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As verdades de Israel

por
Destruição em Gaza, pro­vo­cada po­los bom­bar­deios is­ra­e­li­tas das úl­ti­mas se­ma­nas. | ac­ti­ves­tills. moham­med zaanoun

Poucas má­qui­nas no mundo es­tám mais bem pre­pa­ra­das do que os meios sis­té­mi­cos de co­mu­ni­ca­çom so­cial. Poucos mi­nu­tos após o iní­cio da ope­ra­çom ar­mada da Resistência Palestiniana, a 7 de ou­tu­bro, já con­se­guí­rom criar o con­senso de que se tra­tava de um ata­que ter­ro­rista. Imediatamente após o anún­cio is­ra­e­lita da sua ‘guerra con­tra o Hamas’, todo o mundo oci­den­tal sa­bia que se tra­tava do se­guinte prato de um menu que se serve quente desde o 11S: a guerra con­tra o ter­ro­rismo, em que o mundo de­mo­crá­tico tem de apoiar ‘qual­quer cousa que for’ con­tra os terroristas. 

A re­cusa em di­zer que o ata­que mi­li­tar nom ti­nha sido ex­clu­si­va­mente do Hamas, mas do con­junto das or­ga­ni­za­çons da Resistência; a re­cusa em ex­pli­car se­quer que há umha Resistência e por­que é que isso está a acon­te­cer; a in­sis­tên­cia em ig­no­rar os 75 anos de agres­sons so­fri­das polo povo da Palestina como se toda esta si­tu­a­çom ti­vesse co­me­çado há pou­cos dias; ou a ten­ta­çom de ex­tin­guir a pró­pria ideia de Palestina, re­du­zindo tudo à Faixa de Gaza e apre­sen­tando o par Israel / Hamas como se fos­sem equi­va­len­tes em ter­mos de for­ças, nom é por acaso. No plano in­terno, a re­cusa dos gran­des meios de co­mu­ni­ca­çom ga­le­gos em dar conta das cerca de qua­renta mo­bi­li­za­çons po­pu­la­res con­vo­ca­das por or­ga­ni­za­çons de so­li­da­ri­e­dade (Associaçom Galego-Árabe Jenin, BDS Galiza, Galiza por Palestina e Mar de Lumes) ape­nas nas duas pri­mei­ras se­ma­nas deste novo epi­só­dio de agres­som is­ra­e­lita res­ponde ao mesmo objetivo. 

Israel é um Estado com 9 mi­lhons de pes­soas, das quais 3,5 mi­lhons nom te­nhem di­rei­tos po­lí­ti­cos re­co­nhe­ci­dos e, na prá­tica, tam­bém nom te­nhem di­rei­tos civis

A re­nún­cia ao jor­na­lismo e o aban­dono das exi­gên­cias da pro­pa­ganda é umha marca dos tem­pos, tanto mais fe­roz quanto mais di­fí­cil for fa­zer pas­sar a his­tó­ria por ver­dade. Neste sen­tido, a causa pa­les­ti­ni­ana con­ti­nua a de­mons­trar umha certa força. No en­tanto, é ver­dade que a nar­ra­tiva si­o­nista ob­teve al­gumhas vi­tó­rias im­por­tan­tes, usa­das para ci­men­tar dis­cur­si­va­mente os pró­xi­mos ca­pí­tu­los do drama. E vale a pena tê-los em conta para os des­mon­tar a cada passo.

