
Esta é a reconstruçom, em base aos testemunhos de famílias e trabalhadoras, dos primeiros dez dias da crise na primeira residência de maiores galega que sofreu um surto massivo, a Sam Carlos de Celanova.
Entre 18 e 27 de março o vírus mudou para sempre a Residência Sam Carlos de Celanova, um prédio com três andares e amplas janelas à entrada da vila que leva ali quatro décadas, quase tantas como a mais veterana das residentes. Há anos que ninguém reparava no edifício, que se integrou na paisagem quotidiana até desaparecer, como os velhos que fomos deixando em centros como este porque nom há tempo de atendê-los na casa. Hoje, a pandemia devolveu-nos à vista com umha pancada desonrosa.
O balanço hoxe foi de 11 residentes falecidas (oficialmente, 9 delas a causa da covid19) e 65 pessoas infetadas polo vírus (81% dos usuários e mais da metade das trabalhadoras). Mas as consequências para a saúde dos afetados que sobrevivérom ainda estám por determinar. Os maiores contagiados chegárom a estar distribuídos em quatro centros diferentes, nunca houvo um médico ao cargo de quem ficou, porque desde o principio, ainda com os protocolos, convivérom positivos e negativos, a Junta decidiu nom intervir a residência, e durante um mês, do dia 20 de março em diante, o centro nom contou nem sequer com umha enfermeira.
“Penso que pagamos um pouco ser o primeiro foco grave”, explica a diretora, de volta no centro depois de mês e meio na casa pola infeçom. “Fomos caindo enfermas, deixárom-nos soas desde o princípio, havia muita gente sem experiência e nem tínhamos material de proteçom. O medo apoderou-se de todas nós”, reflexiona umha das trabalhadoras. “O abandono foi injustificado”, dim as famílias que se movérom demandando desde o primeiro momento a intervençom. “A Junta abandonou os residentes, a nós mesmas e às trabalhadoras, e os patrons agochárom-se desde o começo deixando toda a responsabilidade na diretora e nas empregadas”.
O surto
Levavam uns dias com o que parecia um surto de gastroenterite. Várias das residentes vomitaram. Cousa comum, dim, com algumhas dietas. Mas nom apareceram outros sintomas, como febre ou a tosse seca, que sim figuravam nos protocolos que advertiam sobre o novo vírus. A gastroenterite nom se considerava um indicio. Isso começou durante a semana anterior. No dia 11 de março, a residência fechou as suas portas a todas as visitas como recomendava a Conselharia de Política Social. Algumhas famílias nom o tomárom bem. Nengumha pensava que botariam três meses sem voltar ver os seus. Tampouco imaginárom que onze delas só recibiriam umhas cinzas.

Fechárom-se, mas dentro a vida correu normal. Nengumha das 58 residentes, alguns deles habituados a fazer vida na vila, com umha saúde de ferro de setenta e poucos anos (homens viúvos ou solteiros, porque a essas idades elas apanham-se bem soas na casa, mas eles non); tampouco nengumha da vintena de trabalhadoras, com as suas vidas fora, famílias, filhas e filhos, parelhas ou nais e pais ao cargo, vírom vir a catástrofe.
No 18 à tarde umha das enfermas piorou. Na residência lembram que sofria de problemas respiratórios, por isso nom desconfiárom. Mas a enfermeira suplente, que foi contratada a semana anterior porque a titular estava de baixa, preocupou-se. Os médicos do PAC, situado justo ao cruzar a rua, também estavam preocupados. A maioria nom voltou pisar a residência. Dous deles sim, e também algumha enfermeira. Por humanidade, porque desde o princípio foi umha batalha entre a compaixóm e o medo.
A residência nom tinha médico. A lei nom o exige. E como a lei nom o exige, as trabalhadoras (nom todas) pensavam que estava bem assim. E, também, que com umha enfermeira chegava. Uns dias depois, as poucas auxiliares que resistírom o primeiro golpe da Covid19, sairiam à rua para lançar um SOS.
