Nos últimos tempos tem aumentado exponencialmente a pressão extrativista sobre o rural galego, somando-se aos projectos de mineração a recente explosão de novos parques eólicos. Estas agressões ambientais não ficaram sem resposta, gerando uma intensa conflitividade social caricaturizada com frequência pelos responsáveis do expólio como “síndrome NIMBY” (do inglês, Not In My Back Yard; ou “não na minha horta”).
Além destas tentativas de deslegitimação dos movimentos de resistência, as novas manifestações do que Scott chamara “formas cotidianas da resistência labrega” em verdade supõem uma séria ameaça para o que desde as instituições europeias de denomina “acessibilidade social ao recurso” (eólico ou mineral) e “licença social para operar”, eufemismos para a pacificação das populações.
Para esta pacificação as corporações e governos utilizam uma série de métodos que pesquisadoras como Andrea Brock e Alexander Dunlap denominaram “contra-insurgência suave”, adaptando as estratégicas clássicas centradas na intimidação e na engenaria social para atingir as percepções e reações das populações. Estes métodos de intensidade variável abranguem um amplo espectro, desde o banho verde ou lilás (greenwashing e purplewashing) até as ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPP) ou a fabricação de supostos movimentos sociais de apoio aos projetos (astroturfing).
Corporações e governos utilizam uma série de métodos que adaptam estratégias clássicas centradas na intimidação e na engenharia social
Na realidade, as técnicas agora despregadas sistematicamente na Galiza já foram utilizadas em Abya Yala polas mesmas empresas, por vezes junto com tácticas de contra-insurgência mais extremas, como assasinatos e violações. Um documento interno de Gas Natural Fenosa de 2013 relativo ao Parque Eólico Juchitán, em Oaxaca, evidenciava o despregue de tácticas “que permitan desactivar los movimientos sociales que se han generado en torno a este proyecto”.
Um novo projecto que visa documentar as infrações sociais e ambientais das empresas mineradores na Península Ibérica, o Observatório Ibérico da Mineração (www.minob.org), evidencia o uso sistemático deste tipo de técnicas na Galiza, como ilustram os casos de Corcoesto, Salave, Pena do Rego, Triacastela, Landoi, Monte Neme, San Finx, Alberta I ou Penouta. Ao sul da raia, o projeto de mina de lítio de Covas do Barroso é também paradigmático neste sentido. A seguir veremos algumas das tácticas despregadas.
Astroturfing
O astroturfing é uma táctica que procura dar credibilidade a determinadas mensagens aparentando que elas procedem de supostos movimentos de base e não das próprias empresas promotoras dos projectos. Estes movimentos fabricados e financiados pelas empresas por vezes são usados na guerra suja contra as organizações sociais genuínas, lançando informação falsa ou mesmo iniciando ações judiciais. Exemplos de ‘movimentos’ criados por empresas mineradoras são a plataforma Trabajo ya, Mina sí e a associação pola Industrialización del Occidente de Asturias (Idoa) em Tápia (Eu-Návia), a associação Corcoesto Sí, Mina Sí em Cabana (Bergantinhos) ou a associação Mineros Touro‑O Pino (Arçúa). Estas entidades são utilizadas como ‘braço social’, organizando festas ou repartindo propaganda agressiva, e embora o mais frequente é que estejam formadas por empregados das mineradoras, por vezes conseguem recrutar ‘ativistas’ com promesas de emprego futuro.
Ações judiciais (SLAPP)
As ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPP nas suas siglas em inglês) procuram intimidar e censurar as pessoas que fazem parte da oposição a um determinado projeto, utilizando procedimentos judiciais que implicam elevados custos económicos e um enorme desgaste psicológico. Com frequência o resultado final das ações judiciais é irrelevante, pois é o próprio processo mesmo que pretende servir como ataque. De novo em Tápia, a empresa mineradora iniciou ações contra várias pessoas por supostas vulnerações do seu direito à honra, incluíndo uma professora de biologia da Universidade de Uviéu que fizera uma intervenção pública sobre os potenciais impactos ambientais do projeto de mina de ouro. A mesma estratégia foi utilizada por Cimentos Cosmos na sua mina de Triacastela, demandando uma indemnização de 45.000 euros a um vizinho polas suas publicações em redes sociais.
Patrocínios e ‘investimentos’
Apresentados habitualmente como técnica de marketing ou mesmo ‘responsabilidade social corporativa’, os patrocínios de equipes desportivas, entidades sociais e culturais ou festas, viagens e outros eventos são uma estratégia de engenharia social que procura criar uma percepção social positiva da empresa e cooptar a população. Também pode apresentar-se como investimentos em infraesturas públicas. Em Touro, a filial de Atalaya Mining lançou uma campanha agressiva de patrocínio de todo tipo de entidades desportivas, incluíndo a SD Compostela, mas motivando neste último caso uma forte reação adversa entre as siareiras. Mentres a mineradora de Corcoesto patrocinou equipes de autocross, a da Penouta mesmo chegou a aparecer como patrocinadora da festa da androlha de Viana do Bolo. Em Touro a mineradora apresentou como ‘investimento’ voluntário uma série de atuações sobre os rios contaminados pola mina, logo de ser sancionada em repetidas ocasiões por Águas da Galiza. Estes patrocínios apenas são úteis para alcançar a “acessibilidade social” antes do início projeto ou, ocassionalmente, para manter a “licença social” durante a operação, mas com frequência desaparecem uma vez alcançados os objetivos de contra-insurgência.
