Nom há volta atrás. A nossa decisom é consciente e feliz, mas torna-se agre ao saber o difícil caminho que começa, a constante batalha sobre os nossos corpos, os nossos projetos vitais, as nossas esperanças e inquedanças.
Após nove meses de revoltas hormonais e um carrossel de mudanças físicas e anímicas, chega o nosso ritual de passagem. Mais ou menos instrumentalizado, mais ou menos autogerido e prazenteiro: no parto nós também atravessamos o umbral cara a umha vida outra, com um status social radicalmente distinto. Desaparecemos do mapa. Deixamos de contar para assembleias, eventos culturais, a maquinaria produtiva segue a rodar sem nós. Confinam-nos. É a maternidade como instituiçom do patriarcado a que nos apaga. Que reduz o nosso papel ao de seres gestantes, recetáculos dum novo sujeito produtivo. Atribui-se-nos todo o peso dos cuidados, é o que se aguarda de nós. Por isso ninguém pensou em quem havia ter conta das crianças quando foi decretado o feche das escolas. Dava-se por feito que haveríamos ser as maes, roubando mais horas ao sono das que já eram habituais em tempos pré-pandémicos. Havíamos ser nós, afeitas a renunciar, as que renunciaríamos ao nosso auto-cuidado para cuidar as nossas filhas. Ninguém nos pediu opiniom, como ninguém nos pergunta antes de interpelar, tocar mesmo, as nossas crianças polas ruas, sem as conhecer de nada. Do mesmo modo que muitas pessoas se sentem com direito de julgar o seu comportamento como umha falha nossa, de quem as malcria e nom lhes inculca a disciplina requerida neste mundo cada vez mais militarizado. Pois, embora os cuidados som obriga exclusiva da mae, a sua educaçom nom nos pertence. Corresponde à sociedade transmitir os valores que permitirám a perfeita integraçom do novo sujeito no sistema produtivo.
A maternidade como instituiçom do patriarcado apaga-nos, reduz o nosso papel ao de seres gestantes, recetáculos dum novo sujeito produtivo
Libertar as maternidades do patriarcado nom supom negar a radical mudança vital que representa o feito de ser mae. Significa celebrar as nossas decisons, o nosso prazer, o nosso direito a errar. O direito, por exemplo, a optar por criar sem parelha, mas arroupadas pola tribo. A vontade de mais tempo para criar representa umha cuitelada no coraçom dum sistema que sempre nos quer produtivas. Nom há problema em pagar licenças sempre e quando haja umha integraçom prévia no mercado laboral, se se aspira a permanecer e mesmo a crescer nele. Nisso o sistema é igualitário: externalizar os cuidados, renunciar a estar com as nossas filhas para produzir, é aceitado sem problemas independentemente do género. Mas se decidimos parar para cuidar, para cuidar-mo-nos, eis o problema. O sistema exclui-nos e reduz-nos a umha identidade monolítica. Somos maes, mais nada. Politizar as maternidades comporta um questionamento total do sistema patriarcal, no qual a vida demonstrou estar regida por cálculos monetários. Fugirmos desta lógica é defrontar um jeito político de ser maes, um jeito diverso que deixa espaço para ser muito mais do que isso. Supom devir mae sem renunciar ao que outrora fomos e a todo o que podemos chegar a ser.