A mulher enferma foi trasladada. Intervírom um médico do PAC, o 061 e pessoal de Urgências do Hospital. Desde esse momento, a Conselharia de Saúde tinha constância do foco em Celanova. Emilia foi a primeira vítima oficial da covid19 na província, e segue a ser, nesta altura, a primeira vítima reconhecida da pandemia nas residências do país. As estatísticas som enganosas, mas nas seis semanas seguintes faleceriam a causa da infeçom quase trezentas pessoas nos centros de maiores da Galiza (274 segundo a estimativa de REDE, a federaçom de familiares de usuárias).
O dia de Sam Xosé
Essa manhá confirmou-se o positivo da mulher falecida. As trabalhadoras estirárom o turno para desinfetar quartos e preparar materiais. Aplicariam o protocolo que a Junta emitira seis dias antes, o 13 de março, que indicava como tratar casos individuais. Mas aquilo era um surto.
Ainda nem pensaram em usar as máscaras. Quando fôrom buscar o material, nom havia gorros nem calças nem trajes. A maioria delas já estavam contagiadas, mas nom o sabiam. Nom o soubérom até dous dias depois. O vírus circulou sem controle entre usuárias e trabalhadoras. Tinham outras quatro pessoas doentes, suspeitas de covid19. Mas nom havia material de proteçom.
O turno da noite reforçou-se. A enfermeira e qatro auxiliares ficárom ao cargo. Cada duas horas tinham que medir a temperatura e a saturaçom das 57 residentes. Duas mulheres piorárom, umha delas, com insuficiência respiratória. Pedírom o traslado ao CHUO. Já de madrugada, trasladariam outra.
A 19 de março a maioria das trabalhadoras estavam contagiadas, mas nom o soubérom até dous dias depois. O vírus circulou sem controle
Em poucas horas a enfermeira deu aviso ao PAC por sete residentes. No turno da noite instalou-se o medo. Começárom a elaborar proteçons com bolsas de lixo “mais do que nada para calmar-nos”. Por primeira vez as trabalhadoras sentírom-se abandonadas. A enfermeira atendeu umha chamada desde o Hospital. Ninguém dá o nome da pessoa que chamou para dizer que nom enviara mais pacientes… A enfermeira quebrou.
Essa mesma quinta-feira, o Ministério de Saúde emitiu umha ordem que concedia às Comunidades Autónomas a capacidade para intervirem as residências privadas.
Começam os testes
Na sexta feira, dia 20, desde o PAC de Celanova pedem que se lhe fagam testes a trabalhadoras e residentes. A enfermeira acudiu pola tarde passar a prova, e nom voltou aparecer. Renunciou. Desde esse dia, o centro de maiores (que tampouco tinha médico) quedou sem enfermeira.
A diretora da Sam Carlos passou a jornada ao telefone. Falou com as responsáveis territoriais de Política Social e da Área Sanitária de Ourense. Esse dia, em metade de um surto de covid19, numha residência que continuava albergando meio cento de idosos, já definida como a populaçom de mais alto risco, e durante os seguintes 30 dias na pior crise sanitária do século, os departamentos responsáveis do controle das residências (Política Social) e da assistência sanitária (Saúde), que tinham a ordem do Governo para intervir nos centros que o precisarem, deixárom Celanova sem enfermeira.
Tampouco figérom nada por reforçar o quadro de pessoal. A diretora só recebeu umha lista de telefones de umha bolsa de auxiliares e o contato de umha ETT. Foi todo o auxilio que Política Social prestou diante da emergência.
A diretora da residência só recebeu umha lista de telefones de umha bolsa de auxiliares e o contato de umha ETT. Foi todo o auxilio que Política Social prestou diante da emergência
O presidente da Junta, Alberto Núñez Feijóo, anunciou pola tarde que o governo galego contemplava o traslado de usuários infetados nas residências a outros centros como parte de um protocolo. Em realidade eram umhas recomendaçons da Sociedade Galega de Xerontoloxia e Xeriatria (SGXX) publicadas em começos dessa mesma semana.
