Gabriel Pombo Da Silva nasceu em novembro de 1967, no popular bairro do Poulo, na cidade de Vigo. Acompanhou os pais na dura emigraçom à Alemanha, (“tratavam-nos como se fôssemos gado”), onde viveu a sua primeira experiência de cárcere num centro de menores. Percorreu meia Europa antes do regresso a Vigo, onde iria começar a expropriar na década de 80. Passou 32 anos da sua vida dentro da cadeia, a luitar a partir dela e a fugir, num incansável combate na procura da liberdade individual e coletiva.
Conversamos com ele no exílio português já que continua com causas abertas em Itália e Alemanha. Nesta colaboraçom com Galiza Contrainfo, que inclui umha peça audiovisual que recolherá esta entrevista, falamos sobre passado, presente e futuro.
Quando é que começas a tomar consciência e a refletir sobre o anarquismo e a açom direta?
Tivem umha evoluçom constante ao longo da minha vida, umhas vezes com mais inocência, outras mais munido teoricamente. Quase toda a minha luita partiu da cadeia e quando saía a minha peleja continuava. Nos anos 89 e 90 participei dum grupo armado que figemos a partir da APRE (associaçom de presos em regime especial), nós éramos o setor galego e chamávamo-nos de Irmandade Galega. Tudo quanto eu olhava à minha volta fazia com que tomasse consciência, via pessoas que por serem fascistas ou por terem dinheiro viviam bem, enquanto a maior parte das pessoas do meu bairro nom tinha nada. Naquela altura tínhamos consciência e raiva e por isso também podíamos fazer outras cousas.
Nos anos 89 e 90 participei dum grupo armado que figemos a partir da APRE (associaçom de presos em regime especial), nós éramos o setor galego e chamávamo-nos de Irmandade Galega.
Como começas a expropriar bancos?
Conheci pessoal da Copel, autónomos, anarquistas. No começo era motorista. Chamavam-me Mustang porque roubara um Ford Mustang que deixei seis meses no monte. A cada pouco, baixávamos a roubar gasolina, enchíamos os depósitos e íamos fazer açons. Estávamos na mira da Brigada da Noite, um grupo da polícia local quase paramilitar que atuava em Vigo aquando da criaçom do 092, para fazer face ao que eles chamavam de delinquência. Havia muita pobreza e nós o que fazíamos era roubar, ainda que já lhe chamávamos expropriar. Lembro-me bem dalgumhas delas, como a expropriaçom da fábrica da Revilla, onde acabámos por levar a caixa-forte e distribuímos enchidos por todo o bairro de Teis.
A brigada anti-assaltos, que acabaria por ser dissolvida, fai parte dumha história mui sinistra que incluía mortes e sequestro. Sequestrárom-me umha vez em Peinador e levárom-me para a Madroa, malhárom-me e lançárom tiros ao meu lado.
Quantas pessoas participávades dessas açons? Que motivaçons havia?
Em Vigo havia cerca de 100 pessoas a expropriarem bancos até à década de 90. Os motivos eram diversos, nem tudo era para a causa. Havia gente que o fazia porque nom queria trabalhar. Havia muita gente dececionada com a política que se especializou em assaltos. Chegou a época das drogas e acabárom por sair de cena. No meu grupo até que nos desarticulárom em março de 1990 depois de nos terem apanhado em Ourense, estivemos ativos. Nom havia expropriadores delinquentes ou expropriadores políticos, era bem mais complexo do que isso. Importavam as amizades e as necessidades. Para mim, existia e existe umha prioridade por cima de qualquer ‘ismo’ e ela é, os presos e as famílias deles.
Que implicou para ti a entrada na prisom? Como é que enfrentas essa nova etapa?
Eu era mui otimista e pensava que íamos ganhar. Nom pensava na derrota, nem que ao chegar dentro fosse ter que me humilhar, nem que tivesse de fazer algo distinto daquilo que tinha feito fora. Por isso, para mim, a cadeia foi mui dura. A maior parte das pessoas que militam fam a revoluçom fora, chegam dentro e aquilo é como a ‘mili’, disciplina, repregar-se e pronto. Eu nom queria acreditar, olhava à minha volta e via muito material humano, e eu já nada tinha, assim é que me pugem a fazer de agitador, de advogado, de psicólogo. Umha vez por ano tinha que tentar fugir.
Para mim a cadeia foi mui dura, umha vez por ano tinha que tentar fugir.
Ademais, para mim o desporto era fundamental, ensinava artes marciais. Denunciávamos a tortura e o incumprimento de umha série de questons a que entendíamos tínhamos direito e polas quais já tinham combatido quem nos precedera na Copel. Dentro compreendim que continuávamos num regime fascista, mesmo em relaçom a cousas tam básicas quanto escrever umha instância, na qual devias escrever qualquer cousa como ‘ruego a su señoría’; a rebeliom surge em cousas como essa, pôr o meu nome, Gabriel Pombo, e nom o número que como preso me nomeava.