Um novo projeto que visa documentar as infrações sociais e ambientais das empresas mineradoras na Península Ibérica, o Observatório Ibérico da Mineração, evidencia o uso sistemático deste tipo de técnicas na Galiza
Museus mineiros
Embora o património industrial ligado à mineração é um importante bem cultural, este tem sido frequentemente instrumentalizado para criar uma imagem distorcida da mineração, ocultando os seus impactos ambientais e sociais negativos. A própria Comissão Europeia destacou no seu 3rd Raw Materials Scoreboard como os museus mineiros podem ser muito importantes para formar uma opinião pública positiva da mineração, realizando o lobby mineiro, através da Cámara Oficial Mineira, uma campanha sistemática neste sentido. O museu da Mina San Finx, em Lousame, é um bom exemplo, tendo-se criado em 2006 com o objetivo explícito de “criar um estado de opinião favorável à mineração” e no que os investimentos públicos superam os 2 milhões de euros. Ironicamente, tem sido utilizado intensamente em visitas de “turismo escolar” nas que as crianças das mariscadoras da comarca que lutam contra o projeto são adoutrinadas com informações falsas sobre a história da mina. Também na Penouta a empresa mineradora chegara a assinar em 2016 um convénio com o concelho que incluia o compromisso (nunca cumprido, por desnecessário) de criar uma aula de interpretação da mina para realizar atividades sociais com centros educativos e outros coletivos.
Intervenções em centros educativos
Os projectos de mineração podem demorar anos para concretizar-se, o que torna relevantes as estratégias de engenharia social a longo prazo, centrando-se assim nas crianças e adolescentes que potencialmente podem formar parte dos movimentos de oposição a esses projectos no futuro próximo. A Junta da Galiza financiou com generosidade a criação por parte da Cámara Oficial Mineira de materiais destinados a ensino infantil, primário e secundário (unidades didáticas, vídeos, livros ilustrados e outros elementos), que logo foram distribuídos estratégicamente em centros educativos próximos a alguns dos principais projectos de mineração das suas empresas associadas, incluíndo a mina de Touro. As visitas de escolares às próprias minas também é uma táctica frequente. Na mina de Landoi, em Carinho, organizam-se este tipo de visitas com a escola e instituto locais, por vezes plantando árvores e obviando sempre os graves impactos que a atividade causa na ria.
Ataques desde as administrações
A cumplicidade existente entre as administrações e os promotores dos projectos faz que estas possam ser instrumentalizadas para intimidar e coacionar as populações. Em Corcoesto, as ativistas denunciaram ações intimidatórias desde o concelho, incluíndo visitas domiciliárias e o envio de burofaxes com ameaças de ações judiciais a vizinhas contrárias ao projeto. Enquanto em Corcoesto se impediu o uso de locais públicos para reuniões informativas, no caso do projecto de mina de lítio Alberta I, cuja primeira fase começaria em Beariz, o alcaide tentou utilizar as restrições ligadas ao COVID para dissolver reuniões informativas. Uma ativista chegou a ser sancionada por participar numa entrega de alegações ao projeto no registro municipal. Noutros casos, como em Triacastela, os poderes das administrações local e autonómica foram utilizados para atacar diretamente vizinhas contrárias às mineradoras, iniciando de jeito arbitrário procedimentos sancionadores em matéria urbanística ou retirando indevidamente subsídios agrícolas.
O leque de táticas inclui técnicas de desinformação, contratando ‘influencers’ ou políticos locais
Além destes métodos, o leque de tácticas é muito mais amplo e variado, e inclui técnicas de desinformação (por exemplo, pagando a determinados jornais para darem uma cobertura tendenciosa, como aconteceu em Corcoesto com La Voz de Galicia ou em Touro com El Correo Gallego), contratando “influencers” ou, diretamente, políticos locais (como aconteceu em Tápia e, mais recentemente, em Touro) ou realizando campanhas de banho verde ou banho lilás (como a célebre campaha publicitária turística da Junta com as imagens das balsas de resíduos de Monte Neme ou o Simposio Mujer y Minería organizado em 2022). Conhecer o modus operandi do extrativismo e as suas estratégias de contra-insurgência é crítico para o êxito dos movimentos de resistência, que podem assim expor, desvendar e desarticular as tentativas de conquistas a “acessibilidade social aos recursos” e “licença social para operar”.