Estamos a viver uns dias esquisitos, uns dias em que os nossos fogares mutárom de refúgio em prisom. A situaçom de confinamento produzida a raiz do Covid-19 em todo o mundo tem afetado as vidas de todas nós dumha maneira que marcará um antes ou depois. E coma se numha anómala cena procedente dum reality antropológico ao estilo do clássico filme de Peter Weir, The Truman Show (1998), virasse realidade, reduzindo ainda mais, até o mínimo, o nosso espaço de desenvolvimento e interaçom. Se a cidade de Seaheaven proporcionava um espaço de vigilância e convívio controlado onde Jim Carrey se movia, nós estamos num espaço pandémico em que a realidade voltou superar o filme. E entre a luita contra toda a situaçom, os nossos próprios vizinhos fam o papel de Christof na sua particular luita pola integridade na gestom de crises sanitárias de índole global.
Em 1960, foi a estreia do filme de Jacques Becker Le trou. Neste filme, o moço Gaspar chega a umha (saturada) prisom francesa, onde os seus 4 parceiros de cela estám argalhando um plano para fugir da mesma. A sua chegada altera estes, até que se constrói a confiança entre o novo e o grupo. É um filme escuro e incluso monotemático, onde toda a trama e obsessons dos protagonistas giram arredor do buraco no chao que estám a ampliar. É a partires desse buraco, espaço de liberdade e de esperança face onde se dirigem as ânsias e obsessom dos cinco presos, que se constroem as relaçons entre eles. Chadwick Jenkins comenta no web Pop Matters que a chave de bóveda dum bom filme de fugas é o processo no qual se chega a desejada evasom. Em Le trou encontramos 5 presos que nom só tenhem que usar a sua inventiva para sair da sua cela, mas também precisam dela para lograr umha convivência no meio da rotina da prisom. Roland declara num dos momentos de ócio que, estando assim, umha das escassas cousas que podem fazer ali é comer e trabalhar buscando a saída. Similar ao que muitos de nós estamos a viver. As bases do seu sucesso como grupo constroem-se no filme com silêncios e compreensons mútuas entre eles próprios dos tempos. A síntese do filme de James Hoberman para o New York Times é própria também para a crise atual: “Le trou denuncia a injustiça e celebra a solidariedade, deixado-te golpeado com o que acontece às vezes quando ambos valores convergem”.
“Le trou denuncia a injustiça e celebra a solidariedade, deixado-te golpeado com o que acontece às vezes quando ambos valores convergem”
Nom quero finalizar esta breve coluna sem mencionar umha iniciativa, das muitíssimas que há no eido cultural agora mesmo, como é o festival Cortos en Casa. É umha das muitas janelas de resiliência cultural de que dispomos hoje, e com ela descobrim assim trabalhos como La vivre ensamble, de José Luís Santos Pérez. Um magnífico exemplo de cinema de autor que se achega a problemáticas globais através da combinaçom que Yasujiro Ozu definiu num dos seus artigos nos anos 40 no jornal Yomiuri Shinbun: “encontrar temas novos é importante, mas eu mais que nada penso em tentar fazer novos filmes com ingredientes de sempre”. Há que passar esta crise com a resiliência que a situaçom nos permita achar face a nova problemática, e rascunhar novos ingredientes com que fermentar umha narrativa do que som estes tempos.