Periódico galego de informaçom crítica

Candelária canta

por
‘o man­tón vi­o­leta’, luís se­o­ane (1973)

Porque nom hei de cantare
por­que nom hei de cantare,
por­que nei de andar’e alegre
men­tras nom te­nha pesare…

Candelária par­tiu umha perna. Enquanto es­pera dei­tada nu­nha cama de hos­pi­tal a que o sin­trom deixe de fa­zer efeito no seu corpo, ela canta. Meteu-lhe essa ma­nia a sua nai. Seica can­ta­vam as duas na la­reira to­das as noi­tes. E ela, que já nom tem la­reira nem nai, ainda canta. Porque Candelária é ve­lha, mas tam­bém fai país atra­vés da sua garganta.

Os ma­ri­nhei­ros da Serra
os ma­ri­nhei­ros da Serra
bo­tam a rede no mar
co­lhem a sar­di­nha cheia

Candelária tra­ba­lhou no mar apa­nhando no me­xi­lhom e na ameixa. Nunca co­ti­zou por isso, ainda que os ho­mens das sar­di­nhas sim o fi­ges­sem. Tem na ca­beça o nome de cada peixe e mo­lus­cos que há na ria de Corme e pode-chos re­ci­tar de me­mó­ria. Porque Candelária é ve­lha, mas tam­bém é classe obreira.

Todo o mundo me marmula
por­que som adivertida
ma­las len­guas para o inferno
qu’eu govern’a mi­nha vida

Candelária foi a pri­meira al­fa­reira da bis­barra. Ela non lhe dá im­por­tân­cia. Às ve­zes nem se lem­bra se non lho re­cor­dam, mas o seu fi­lho conta‑o as­sim tem a mí­nima opor­tu­ni­dade. Porque Candelária é ve­lha mas tam­bém é fe­mi­nista (ainda nom sa­bendo quê raios de pa­la­vra é essa).

Ata o mandil
ata o man­dil Dolores,
ata o mandil
que che vam cair as flores.

Candelária tem três fi­lhos que go­zam de boa saúde e es­tám de bom ver; po­rém é cui­dada por unha neta as 24h do dia. Sustentar a vida deve ser algo que se herda só no cro­mos­soma XX. Quando a neta des­cansa vem unha mu­lher de es­tra­perlo para po­der che­gar a fim de mês. Porque Candelária é ve­lha mas tam­bém ne­ces­sita ser cui­dada, tanto como as novas.

[des­pe­dida]
Anque me vou non me vou‑e
an­que me vou non te olvido
an­que me vou c´o meu corpo
nom me vou c´o meu sentido.

Candelária tem alzhei­mer. Por ve­zes nom lem­bra bem do seu nome e en­fada-se toda por­que o tem na ponta da lín­gua. Mas cada vez que o seu fi­lho se des­pede, ela acon­se­lha-lhe que te­nha cui­da­di­nho na es­trada. Porque qui­çais, umha das úl­ti­mas cou­sas que se de­sa­pren­dam na vida, seja o amor.

Dentro de pou­cos anos, quando Candelária perda por com­pleto a ca­pa­ci­dade de co­mu­ni­car-se e de ali­men­tar-se por si pró­pria, qui­çais con­siga vaga num cen­tro de dia. Se tem sorte numha re­si­dên­cia con­cer­tada em que o ra­tio de pes­soal sa­ni­tá­rio está muito por baixo da ne­ces­sá­ria para a dig­ni­dade hu­mana. O di­nheiro que se aforre nas con­di­çons la­bo­rais das em­pre­ga­das irá di­re­ta­mente para os bol­sos dal­gum amigo de gra­vata do go­verno de turno. Ainda asim, Candelária terá a obriga de sen­tir-se afor­tu­nada por es­tar numha ca­deira de ro­das co­lo­re­ando man­da­las ao ca­rom dou­tras cin­quenta pes­soas so­bre­me­di­ca­das. Nengumha ins­ti­tui­çom re­com­pen­sará Noélia (neta sen nome) por em­pre­gar os úl­ti­mos seis anos da sua vida no cui­dado da sua avoa. E evi­den­te­mente tam­pouco nen­gumha em­presa o fará sa­bendo a Noélia sem ex­pe­ri­ên­cia la­bo­ral prévia.

A saúde pú­blica muito tem que apren­der ainda de Candelária, e de to­das es­sas mu­lhe­res, que ainda es­que­cendo, se­guem ensinando.

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