O turno de noite dessa sexta-feira ficou reduzido a quatro auxiliares (com dous trocos, porque a duas delas comunicárom-lhes antes de começar que deram positivo no teste). Teriam de ocupar-se do trabalho de enfermaria (curas, medicaçom, mediçons, mesmo a valoraçom para avisar os médicos do PAC).
No sábado, isolamento; no domingo, políticos
Essa noite nom houvo traslados. Nas primeiras análises a residentes (14) 11 dérom positivo; entre as trabalhadoras havia 13 positivos mais. Os 24 casos somavam-se aos detetados na mulher falecida e na seguinte ingressada no CHUO. A diretora soubo esse dia que ela estava entre as contagiadas.
À manhá apareceu a primeira voluntária para ajudar com os almorços. Enquanto umhas trabalhadoras marchavam; outras duplicavam turno para mudar quartos e reorganizar o centro. No primeiro andar, os positivos; no segundo e no terceiro, os negativos. Começou o isolamento de todos eles. O medo transmitiu-se aos idosos. Em todos os quartos começárom a ligar a televisom. Os que tinham família, colhérom o móbil para perguntar.

No domingo a residência amanheceu com a diretora e 12 trabalhadoras nas suas casas em corentena. O serviço de limpeza e de cozinha cessou. O jantar e a ceia chegariam por catering da empresa concessionária. As refeiçons para as trabalhadoras serviu-nas umha padaria local.
Esse domingo houvo Conferência de Presidentes, e Feijóo propujo um protocolo único no Estado para as residências. Nom se conhece renúncia expressa a assumir a competência sobre as residências por parte de Feijóo, mas a Junta seguia sem tomar medidas em Celanova.
O subdelegado do Governo em Ourense e o conselheiro de Presidência combinárom em solicitar a intervençom da UME (Unidade Militar de Emergência) que depende do Ministério de Dereitos Sociais. De tarde houvo um traslado (o quarto) de um residente ao CHUO. E pessoal do HADO (serviço de Hospitalizaçom a Domicílio) que acudiu à residência, deixou umha caixa com medicaçom de paliativos para que as trabalhadoras puidessem atender algum caso grave.
Na segunda-feira, chamada de auxílio
O começo da semana resistem 8 trabalhadoras. A UME aparece passado o meio-dia com o seu habitual coro de câmaras e jornalistas. Ordenárom despejar os quartos e concentrar os residentes. Salvo os encamados (três deles, em positivos), que os quitárom ao corredor enquanto desinfetavam. A UME trabalhou até o jantar, mas os residentes devérom esperar a que os quartos ventilassem e as sete e media da tarde a ceia ainda se serve nos espaços comuns.
Algumha trabalhadora chorou diante dos militares. Pessoal da UME sugeriu às empregadas que abandonaram. Três das auxiliares colhérom a baixa na manhá seguinte. O corpo de empregadas ficou reduzido a cinco. Nesse momento, na residência seguem 54 residentes. Onze deles com covid19. Outros estám contagiados, mas ainda nom o sabem.

A conselharia de Política Social lamentou que “as instruçons que recebeu a UME por parte do Governo central fossem unicamente a desinfeçom”, antecipando o argumento de Feijóo ao dia seguinte.
As trabalhadoras sentírom-se enganadas e empurrárom à encarregada eventual, que levava dias pedindo-lhes paciência, a sair à porta da residência e falar diante dos meios antes de que a UME desaparecesse. Sonia Opazo fix¡jo um chamamento desesperado, mas medido. “Pido-lhes que nom pidam tanta burocracia… porque nom temos tempo para isso. O que necessitamos som maos para ajudar e trabalhar”. A Junta seguiu sem responder.
