Periódico galego de informaçom crítica

Cansado e culpável

por
jan bu­chc­zik

Estou can­sado. Muito can­sado. Estou tam can­sado que às ve­zes per­gunto-me se vou es­tar can­sado para sem­pre. Venho dum pe­ríodo de grande es­forço em que con­cur­sei para pro­fes­sor e co­me­cei a tra­ba­lhar no en­sino se­cun­dá­rio ao tempo que aca­bava a tese de dou­to­ra­mento. “Foi um sa­cri­fí­cio para um bem maior”, digo-me. “Conseguiste”, in­sisto. Mas é ra­zoá­vel, mesmo num caso as­sim, an­dar can­sado dous anos, três anos, tal­vez mais? Com cer­teza nom. E com cer­teza a mai­o­ria de nós co­nhe­ce­mos al­guém que en­caixa na fi­gura do opo­si­tor fa­ti­gado ou do pes­qui­sa­dor desiludido.

Aliás, é re­al­mente algo pon­tual? Nom con­sigo re­vi­ver com cla­ri­dade como es­tava quando es­tu­dava o grau, mas nom lem­bro que fosse um tempo fol­gado. Agora vivo na mi­nha pele a enorme men­tira do fun­ci­o­neti la­ca­zám. No fim de se­mana as que so­mos no­vas na pro­fis­som des­pe­dimo-nos di­zendo “nom tra­ba­lhes de­mais”, “pensa que o des­canso é umha parte do ren­di­mento”, “quando me­nos, nom fa­gas nada na ma­nhá do sá­bado”. Sabermos que es­ta­mos com me­lho­res con­di­çons la­bo­rais que mui­tas ami­gas pre­cá­rias dis­su­ade-nos de fa­lar de como nos sen­ti­mos. O com­pa­nhei­rismo num cen­tro es­co­lar sanda.

Penso mui­tas ve­zes em Paul Lafargue, que em ‘O di­reito à pre­guiça’ re­clama umha jor­nada la­bo­ral de três ho­ras e di que as pes­soas se­rám fe­li­zes quando pu­de­rem dis­por das suas vi­das para a di­ver­som, a for­ma­çom e os se­res queridos

Quando o mo­mento é pior queixo-me do con­creto. Das rá­tios, das bu­ro­cra­cias e da frus­tra­çom de nom po­der aju­dar a quem ne­ces­sita como me­rece. Aí or­gu­lho-me de pa­gar a quota da CIG, so­nho com bar­ri­ca­das e penso mui­tas ve­zes em Paul Lafargue e em O di­reito à pre­guiça de 1880, onde re­clama umha jor­nada la­bo­ral de três ho­ras e di que as pes­soas se­rám fe­li­zes quando pu­de­rem dis­por das suas vi­das para a di­ver­som, a for­ma­çom e os se­res que­ri­dos. Assim tam sim­ples, as­sim tam longe.

Lafargue afirma tam­bém que os ga­le­gos so­mos umha raça para a qual o tra­ba­lho é umha ne­ces­si­dade or­gá­nica, como os au­vér­nios ou os es­co­ce­ses. O mi­ni­fún­dio ru­ral e o pe­queno co­mér­cio te­riam in­fun­dido no povo umha ob­ses­som en­fer­miça, “nunca se en­di­rei­tando para con­tem­plar, sem pressa, a na­tu­reza”. Posto que fala em ter­mos de al­guém que vi­veu an­tes da II Guerra Mundial, nom nos imos en­fa­dar hoje com ele e imos dei­xar à mar­gem a ques­tom ét­nica. Veremos que si­nala um pro­blema im­por­tante: a ex­plo­ra­çom a que se sub­mete quem atua como o seu pró­prio chefe.

Sabermos que es­ta­mos com me­lho­res con­di­çons la­bo­rais que mui­tas ami­gas pre­cá­rias dis­su­ade-nos de fa­lar de como nos sentimos

De fé­rias, quando após du­ras se­ma­nas por fim te­nho uns dias li­vres, às ve­zes sinto an­si­e­dade. Vejo nas re­des pes­soas a di­ze­rem “este ano só li tan­tos li­vros”, “este ano nom pu­bli­quei po­e­má­rio ne­nhum”, “em seis me­ses nom con­se­guim com­por umha mú­sica boa”. Eu tam­bém quero fa­zer cou­sas de que gosto, te­nho múl­ti­plas pai­xons, quase tudo me es­ti­mula, mas sur­presa! Estou can­sado. Mesmo as­sim tento‑o até con­ver­ter os hob­bies nou­tra es­pé­cie de tra­ba­lho bis. Podo ver que so­mos mui­tas as pes­soas que es­ta­mos a ana­li­sar as nos­sas vi­das com cri­té­rios pro­du­ti­vis­tas, mas nem sabendo‑o con­sigo mudar.

Som fe­liz sem fa­zer nada, es­tando com as ami­gas e com a fa­mí­lia, lendo sem pen­sar para quê. Acredito que só do abor­re­ci­mento nasce a cri­a­ti­vi­dade. Mas se lhe de­dico muito tempo ao la­zer, apa­rece a culpa. Diz Byun Chul Han que na atu­a­li­dade nos ex­plo­ra­mos a nós mes­mas e cre­mos que nos es­ta­mos re­a­li­zando. Tremenda vi­tó­ria do ca­pi­ta­lismo. Levámo-lo dentro.

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