Primeira: a ideia de que Israel é um Estado mo­derno e digno de con­fi­ança ou, para o di­zer de forma mais clara, ‘a única de­mo­cra­cia do Médio Oriente’. Tal afir­ma­çom, que traz ime­di­a­ta­mente con­sigo a ideia de que deve, por isso, ser pro­te­gida e apoi­ada por qual­quer de­mo­crata do mundo, na re­a­li­dade só é sus­ten­tada por umha for­mu­la­çom muito se­le­tiva do que é a de­mo­cra­cia. Se par­tir­mos do prin­cí­pio de que Israel abrange o ter­ri­tó­rio desde o Vale do Jordám até ao Mar Mediterrâneo, como di o si­o­nismo no seu dis­curso e na sua prá­tica atra­vés das co­ló­nias, en­tom o que te­mos é um Estado com 9 mi­lhons de pes­soas, das quais 3,5 mi­lhons nom te­nhem di­rei­tos po­lí­ti­cos re­co­nhe­ci­dos e, na prá­tica, tam­bém nom te­nhem di­rei­tos ci­vis. Mais de um terço da po­pu­la­ção sem con­tar com os mi­lhons ex­pul­sos para a diás­pora. Israel de­fende-se desta re­a­li­dade ar­gu­men­tando que a ocu­pa­çom é ape­nas umha si­tu­a­çom tem­po­rá­ria, que nom dá para ob­ter es­ses di­rei­tos. Mas 75 anos de ex­pul­sons, de roubo de ter­ras, de apartheid e de pri­sons a céu aberto nom pa­re­cem en­cai­xar na ideia do que toda a gente en­tende por ‘si­tu­a­çom temporária’.

Mais de 2.700 me­no­res de idade fo­ram as­sas­si­na­dos po­los bom­bar­deios desde o pas­sado 7 de ou­tu­bro. | ac­ti­ves­tills. moham­med zaanoun

Polo con­trá­rio, se con­si­de­rar­mos ape­nas os ter­ri­tó­rios que es­tám hoje sob con­trolo is­ra­e­lita de jure, o que en­con­tra­mos é um Estado onde, se­gundo da­dos do Instituto para a Democracia de Israel, mais de me­tade da ci­da­da­nia se di con­tra a ideia da igual­dade de di­rei­tos en­tre ju­deus e ára­bes e 57 % con­si­dera que o Estado de­ve­ria ter umha po­lí­tica de in­cen­tivo à emi­gra­çom da (pouca) po­pu­la­çom árabe ainda for­mal­mente re­si­dente no país. Umha so­ci­e­dade em que os di­rei­tos de ci­da­da­nia som con­ce­di­dos aos co­lo­nos es­tran­gei­ros ape­nas por pro­fes­sa­rem umha de­ter­mi­nada re­li­giom, desde que esta seja her­dada pola li­nha­gem ma­terna. Este tipo de acesso à ple­ni­tude dos di­rei­tos so­ci­ais e po­lí­ti­cos, que tem mais a ver com te­o­cra­cia do que com de­mo­cra­cia, nom se en­con­tra nou­tros Estados au­to­pro­cla­ma­dos de­mo­crá­ti­cos do mundo. Mas nom é tudo. Israel é, mesmo den­tro dos gru­pos ju­dai­cos, muito se­le­tivo, de tal forma que de­sen­volve tam­bém umha es­tra­ti­fi­ca­çom ra­cial nom de­cla­rada, mas que existe e é evi­dente: os ju­deus miz­rahi, do Levante e do Norte de África, e os etío­pes pa­re­cem nom ser tem bem re­ce­bi­dos como os ju­deus do grupo ash­ke­nazi, de ori­gem ger­mâ­nica e da Europa Central, mui­tos dos quais che­ga­dos hoje a Israel atra­vés da América.

