Periódico galego de informaçom crítica

Das águias dos cumes mouros

por

Cumes mouros das aigas! 
Montes do sol i a auga! 
Serras!
Terras solas ao sol i às nebras! 
(Os Eidos, Novoneyra)

ne­rea v. lameiro

Quando Novoneyra es­cre­veu Os Eidos em 1955, as águias-re­ais (Aquila chry­sa­e­tos) po­vo­a­vam as ser­ras ga­le­gas ori­en­tais e me­ri­di­o­nais das Terras de Burão, na Fonsagrada, ao Jurês. Mas hoje só al­guma “aiga” ju­ve­nil em fase de dis­per­são so­bre­voa os cu­mes do Courel. Os gran­des ini­mi­gos desta ave têm sido e são as li­nhas elé­tri­cas (tanto por ele­tro­cu­ção, como por co­li­são), os ve­ne­nos, os par­ques eó­li­cos, os ca­ça­do­res fur­ti­vos, as per­das de ha­bi­tat e as mo­lés­tias oca­si­o­na­das por obras pú­bli­cas. Na Galiza, está ca­ta­lo­gada como es­pé­cie en pe­rigo de ex­tin­ção, em­bora o seu Plano de Recuperação con­ti­nue sem ser apro­vado polo Governo.

Águia cos­mo­po­lita, es­tende-se polo Hemisfério Norte, da Europa oci­den­tal e da África se­ten­tri­o­nal até ao Japão e do México ao Canadá. Na Europa, além da Península, cria na re­gião me­di­ter­râ­nica, na Escócia, no norte da Escandinávia e nos paí­ses do Báltico, ocu­pando uma am­pla va­ri­e­dade de ha­bi­tats, mas com pre­fe­rên­cia por fa­lé­sias flu­vi­ais e áreas mon­ta­nho­sas es­cas­sa­mente ar­bo­ri­za­das. É ave ru­pí­cola que, ha­bi­tu­al­mente, si­tua os ni­nhos em ro­che­dos. Caçadora ver­sá­til, ba­seia a sua ali­men­ta­ção em pe­que­nos ma­mí­fe­ros (como co­e­lhos, le­bres, es­qui­los e ra­ta­za­nas), aves, rép­teis e ainda preda em crias de un­gu­la­dos (como o corço e o javali).

A sua mag­ni­fi­cên­cia con­ver­teu a águia na mais pre­e­mi­nente das aves. Foi sím­bolo de di­vin­dade na Mesopotâmia e nou­tras ci­vi­li­za­ções an­ti­gas. Para a Roma clás­sica re­pre­sen­tou a co­ra­gem e o po­der. Foi por isso que, de­pois, Carlos Magno, re­cla­mando-se su­ces­sor dos im­pe­ra­do­res ro­ma­nos, tam­bém a con­ver­teu em sím­bolo do seu rei­nado. Durante a Idade Média e épo­cas pos­te­ri­o­res, por toda a parte, reis, prín­ci­pes e ca­sas no­bi­liár­qui­cas fi­ze­ram dela brasão.

A águia-real possui, efetivamente, um tamanho impressionante, com cerca de 90 cm de comprimento e 225 cm de envergadura. As fêmeas costumam ser maiores que os machos, como acontece noutras aves de rapina.

A águia-real pos­sui, efe­ti­va­mente, um ta­ma­nho im­pres­si­o­nante, com cerca de 90 cm de com­pri­mento e 225 cm de en­ver­ga­dura. As fê­meas cos­tu­mam ser mai­o­res que os ma­chos, como acon­tece nou­tras aves de ra­pina. Os adul­tos exi­bem plu­ma­gem de cor parda uni­forme e ca­beça le­o­nada, en­quanto os exem­pla­res ju­ve­nis apre­sen­tam uma cor cas­ta­nha es­cura por todo o corpo, mas com gran­des man­chas bran­cas nas asas e na base da cauda.
E mesmo que fa­zer este tipo de va­lo­ra­ções seja sem­pre com­pli­cado, atre­vemo-nos a afir­mar que o seu nú­mero no nosso país pa­rece, polo me­nos, es­ta­bi­li­zado, mos­trando tal­vez um li­geiro in­cre­mento nos úl­ti­mos anos. Distribui-se, fun­da­men­tal­mente, polo ca­nhão do Sil (pro­vín­cias de Lugo e Ourense), ser­ras sul-ori­en­tais e Maciço Central Ourensano. O censo exaus­tivo mais re­cente de que te­mos in­for­ma­ções, re­a­li­zado em 2008, con­fir­mava a exis­tên­cia de 6 ni­nhos den­tro do ter­ri­tó­rio ad­mi­nis­tra­ti­va­mente ga­lego, po­rém a po­pu­la­ção re­pro­du­tora po­ten­cial po­de­ria es­ti­mar-se num má­ximo de 18 ca­sais, se so­mar­mos ou­tros ca­sos de ni­di­fi­ca­ção no grau de pro­vá­veis, as­sim como exem­pla­res exis­ten­tes em ter­ras li­mí­tro­fes. Por ou­tra parte, in­di­ví­duos ima­tu­ros po­dem ser ob­ser­va­dos em to­dos os sis­te­mas mo­nha­nho­sos do leste do país e in­clu­si­va­mente, de forma mais oca­si­o­nal, na Dorsal Galega ou nas ser­ras cos­tei­ras das Rias Baixas. No norte de Portugal, esta es­pé­cie cria nos va­les en­cai­xa­dos dos rios do nor­deste trans­mon­tano, no Parque Natural de Montesinho e, só ra­ra­mente, nas ser­ras do Marão e da Peneda.

