as vicissitudes do movimento de libertaçom nacional, com os seus erros e os seus acertos, estes últimos muitas vezes subestimados. Nom mudou porém o compromisso militante e a generosidade desinteressada de quem se responsabilizou por construir umha alternativa mediática que alcançou, com este último número que pom fim a outra etapa do NOVAS, as 235 ediçons em 22 anos de existência.
Hoje, contemplamos com vertigem as mais de duas décadas de transformaçons globais que acompanhárom o percurso do NOVAS, e que tenhem mudado por completo o panorama da comunicaçom social: a irrupçom totalitária do mundo virtual, a hiperconetividade em rede que produz, ao mesmo tempo que consome, umha avalancha de informaçom sem hierarquias, igualando todos os atos comunicativos até banalizar qualquer significado; assistimos também ao desmoronamento da cultura do consenso praticada pola imprensa comercial, consenso tam rigorosamente denunciado pola crítica de esquerda durante décadas para, finalmente, ser assaltada por um fascismo galopante que encontrou nas redes o seu cavalo de Troia; testemunhamos a crise da imprensa escrita e os seus rendimentos decrescentes no mercado capitalista compensados por generosos subsídios públicos de estados e governos que compram lealdades imemoriais, e pola implementaçom de políticas de precarizaçom laboral e desvalorizaçom dos múltiplos ofícios que intervenhem na ediçom de um jornal, a começar polo próprio ofício de jornalista.
A indústria dos meios de comunicaçom abala e os seus alicerces tremem, mas nós nunca encaixamos no seu paradigma, ficamos nas margens, e nas margens reconstruiremos os nossos próprios meios de forma coletiva
O NOVAS fecha etapa no início de um novo mundo que nasce cheio de incertezas, assediado por umha precariedade material e cultural sem precedentes, e por um capitalismo aniquilador do espaço público e comunitário, sem os quais o ato de comunicar se torna um exercício estéril. A indústria dos meios de comunicaçom abala e os seus alicerces tremem, mas nós nunca encaixamos no seu paradigma, ficamos nas margens, e nas margens reconstruiremos os nossos meios de forma coletiva, as portas ficárom abertas.