A se­gunda ideia que Israel con­se­guiu es­ta­be­le­cer é que, de­pois do Holocausto, o mundo tem umha má­goa com as co­mu­ni­da­des ju­dai­cas que só pode ser sa­tis­feita con­ce­dendo a umha mi­no­ria re­li­gi­osa um di­reito de au­to­de­ter­mi­na­çom que o di­reito in­ter­na­ci­o­nal e as di­fe­ren­tes ide­o­lo­gias po­lí­ti­cas só apli­cam (ou re­cu­sam apli­car) às na­çons. É acei­tar uma mol­dura que, de al­gum modo, ne­gli­gen­cia ou­tras ví­ti­mas do Holocausto que o fo­ram pola sua ide­o­lo­gia, com des­ta­que para co­mu­nis­tas e anar­quis­tas, pola sua ori­en­ta­çom se­xual, pola sua ét­nica como ci­ga­nos roma e sínti, por exem­plo, ou po­las dis­ca­pa­ci­da­des fí­si­cas ou men­tais. É as­sim que se dis­se­mina a ideia de que existe algo como umha na­çom ju­daica. Aceitar isso se­ria o mesmo que acei­tar que existe umha na­çom mu­çul­mana –o que, aliás, é um dos prin­cí­pios bá­si­cos do Islam po­lí­tico wahha­bita e sa­la­fita que ins­pira a Al-Qaeda e, mais cla­ra­mente ainda, o Estado Islámico– ou que existe umha na­çom cristã à qual de­vem ser re­co­nhe­ci­dos di­rei­tos co­le­ti­vos, in­cluindo o di­reito a um Estado próprio.

Mais de me­tade da ci­da­da­nia is­ra­e­lita se di con­tra a ideia da igual­dade de di­rei­tos en­tre ju­deus e ára­bes e 57 % con­si­dera que o Estado de­ve­ria ter umha po­lí­tica de in­cen­tivo à emi­gra­çom da pouca po­pu­la­çom árabe ainda for­mal­mente re­si­dente no país

É evi­dente que existe tam­bém umha in­ter­pre­ta­çom cul­tu­ra­lista do ju­daísmo, e há mesmo quem rei­vin­di­que um ju­daísmo se­cu­lar. Mas quem olhar para o tipo de ju­daísmo que ins­pira os par­ti­dos mai­o­ri­tá­rios do Knesset e a so­ci­e­dade is­ra­e­lita nom verá muito disso. Polo con­trá­rio, verá um ju­daísmo mi­li­tante e ex­tre­mista, ca­paz de cha­mar de ini­mi­gos os pra­ti­can­tes de li­nhas or­to­do­xas que, de facto, ne­gam a ne­ces­si­dade, ou mesmo a pos­si­bi­li­dade, de o ju­daísmo ter o seu pró­prio Estado. Seja como for, o que en­con­tra­mos é este ju­daísmo po­lí­tico, que se apre­senta como um povo, rei­vin­di­cando um di­reito de re­torno que, de facto, nega fu­ri­o­sa­mente à mai­o­ria árabe ex­pulsa das suas ca­sas à me­dida que a ocu­pa­çom avança. Há mi­lha­res de ima­gens de pa­les­ti­ni­a­nos a mos­tra­rem as ve­lhas e pe­sa­das con­chas das suas ca­sas per­di­das desde a Nakba (1948) até hoje. O que os co­lo­nos is­ra­e­li­tas te­nhem para mos­trar, no en­tanto, som al­guns pou­cos ver­sí­cu­los con­tro­ver­sos da Torá.

Por úl­timo, mas li­gada à an­te­rior, está a ques­tom das co­ló­nias, que ad­qui­riu es­pe­cial re­le­vân­cia desde o ata­que ar­mado de 7 de ou­tu­bro, quando vá­rias de­las fô­rom ata­ca­das. A ideia-força aqui é apre­sen­tar os co­lo­na­tos como re­des ci­vi­li­za­ci­o­nais deste Estado mo­derno e con­fiá­vel, ha­bi­ta­dos por ci­vis cu­jas vi­das som bru­tal­mente in­ter­rom­pi­das polo ‘ter­ror do Hamas’.