Na cadeia encontrei um panorama terrível, todos a sofrerem de hepatite, sem médicos nem cuidados de saúde, sem atividades… Muitos rapazes eram violados logo depois de entrarem à cadeia, alguns elementos da Copel, assim que esta faliu, acabárom por se tonarem uns mafiosos, os menores éramos disputados como se fôssemos objetos sexuais. Quando entrei em Vigo, na Avenida de Madrid, estávamos juntos, adultos e menores, condenados e em preventiva, por todo o tipo de crimes e sob a lei do mais forte. O primeiro que figem ao entrar foi afiar umha colher para me defender.
Eu sou anarquista, sou galego, conheço o contexto daqui e de meio mundo. Bakunin tanto falava da libertaçom individual quanto coletiva dos povos.
Qual é a tua opiniom sobre a luita pola libertaçom nacional dentro do Estado espanhol?
O que se passa no Estado espanhol nom serve para outros estados ou territórios com luitas como a do povo mapuche na qual estám envolvidos muitos anarquistas. Eu sou anarquista, sou galego, conheço o contexto daqui e de meio mundo. Bakunin tanto falava da libertaçom individual quanto coletiva dos povos. Eu dixem sempre que nunca iria luitar por umha naçom em si mesma, mas compreendo que o meu povo, se quer ser livre, tem que luitar porque nom lho vam dar como nunca nada lhe dérom a ninguém. Para mim a luita nom é apenas o nosso espaço físico, mas também aquilo que fagamos depois com essa Galiza. Pareceu-me sempre umha injustiça a opressom que sofria a minha língua e sempre a falei. Na cadeia soubemos também defender-nos como galegos e sempre apoiei os meus paisanos.
Achas que com a resistência civil e com métodos nom violentos se poidam atingir objetivos que beneficiem o comum?
Umha vez dixeram-me que aquilo que eu fazia com os bancos, expropriá-los, estava mui bem, mas que eu ia com armas. Se pudesse ia de ramo de margaridas na mao, mas que é violência? Violência é que te insultem, que te violem, que nom consigas chegar ao fim de mês, que tenhas que ver os teus filhos a passarem fame, teres que emigrar, teres que estar sempre em alerta porque estejas na mira de 40.000 lacaios deste Estado de merda, que tenhas umha infiltrada ao teu lado como me aconteceu na última armadilha que a polícia me preparou em Mos. Eles é que som violência. Eu queria é ter feito bem mais do que resistência civil. Depois das torturas que vivim, dos companheiros que me assassinárom, nom consigo arrepender-me de nada. Infelizmente, nem todos estám dispostos a darem tudo por tudo e foi isso o que a mim me aconteceu e a muitos outros, que ficamos sozinhos e, acontece que, se somos sempre os mesmos, acabamos por sentir umha grande frustraçom e nom poderemos resistir..
Que projetos tés agora pola frente?
Por enquanto, ajo como um nômada, tenho cousas pendentes e ainda por esclarecer, com a fiscalia italiana e em Alemanha. Se pudesse ia para o meu quintal em Mos e tratava do meu ateneu, agitando como figem a vida toda. Desde que saim que dei umha cheia de palestras, sempre a falar no sistema prisional. Nunca me esqueço dos torturadores, que continuam a fazer sofrer às pessoas, a viverem desse sofrimento alheio, é dos carcereiros que eu falo. Eis o tipo de trabalhadores que eu nunca apoiaria. Eu estou com quem sua para comer e nom com quem oprime para comer.
Se algum dia conseguir deixar de ter essa espada de Dâmocles acima de mim, regressaremos a Mos, abriremos o Ateneu Agustín Rueda, que será um punho negro no meio de Mos a lembrar os fascistas que nunca esquecemos os nossos companheiros, que os vingamos e que os lembramos eternamente; para que as novas geraçons podam usufruir de um espaço onde refletirem, teorizarem e aprenderem artes marciais para conseguirem romper-lhe a cara aos fascistas.
Sentes alguma cousa em falta desde a tua saída da prisom? A que reflexom gostarias de nos convidar como ponto e final nesta conversa?
Umha das cousas que mais dano me fijo desde que saim foi comprovar essa indiferença cara ao mais elemental, cara à nossa dignidade como pessoas, povo, coletivo. Se um nom ama aquilo que vê e o que quer, nom sei como poderei convidá-lo a amar aquilo que tem e a luitar por isto.
Agora tenho a minha filha, que se chama Lua Iraultza, de 4 meses, e ela será o que ela queira ser. Eu podo dar-lhe as ferramentas que eu tenho, a minha experiência. E se alguém tentar arrebatar-me o que é meu defenderei-no com armas, com unhas, com pedras, com tudo. E o mesmo defendo para o meu clam, defendim sempre os meus, os amigos, companheiros, trabalhadores, estudantes, a minha terra, quando ainda acreditava nela, e continuarei a dar tudo ali onde for.
É um prazer viver o que um deseja e é um prazer quando nos querem humilhar, meter-lhes um punho e fazer com que se ajoelhem. Nom temos que ser pessimistas, tudo quanto nos oprime, pode cair. Vim pessoas mui boas a darem-no tudo, morrerem em greve de fame, serem assassinados a tiro, torturados. Eu viverei sempre a defender os meus, de mao aberta e punho fechado. Sentir e viver, mais nada.