Estou cansado. Muito cansado. Estou tam cansado que às vezes pergunto-me se vou estar cansado para sempre. Venho dum período de grande esforço em que concursei para professor e comecei a trabalhar no ensino secundário ao tempo que acabava a tese de doutoramento. “Foi um sacrifício para um bem maior”, digo-me. “Conseguiste”, insisto. Mas é razoável, mesmo num caso assim, andar cansado dous anos, três anos, talvez mais? Com certeza nom. E com certeza a maioria de nós conhecemos alguém que encaixa na figura do opositor fatigado ou do pesquisador desiludido.
Aliás, é realmente algo pontual? Nom consigo reviver com claridade como estava quando estudava o grau, mas nom lembro que fosse um tempo folgado. Agora vivo na minha pele a enorme mentira do funcioneti lacazám. No fim de semana as que somos novas na profissom despedimo-nos dizendo “nom trabalhes demais”, “pensa que o descanso é umha parte do rendimento”, “quando menos, nom fagas nada na manhá do sábado”. Sabermos que estamos com melhores condiçons laborais que muitas amigas precárias dissuade-nos de falar de como nos sentimos. O companheirismo num centro escolar sanda.
Penso muitas vezes em Paul Lafargue, que em ‘O direito à preguiça’ reclama umha jornada laboral de três horas e di que as pessoas serám felizes quando puderem dispor das suas vidas para a diversom, a formaçom e os seres queridos
Quando o momento é pior queixo-me do concreto. Das rátios, das burocracias e da frustraçom de nom poder ajudar a quem necessita como merece. Aí orgulho-me de pagar a quota da CIG, sonho com barricadas e penso muitas vezes em Paul Lafargue e em O direito à preguiça de 1880, onde reclama umha jornada laboral de três horas e di que as pessoas serám felizes quando puderem dispor das suas vidas para a diversom, a formaçom e os seres queridos. Assim tam simples, assim tam longe.
Lafargue afirma também que os galegos somos umha raça para a qual o trabalho é umha necessidade orgánica, como os auvérnios ou os escoceses. O minifúndio rural e o pequeno comércio teriam infundido no povo umha obsessom enfermiça, “nunca se endireitando para contemplar, sem pressa, a natureza”. Posto que fala em termos de alguém que viveu antes da II Guerra Mundial, nom nos imos enfadar hoje com ele e imos deixar à margem a questom étnica. Veremos que sinala um problema importante: a exploraçom a que se submete quem atua como o seu próprio chefe.
Sabermos que estamos com melhores condiçons laborais que muitas amigas precárias dissuade-nos de falar de como nos sentimos
De férias, quando após duras semanas por fim tenho uns dias livres, às vezes sinto ansiedade. Vejo nas redes pessoas a dizerem “este ano só li tantos livros”, “este ano nom publiquei poemário nenhum”, “em seis meses nom conseguim compor umha música boa”. Eu também quero fazer cousas de que gosto, tenho múltiplas paixons, quase tudo me estimula, mas surpresa! Estou cansado. Mesmo assim tento‑o até converter os hobbies noutra espécie de trabalho bis. Podo ver que somos muitas as pessoas que estamos a analisar as nossas vidas com critérios produtivistas, mas nem sabendo‑o consigo mudar.
Som feliz sem fazer nada, estando com as amigas e com a família, lendo sem pensar para quê. Acredito que só do aborrecimento nasce a criatividade. Mas se lhe dedico muito tempo ao lazer, aparece a culpa. Diz Byun Chul Han que na atualidade nos exploramos a nós mesmas e cremos que nos estamos realizando. Tremenda vitória do capitalismo. Levámo-lo dentro.