Manifestaçom em Vigo, o 16 de ou­tu­bro, si­mul­tá­nea com ou­tras con­vo­ca­tó­rias em 16 ci­da­des e vi­las ga­le­gas. | ga­liza contrainfo

A re­a­li­dade é bem di­fe­rente. Nom só por­que as co­ló­nias som, elas pró­prias, ile­gais à luz de nu­me­ro­sos tra­ta­dos in­ter­na­ci­o­nais e re­so­lu­çons das Naçons Unidas (446 e ou­tras). Um rá­pido olhar his­tó­rico re­vela a ca­pa­ci­dade do Estado de Israel de ig­no­rar este tipo de nor­mas, in­cluindo aque­las que as­si­nou em tem­pos, como a IV Convençom de Genebra, que es­pe­ci­fica (ar­tigo 49) que “a po­tên­cia ocu­pante nom pode de­por­tar ou trans­fe­rir qual­quer parte da sua pró­pria po­pu­la­çom ci­vil para o ter­ri­tó­rio que ocupa”, mas, so­bre­tudo, por­que, para além do seu enorme peso po­lí­tico, os su­ces­si­vos go­ver­nos de Israel te­nhem dado a esta fi­gura cen­tral da ocu­pa­çom um pa­pel fun­da­men­tal na guerra psi­co­ló­gica, eco­nó­mica e ge­o­grá­fica con­tra a po­pu­la­çom pa­les­ti­ni­ana lo­cal. Quem po­voa es­sas avan­ça­das da ocu­pa­çom nom som pa­cí­fi­cas co­mu­ni­da­des de ci­vis de­sar­ma­dos. Muito me­nos num país que tem umha po­lí­tica de ser­viço mi­li­tar obri­ga­tó­rio, o que faz com que grande parte da po­pu­la­çom te­nha for­ma­çom mi­li­tar e onde é co­mum en­con­trar ci­vis ar­ma­dos gra­ças à po­lí­tica de ‘ar­mas para to­dos’, ex­ceto os ára­bes, pro­mo­vida pe­los go­ver­nos de Netanyahu. O que há som gru­pos vo­lun­tá­rios cuja ca­ra­te­rís­tica mais sa­li­ente é o seu ra­di­ca­lismo anti-árabe e a im­pu­ni­dade prá­tica com que per­se­guem e até ma­tam vi­zi­nhos ára­bes que nom fô­rom afas­ta­dos ou mor­tos du­rante a cons­tru­çom do seu pró­prio colonato.

O facto de no cimo de cada co­lina se en­con­trar um co­lo­na­tos, vi­sí­vel para toda a po­pu­la­çom pa­les­ti­ni­ana das al­deias e dos va­les, sem­pre acima das suas ca­be­ças, tem um va­lor mais psicológico

As co­ló­nias som, por­tanto, ar­mas de guerra. Aliás, som cada vez mais uti­li­za­das: o seu nú­mero cres­ceu 16 % nos úl­ti­mos 5 anos, ul­tra­pas­sando os 200.000 co­lo­nos em Jerusalém Oriental e os 500.000 na Cisjordânia, 60 % dos quais se en­con­tram já na cha­mada ‘Área C’, sob ad­mi­nis­tra­çom ex­clu­siva is­ra­e­lita, em­bora fora das fron­tei­ras de­fi­ni­das em 1967 e ofi­ci­al­mente do lado da Autoridade Nacional Palestiniana.

O facto de no cimo de cada co­lina se en­con­trar um des­tes co­lo­na­tos, vi­sí­vel para toda a po­pu­la­çom pa­les­ti­ni­ana das al­deias e dos va­les, sem­pre acima das suas ca­be­ças, tem um va­lor mais psi­co­ló­gico. Cria umha rede que des­con­ti­nua pro­po­si­ta­da­mente o ter­ri­tó­rio pa­les­ti­ni­ano sem que seja pos­sí­vel con­trolá-lo, es­pa­lhando pos­tos de con­trolo ad­mi­nis­tra­dos de forma de­li­be­ra­da­mente ar­bi­trá­ria e er­guendo mu­ros que en­cer­ram a po­pu­la­çom árabe e no­vas in­fra-es­tru­tu­ras só para is­ra­e­li­tas que cor­tam as pré-exis­ten­tes e fa­zem lem­brar de­ma­si­ado os co­lo­na­tos só para bran­cos do Louisiana ou do Texas ou os bair­ros só para ne­gros do Soweto. 

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