Deve ser o tresnoitar que me dá o atrevimento para escrever este texto. Som umha aldeá galega, serena e agradecida imensamente a este coronavírus. Tenho a alegria (ia dizer privilégio, mas nom penso que seja um direito ou umha vantagem exclusiva, e sim umha escolha vital, e digo‑o contextualizando a opiniom na Galiza e no meu caso particular) de viver e de trabalhar na comarca em que me criei, que amo como a mim mesma e que constrói, pola sua localizacom, umha parte do rural galego.
É umha escolha vital, que requer confiança, tenacidade, paixom, vontade e paciência, à par de exercício, prática e atuacom (enfim, o que a gente que está organizada politicamente chama militância), que nom exime dum monte de aprendizagens que tenhem a ver com a dificuldade de que che cedam, vendam ou aluguem umha casa, com a falta de serviços, o caciquismo, o medo, a exploracom da terra de maos das próprias irmás, a instabilidade económica, o alcoolismo, a soidade, a ameaça dos eólicos e da minaria constante, com as contradicons internas, com a coerência… mas que abre um mundo de possibilidades: os trabalhos comuns, a conversa com as vizinhas que pensas diferentes – porque nom há outras, mas que descobres quanto tendes em comum –, os coletivos locais, as festas patronais, a descoberta do entorno, os enterros, a morte… Da mesma maneira que escolher a cidade tem tamém os seus prós e os seus contras.
Viver no rural requer confiança, paixom, vontade e paciência, à par de exercício, prática e atuacom (enfim, o que a gente que está organizada politicamente chama militância)
O coronavírus achega a possibilidade dumha reflexom profunda do individual ao coletivo, do local ao global. Porque o estado repressivo de alarme e a militarizaçom obrigam a parar.
Fazendo balanço do que tem acontecido até agora, bole-me assim no magim… A justiça popular tem direito a ensaiar outros jeitos? Exercemos a violência porque nom a temos exercido, e estamos no nosso direito? Queremos exercer a violência? Pode o feminismo acolher a diversidade, mesmo nos jeitos? Fai-no? A violência é estrutural? Como se constrói a estrutura? Tem o feminismo verdades absolutas? Estou isenta de ser agressora? Tem cabimento a solidariedade popular? É legítimo auto-organizar-se com base na afinidade para contribuir à solidariedade? Somos quem de chegar ao entendimento com famílias ou achegadas de presas que tenhem um critério diferente do nosso?
Numha entrevista para o jornal digital Adiante, o historiador Dionisio Pereira afirmava que na Galiza somos incapazes de criar espaços comuns de dissidência, e à vista está que no político é assim. Serám quem as organizacons políticas da esquerda de revisar os seus jeitos de funcionar cara a dentro e cara a fora, reconhecendo a diversidade dos diferentes grupos sem ver a palha no olho alheio e sim a perspetiva da luita comum? Serám quem de tornar os debates e a diversidade internas mais visíveis para isso virar em debates construtivos e na abertura a outras possíveis militantes? Será possível a cooperacom com as iniciativas populares em andamento que já ensaiam outros jeitos possíveis de economia, saúde e educacom? Sem acapará-las?
É na adversidade que nasce a necessidade de ver como sair dela. Mas também é na necessidade de nom danar no pessoal, nem restar nas decisons das outras, onde pode surgir o entendimento.
A justiça popular tem direito a ensaiar outros jeitos? Exercemos a violência porque nom a temos exercido, e estamos no nosso direito? Queremos exercer a violência? Pode o feminismo acolher a diversidade, mesmo nos jeitos?
Conversas desta profundidade estám no íntimo, polo coronavírus, porque tem a ver com a saúde, de todas, além das fronteiras geopolíticas, mentais ou territoriais, e vai-nos no pelejo a vida, a morte.
Por isso, vivendo, e tresnoitando, vem o atrevimento para perguntar-se ainda mais cousas. Quem tem a afouteza de nom ter vontade de aplaudir as profissionais da saúde agora? Ou de dizer que a saúde vira um campo de controlo social tremendo, quando há umha grande parte da populaçom que se sente vulnerável? Ou quem se atreve a dizer que os organismos anti-repressivos do independentismo galego nom soubérom compreender a diversidade nos jeitos de enfrentar as detencons das famílias das presas? Ou quem se atreve a dizer que somos as famílias das presas nom militantes no independentismo as que nom estabelecemos as vias de comunicacom necessárias para que haja entendimento? Ou quem se atreve a reconhecer os próprios medos, sem questionar as crenças das demais, quanto à gestom da saúde, amparando-se no “testado cientificamente”? Seremos quem de pôr o foco em caminhar cara ao bom trato? Será que o bom trato começa em tentar compreender as outras? Será a diversidade interna dos grupos homogéneos, o diálogo entre eles sem perder a identidade, o reconhecimento das fraquezas, a mestiçagem, o que nos ajudará a trazer algumha cousa de jeito a esta confusom e a criar espaços comuns de dissidência?
Estas som questons individuais, interessadas, e egoístas, e a reflexom também, que longe de querer contribuir à comunidade intergaláctica, pretendem só umha mudança individual. Morrer, vamos morrer todas, todos, todes, everyone, refiro-me à fauna humana, claro. E o resto seguirá…
Assim que debatede arreu, com o pretexto do encerro, e depois: Exercício, prática, atuaçom. Já há muita cousa a acontecer. O coronavírus chimpou qualquer vanguarda. É, em si mesmo, a revolucom.
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