
(Biblioteca Nacional de España. GC.CAJA/80/13)
A sociedade galega de começos do século XX era futboleira. Não toda a gente, claro, mas uma grande parte da população fez parte ativa ou passiva deste fenómeno da modernidade. Primeiro nas cidades, e depois em cada uma das aldeias, a rapazada jogava futebol e animava as equipas locais. Isto não é novo, mas é importante destacar o componente popular do desporto de inícios de século. Além de grandes equipas que já constituíam estádios, o contacto da maior parte da população o futebol era a traves de clubes pequenos, que enchiam as tardes de domingo nas vilas e aldeias de todo o país. Muitos dos jogadores e dirigentes das sociedades desportivas estavam também implicados politicamente.
A finais do verão de 1936 começaram a disputar-se novos partidos, já sob o absoluto controlo das instituições do novo regime, num intento por retomar a “normalidade” na retaguarda da guerra e de submeter o ócio às disposições do regime e seguindo modelos fascistas italianos e nazistas alemães. O retorno foi tímido nos dois anos seguintes, com poucos partidos e competições devido ao desmantelamento e mesmo assassinato dos clubes e organizadores desportivos prévios e também pela grande quantidade de moços que foram mobilizados para a fronte de guerra, onde, por certo, seguiram a empregar o futebol como elemento de socialização nas campanhas militares.
Com o golpe de estado de 1936, as atividades desportivas pararam. Nas primeiras semanas e meses, muitos jovens e homens que combinavam o desporto com a política foram apressados pelo regime e assassinados
O tecido associativo desportivo, que tinha um percurso próprio de décadas, foi desmantelado. A partir de então, os quadros de Falange foram os encarregados de organizar as novas competições e controlar os clubes que mantiveram o funcionamento e aqueles que quiseram criar um novo. Neste caso, os interessados deviam acompanhar os regulamentos com uma instância dirigida a Falange. Em seguida, o governo civil solicitava ao autarca da localidade relatórios sobre todos os dirigentes que figuravam.
Um caso é o intento de constituição do clube Tomelloso em 1940. Este era um clube de remo e futebol que solicitou a sua inscrição no registro de associações com sede na taberna El Tomelloso, na rúa Cartuchos da Corunha (Hoje Varela Silvari). Quando se intenta constituir, o primeiro impedimento que colocam as autoridades é terem o local social em uma taberna e com o nome de um vinho: “En estas condiciones es más fácil crear jóvenes viciosos aficionados al vino que legiones de atletas al servicio de la Nueva España”.
Este não era o único impedimento. Pede-se também um informe das pessoas que formavam a junta diretiva, da sua conduta moral, política e social. Passamos a resumir os relatórios de alguns deles. Do primeiro, mestre no exército, diz que apresenta boa moral pública e privada, mas fica escrito que, ainda que não se conhecem atividades políticas suas “en cierta ocasión, al hallarse embriagado, hizo manifestaciones contrarias al Glorioso Movimiento Nacional”.

(Biblioteca Nacional de España. GC.CAJA/80/13)
Do segundo disse que tinha má conduta moral, pois fora diretivo de uma agrupação socialista e “individuo de acción de la extrema izquierda” e, por tanto, desafeto ao novo estado. O terceiro apresentava boa conduta moral desde 1935 e não se lhe conheciam atividades políticas. Também escrevem que antes dessa data, a sua conduta deixava bastante que desejar, incluindo uma relação de antecedentes por escândalo, embriaguez e maus-tratos. O quarto membro da diretiva também tinha boa conduta moral e era militar em ativo e afeto ao Glorioso Movimento. Mas no relatório também se menciona que antes a sua conduta deixava bastante que desejar, que provocara humilhação dos agentes da autoridade, denúncias por lesões, adultério, embriaguez…
Todas estas inquisições foram tidas em conta para a criação de um clube desportivo, fazendo patentes as diferenças com a quantidade de clubes que se constituíam antes do golpe de 1936 e chegaram a criar um tecido desportivo amplo e variado, inserido na sociedade civil. Depois do golpe, tudo passava pelo controlo da Falange, invertendo a direção da promoção desportiva. Tiveram de passar anos para a vertente mais popular do desporto voltar a impor-se.
NOTAS
- Para uma análise extensa sobre a situação do desporto na Galiza durante a guerra, ver DOMÍNGUEZ ALMANSA, Andrés: “Estadios y trincheras: Deporte y retaguardia en la Guerra Civil, 1936–1939”, en Pujadas, Xavier (coord.): Atletas y ciudadanos: historia social del deporte en España (1870–2010). Madrid, Alianza, 2011, pp. 169–201.