A sociedade galega de começos do século XX era futboleira. Não toda a gente, claro, mas uma grande parte da população fez parte ativa ou passiva deste fenómeno da modernidade. Primeiro nas cidades, e depois em cada uma das aldeias, a rapazada jogava futebol e animava as equipas locais. Isto não é novo, mas é importante destacar o componente popular do desporto de inícios de século. Além de grandes equipas que já constituíam estádios, o contacto da maior parte da população o futebol era a traves de clubes pequenos, que enchiam as tardes de domingo nas vilas e aldeias de todo o país. Muitos dos jogadores e dirigentes das sociedades desportivas estavam também implicados politicamente.
A finais do verão de 1936 começaram a disputar-se novos partidos, já sob o absoluto controlo das instituições do novo regime, num intento por retomar a “normalidade” na retaguarda da guerra e de submeter o ócio às disposições do regime e seguindo modelos fascistas italianos e nazistas alemães. O retorno foi tímido nos dois anos seguintes, com poucos partidos e competições devido ao desmantelamento e mesmo assassinato dos clubes e organizadores desportivos prévios e também pela grande quantidade de moços que foram mobilizados para a fronte de guerra, onde, por certo, seguiram a empregar o futebol como elemento de socialização nas campanhas militares.
Com o golpe de estado de 1936, as atividades desportivas pararam. Nas primeiras semanas e meses, muitos jovens e homens que combinavam o desporto com a política foram apressados pelo regime e assassinados
O tecido associativo desportivo, que tinha um percurso próprio de décadas, foi desmantelado. A partir de então, os quadros de Falange foram os encarregados de organizar as novas competições e controlar os clubes que mantiveram o funcionamento e aqueles que quiseram criar um novo. Neste caso, os interessados deviam acompanhar os regulamentos com uma instância dirigida a Falange. Em seguida, o governo civil solicitava ao autarca da localidade relatórios sobre todos os dirigentes que figuravam.
Um caso é o intento de constituição do clube Tomelloso em 1940. Este era um clube de remo e futebol que solicitou a sua inscrição no registro de associações com sede na taberna El Tomelloso, na rúa Cartuchos da Corunha (Hoje Varela Silvari). Quando se intenta constituir, o primeiro impedimento que colocam as autoridades é terem o local social em uma taberna e com o nome de um vinho: “En estas condiciones es más fácil crear jóvenes viciosos aficionados al vino que legiones de atletas al servicio de la Nueva España”.
Este não era o único impedimento. Pede-se também um informe das pessoas que formavam a junta diretiva, da sua conduta moral, política e social. Passamos a resumir os relatórios de alguns deles. Do primeiro, mestre no exército, diz que apresenta boa moral pública e privada, mas fica escrito que, ainda que não se conhecem atividades políticas suas “en cierta ocasión, al hallarse embriagado, hizo manifestaciones contrarias al Glorioso Movimiento Nacional”.
Do segundo disse que tinha má conduta moral, pois fora diretivo de uma agrupação socialista e “individuo de acción de la extrema izquierda” e, por tanto, desafeto ao novo estado. O terceiro apresentava boa conduta moral desde 1935 e não se lhe conheciam atividades políticas. Também escrevem que antes dessa data, a sua conduta deixava bastante que desejar, incluindo uma relação de antecedentes por escândalo, embriaguez e maus-tratos. O quarto membro da diretiva também tinha boa conduta moral e era militar em ativo e afeto ao Glorioso Movimento. Mas no relatório também se menciona que antes a sua conduta deixava bastante que desejar, que provocara humilhação dos agentes da autoridade, denúncias por lesões, adultério, embriaguez…
Todas estas inquisições foram tidas em conta para a criação de um clube desportivo, fazendo patentes as diferenças com a quantidade de clubes que se constituíam antes do golpe de 1936 e chegaram a criar um tecido desportivo amplo e variado, inserido na sociedade civil. Depois do golpe, tudo passava pelo controlo da Falange, invertendo a direção da promoção desportiva. Tiveram de passar anos para a vertente mais popular do desporto voltar a impor-se.
NOTAS
- Para uma análise extensa sobre a situação do desporto na Galiza durante a guerra, ver DOMÍNGUEZ ALMANSA, Andrés: “Estadios y trincheras: Deporte y retaguardia en la Guerra Civil, 1936–1939”, en Pujadas, Xavier (coord.): Atletas y ciudadanos: historia social del deporte en España (1870–2010). Madrid, Alianza, 2011, pp. 169–201.