Águia e aiga são va­ri­an­tes da lín­gua po­pu­lar, do mesmo gé­nero que água e auga. O termo águia dei­xou pe­gada na to­po­ní­mia. Bem co­nhe­cido é o em­ble­má­tico caso de Santa Maria do Ninho da Águia, fre­gue­sia do con­ce­lho de Junqueira de Espadanedo, fa­mosa pola sua ola­ria. A lo­ca­li­dade, de­no­mi­nada tra­di­ci­o­nal­mente po­los seus na­tu­rais “Ninho da Aiga” e po­los vi­zi­nhos das re­don­de­zas como “Ninho da Águia”, foi cas­te­lha­ni­zada bar­ba­ra­mente como “Niño de la Guía” e re­ga­le­gui­zada num obs­curo “Niñodaguia”. Outros to­pó­ni­mos re­la­ci­o­na­dos são Pena da Águia, Coto da Águia, Pico da Águia, Praia de Aguieira, Aguiada, Aguiar… Porém es­tes to­pó­ni­mos não têm for­ço­sa­mente que fa­zer re­fe­rên­cia a esta es­pé­cie, pois criam no nosso país ou­tras águias de me­nor ta­ma­nho, como a ame­a­çada águia-co­breira (Circaetus gal­li­cus) ou o mi­nhoto-co­mum (Buteo bu­teo), este o ra­pi­nante mais nu­me­roso na Galiza e na Europa. Acrescentemos que o mi­nhoto não de­ve­ria ser con­si­de­rado uma ver­da­deira águia, por muito que os or­ni­tó­lo­gos por­tu­gue­ses tei­mem em de­signá-los como águia-de-asa-redonda. 

O termo águia deixou pegada na toponímia. Bem conhecido é o emblemático caso de Santa Maria do Ninho da Águia, freguesia do concelho de Junqueira de Espadanedo

Desde o ano 2001, uma bem in­ten­ci­o­nada ini­ci­a­tiva do grupo ma­dri­leno GREFA (Grupo de Rehabilitación de la Fauna Autóctona y su Hábitat) para a rein­tro­du­ção das águias-re­ais na Galiza tem já li­ber­tado um to­tal de 18 exem­pla­res na parte ga­lega da Serra do Jurês, a imensa mai­o­ria pro­ce­den­tes da re­pro­du­ção em ca­ti­veiro nas pró­prias ins­ta­la­ções de GREFA e do CERI (Centro de Estudios de Rapaces Ibéricas de Toledo). O cus­toso pro­grama está fi­nan­ci­ado, pa­ra­do­xal­mente, en­tre ou­tras em­pre­sas e ins­ti­tui­ções, por Red Eléctrica de España (lem­bre­mos que as li­nhas elé­tri­cas são um dos gran­des pe­ri­gos que as águias en­fren­tam) e pola Comunidade Autónoma de Madrid. Questionamos a ido­nei­dade deste tipo de atu­a­ções, ha­bi­tu­al­mente, de exí­guos re­sul­ta­dos prá­ti­cos (desde que en­tre­tanto não mu­dem os fa­to­res que le­va­ram ao de­crés­cimo po­pu­la­ci­o­nal ou à ex­tin­ção) e que vi­sam por parte dos seus fi­nan­ci­a­do­res ob­je­ti­vos pu­bli­ci­tá­rios, ora de bran­que­a­mento de ima­gem, ora po­lí­ti­cos. Aliás este tipo de in­ter­ven­ções ali­men­tam no meio ru­ral a falsa ideia de que os “eco­loghis­tas”, em co­la­bo­ra­ção com o “gho­verno” in­çam o monte de toda a classe de “ali­má­rias” e “praghas”. Infelizmente, o ob­je­tivo prin­ci­pal de que se for­mas­sem ca­sais re­pro­du­to­res na Serra do Jurês ainda não foi atin­gido, mas, em troca, ti­ve­mos a fo­to­gra­fia em to­dos os jor­nais de um ou­tro ca­sal, o da an­te­rior pre­si­denta ma­dri­lena, Esperanza Aguirre, pre­sen­te­ando com uma águia-real o pre­si­dente Feijóo.
Lá nos co­me­ços de fe­ve­reiro, por época da Candelária, con­tam as avós que “ca­sam os pas­sa­ri­nhos”. A Mãe Natureza pa­rece al­me­jar pola pro­xi­mi­dade da pri­ma­vera, após a dura in­ver­nia, e nos ares das mais ín­gre­mes mon­ta­nhas do sul do país, se ti­ver­mos um pouco de sorte, ainda po­de­re­mos go­zar do voo nup­cial das águias-re­ais. Que seja por mui­tos anos!

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