A Compostela da minha infância desaparece aos poucos entre quem sente que nada se pode fazer por evitá-lo e quem nom vê o que está a acontecer. A cidade vai deixando de ser minha, nossa, vai apagando as memórias, enquanto desaparecem os espaços comuns de lembranças coletivas. Já nom fica nengum dos cafés onde costumava ler e conversar, e os locais onde fum descobrindo a cidade e a idade adulta apenas existem na minha memória. Aquelas maravilhosas e desérticas ruas das noites de agosto som só umha bela estampa difícil de imaginar para quem tem menos de 30 anos e para quem hoje vê como cada dia se vai construindo um pequeno apartheid no centro da cidade.
O turismo chega a Compostela à sombra de Barcelona, Porto, Veneza, Maiorca, Lisboa. Umha sombra que cresce e que cada dia nos escurece mais.
Gaiteiros de aluguer, cancioneiro católico ecoando nas pedras, menus do peregrino nas velhas tascas. Milhares de mesas e para-sóis nos antigos espaços de jogo e namoro hoje privatizados e vendidos à hotelaria. Souvenirs à venda nas padarias e pacotes turísticos nos ultramarinos. Táxis, carros de aluguer, transporte de mochilas e serviço de lavandarias numhas ruas pedonais mais transitadas que nunca. Casas que nom som lares, vizinhas que ficam sós entre habitantes esporádicos que nunca estám quando se acaba o sal.
O centro é para eles. Mais de 50% das casas da zona histórica som para eles. Compostela é a cidade do estado com maior pressom turística em funçom do alojamento: 138 camas por cada 1000 habitantes. Os apartamentos turísticos transformam os bairros e obrigam-nos a pagar mais, a viver sem serviços básicos, a viver entre desconhecidas, a aguentar barulho, a ver desaparecer a nossa língua e a comer paelha.
Só a vida comunitária poderá ajudar a travar este tsunami. Associar-se com outras vizinhas, ocupar o nosso espaço público com atividades coletivas, organizar a luita, o protesto e a vida em comum.