
Aproxima-se março. Outro mês de afiar fouces, resgatar sprays lilás, sair às ruas, organizar mani-festa-açons. E outra jornada de greve. A nossa ferramenta. O 8 de março toca paralisar o país. Se as mulheres paramos, o mundo para.
Recapitulo. 2017: trabalhava (com contrato, alta na segurança social, salário, essas cousas, quero dizer). Parámos um momento, saímos à rua. Cartazes como “8 de marzo, día de la mujer: descuentos en cosmética” numha farmácia. Ótimo. Morrem centos de mulheres abrasadas numha fábrica têxtil e convertemos a efeméride em incentivo para o consumo. 2018: no desemprego, mas acabando de redigir umha tese de doutoramento e cuidando a tempo completo da minha filha. A pessoa com quem partilho a sua criança tentou fazer greve no negócio familiar em que trabalha cinco dias e médio por semana (e conseguiu parar as duas últimas horas da tarde). Propugera leva-la para eu fazer greve mas sabíamos o que podia acontecer: que a avoa paterna –que, como tantas outras avoas, fai o trabalho que se vê e mais o que nom se vê, o remunerado e o que nom o é, o reconhecido e o silencioso–, acabasse por ter que se fazer cargo dela. Nom vou fazer greve de cuidados para que outra mulher tenha dupla carga de trabalho.
Na escola, as cuidadoras, mui coerentemente, figeram greve, ainda que o espaço estaria aberto para que um cuidador e alguns pais tomassem conta das crianças. Um amigo que tamém leva a sua pequena ali lembrou-mo, mas o caso é que realmente me apeteceu leva-la comigo às manis. Alá fomos as duas (a pé, que a greve de consumo tamém toca o transporte público). Viu até à mani na mochila, mas depois quijo caminha-la toda. Havia tempo (desde o Prestige?) que nom via o Obradoiro tam cheio. À tarde chovera, mas repetíramos, com o guarda-chuva, com a ajuda de seu pai para as quendas de colo, e com Compostela a rebordar ainda mais de gente. Nom me arrependim de leva-la comigo. Mas nom parei de dar-lhe voltas a umha ideia desde aquela: se as mulheres parássemos de verdade, no trabalho “produtivo” e no “reprodutivo”, no remunerado e público e no nom reconhecido e privado, o país ia a pique. Esse 53% do PIB.
se as mulheres parássemos de verdade, no trabalho “produtivo” e no “reprodutivo”, no remunerado e público e no nom reconhecido e privado, o país ia a pique
2019: baila-me todo na cabeça. A carga mental. As (ausentes) políticas públicas para a conciliaçom, a cobertura das necessidades das pessoas dependentes, a sanidade (cada vez menos) pública, a educaçom pública, laica, em galego, feminista (vaia oxímoro está a ficar) e de qualidade. O trabalho precário, parcial, instável. As que nom podem fazer greve. As que cuidam. As que cuidam/limpam/investigam/trabalham em negro. O proletariado, o cognitariado, o precariado. As autónomas. As migrantes. Ana Botín a declarar-se feminista no jornal que tem comprado e submetido. As empregadas de banca a quem lhes di quem manda “ah, nom tiveras filhos” , quando reclamam trabalhar umha miga mais perto da casa do que a 60 quilómetros. As que vivem com medo nas suas próprias casas. As bolseiras que imos pedir dia de assuntos próprios o 8 de março para nom nos arriscar (sim, som cobarde, mas fai-me graça aquele outro sentido sexual da palavra “assunto”: assuntíssimos próprios, tenho o 8 de março). E penso no que cantam as Tamborililás: “Polas que estám. As que nom estám. As que perigam”. Que saiamos à rua por todas. Polas que podemos. E polas que nom.