Esse dia houvo um traslado (o quinto) de um paciente que dera positivo. O Sergas completou os testes ao resto de residentes. Pola tarde, a onda de solidariedade estendeu-se por toda a vila. Empresas de pintura e de veterinária doárom EPIs; umha empresa de informática construiu ecráns de proteçom numha impresora 3D. As famílias organizárom um grupo de voluntárias.
À noite, o turno reduziu-se a três trabalhadoras, umha delas, contratada nesse mesmo dia. Também pola noite, o presidente da SGXX recebe a chamada de Política Social que lhe anuncia que a partir do dia seguinte se fará cargo da direçom do chamado centro intermédio de Banhos de Molgas que começará a receber pacientes infetados procedentes das residências.
Feche, em falso, da crise
Os onze casos confirmados durante a fim de semana serám os primeiros residentes em ocupar um centro intermédio. Levarám-nos de tarde, enquanto o presidente Feijóo comparece para dar explicaçons sobre a crise.
Feijóo explica essa terça-feira em rolda de imprensa que o Governo central gerou “confuson” sobre o papel que vinha desenvolver a UME. Pacientes de Celanova som derivados a Banhos de Molgas, a um centro que se habilitou a toda velocidade, com pessoal contratado dos centros de dia e um equipo médico que se negou a Celanova. Três dias depois, o plano fracassou assim começárom a aparecer positivos em mais residências. Com dous centros nom bastaria. Se o plam era nom colapsar os hospitais, haveria que intervir residências.
O balanço foi de 11 residentes falecidas –oficialmente, 9 delas a causa da covid19– e 65 pessoas infetadas polo vírus –81% dos usuários e mais da metade das trabalhadoras–
Na quarta-feira produze-se umha nova derivaçom a Banhos de Molgas. Por enquanto, os responsáveis do centro intermédio advertem ao Sergas que nom poderám atender a grandes dependentes.
Na quinta-feira, as trabalhadoras tenhem preparados os idosos mui cedo para o traslado. “Demos-lhes bolsas de plástico para que metessem nelas o imprescindível. Algumha roupa, telefones, cousas de asseio… as medicinas irám por outro lado. Despedimo-nos. Eles também pensárom que nom nos voltaríamos ver”. A empresa de ambulâncias informa às oito da manhá de que a operaçom adia-se.
A diretora, na casa, segue a procurar gerocultoras. Consegue contrataçons para o turno da noite estar atendido por 4 auxiliares, e a de dia por 6. Ainda nom há descansos.
“Durante esses dias nom paramos. Enquanto nos acostumávamos aos protocolos, havia que levantá-los, asseá-los, dar-lhes o almorço, a ceia, controlar temperaturas, saturaçons… Nessa semana mudamos duas vezes a disposiçom dos residentes positivos. Éramos poucas e o trabalho, com os contágios, aumentara. E todos tínhamos medo”.
Traslados
Ao meio-dia do 27, sexta-feira, figérom-se públicos os resultados dos testes. Dos 31 novos positivos, 8 deles nom serám trasladados a Banhos de Molgas porque aquele centro carece de meios para atender grandes dependentes. As residentes que seguirám em Celanova serám distribuídas em dous andares. Maiores saudáveis e pacientes de covid19 convivirám assim durante seis semanas.
“Seguimos sem enfermeira, fazendo todo esse trabalho nós, e seguimos sem material suficiente. Estávamos exaustas. Entom, esse dia, chegárom por fim os traslados, as despedidas que tanto temíamos…” Vinte e dous residentes que fôrom levados em ambulâncias e autocarros a Banhos de Molgas.
No sábado, dia 28, registou-se a segunda morte pola covid19 entre as residentes. Os patrons só falárom duas semanas depois para um meio local com umha exculpaçom piadosa: “Colheu-nos a todos por surpresa”. Ninguém assumiu ainda responsabilidade algumha.