
A violência de género tem-se normalizado nos estudos artísticos por séculos. Depois de mais dumha década, as estudantes da ESAD, rompérom o #SegredoAVoces e manifestárom-se contra a impunidade que perpetuou o assédio sexual nas aulas.
“É nova, é magra: pode fazer teatro”. Umha frase que costumava dizer ao seu alunado um dos professores de teatro mais respeitados dumha escola profissional de atuaçom. O grupo ria, um pouco porque achavam engraçada a falta de vergonha, mas também porque bastava olharem à sua volta, para verificarem nas companheiras (todas brancas, magras e moças) a veracidade dos dizeres do seu mestre.
A estrutura de poder no ensino artístico é o cenário perfeito para o assédio sexual. Se no ensino geral acontecem casos por parte do professorado, nas artes o assédio entala-se desde as aulas até a vida profissional sob a ideia de que a arte é umha carreira de resistência e o artista tem que fazer sacrifícios.
No teatro, particularmente na especialidade de interpretaçom, a figura de poder do professor assemelha-se ao do diretor de cena. E está normalizado que sejam os homens que ocupem estes postos, enquanto as mulheres se dedicam numha maior percentagem à atuaçom. Ou seja, as relaçons de poder estám claramente sexuadas.
O caso Galiza
Em passado dous de março as estudantes da Escola Superior de Arte Dramática da Galiza iniciárom um protesto que paralisou as atividades letivas ainda durante o estado de alarme. Com cartazes, marchárom polas ruas de Vigo para denunciar e repudiar a impunidade da administraçom da escola fronte umha situaçom de abuso de poder e assédio que um sector da docência vem perpetuando há anos.
“Sabemos de casos de há mais de 10 anos (de assédio na escola) graças a testemunhas de parte de egressadas que no-lo transmitírom em apoio à luita”, comentárom as integrantes da Associaçom de estudantes da ESAD, “O detonante foi a reincorporaçom dum docente dumha longa baixa que punha em situaçom de vulnerabilidade as alunas do centro”.
A luita, que logo se estendeu ao alunado, partiu do coletivo AESAD, um coletivo a que pertence todo o alunado da escola polo simples facto de ser estudantes da mesma. Até hoje, há um docente denunciados à inspeçom educativa, mas as estudantes asseguram que já se tramitárom mais duas queixas contra outros dous professores.
Até hoje, há um docente denunciado à inspeçom educativa, mas as estudantes asseguram que já se tramitárom mais duas queixas contra outros dous professores
Mas, passados três meses, a administraçom do estabelecimento nom tomou as medidas necessárias fronte as queixas do seu alunado. “De momento nom obtivemos umha soluçom, nem preventiva sequer, por parte de inspeçom educativa. Esses docentes continuam a ocupar os seus postos de trabalho, e ainda continuam a dar aulas. Com o estado de alarme ficou paralisado todo o processo administrativo que se estava a levar a cabo”, comenta umha estudante de interpretaçom da ESAD.
O segredo público
Dez anos. Esse foi o tempo que fijo falta para se romper o silêncio num ambiente onde é tam fácil disfarçar o assédio. Sobre esta situaçom, as integrantes da AESAD comentárom que o fator que paralisou tanto tempo as vítimas e testemunhas foi o medo. “Sempre se pom em dúvida a palavra da afetada. Mas o grau de sensibilidade há dez anos nom era o mesmo que o que existe agora. Mesmo as próprias mulheres tinham tam normalizadas este tipo de condutas que nom se identificavam como assédio”.
A atuaçom, como todo processo artístico, requer o envolvimento pessoal das criadoras onde o seu instrumento de trabalho é o seu próprio corpo. Esta situaçom de vulnerabilidade por parte do alunado ante umha figura de autoridade irrefutável, rigorosa e usualmente masculina, é facilmente aproveitada para atravessar a fina linha pedagógica e disfarçar o assédio sexual dum exercício corporal com um alto compromisso emocional.
Fijo falta dez anos para romper o silêncio num ambiente onde é tam fácil disfarçar o assédio. As integrantes da AESAD comentárom que o fator que paralisou tanto tempo as vítimas e testemunhas foi o medo: “Sempre se pom em dúvida a palavra da afetada. Mas o grau de sensibilidade há dez anos nom era o mesmo que o que existe agora”
“Infelizmente, (a violência sexual) aparece em todas as partes, universidades, escolas ou mesmo na rua. Mas, bem é verdade que nos nossos estudos é mais comum que ocorram casos. A natureza das nossas matérias comporta um trato com o professorado muito mais estreito e implica em muitas ocasions trabalho com o corpo e com as emoçons”, apontárom as colegas da AESAD.
Umha aluna de interpretaçom completa que “é muito mais simples disfarçar o assédio se um professor dá umha matéria meramente prática do que se ensina umha teórica. De facto, essa é umha das razons de porque muitas moças levavam tantos anos caladas. Ao ser tam fácil de disfarçar, temiam que nom crêssemos na sua palavra. E, inicialmente, supugésemos que eram umhas exageradas. Mas tivemos a sorte de que na escola as mentes som bastante mais abertas do que pensávamos, e quase todo o alunado se uniu ao carro no seu apoio.”
Do segredo à acçom
Começou em 28 de fevereiro cunha sentada nas instalaçons da escola. Continuou com a instauraçom do paro letivo e concentraçons diante da Inspeçom de Educaçom de Vigo, e na Xefatura Territorial da Conselharia da Educaçom em Ponte-Vedra. E agora, ainda com a instauraçom do estado de alarme pola crise sanitária, continuam a levar-se a cabo atos de protesto e resistência a partir das casas.
“Desde que fomos confinadas, sobretodo centramos a luita nas redes sociais, que é o que mais visibilidade nos pode dar. Todas estamos a trabalhar para dar toda a cobertura possível ao movimento #UNSEGREDOAVOCES”, assinalárom integrantes da AESAD.

Sobre os métodos de organizaçom, umha aluna da ESAD diz: “Organizamo-nos em comissons e cada umha encarrega-se de um assunto diferente. Há umha comissom que se encarrega dos logótipos, de cartazes etc. Logo, há outra que se encarrega das redes. Nas redes, por exemplo, há umha açom bastante potente que som Os cafés na ESAD, que é umha iniciativa que se tinha desde tempo atrás na escola na nossa cafetaria e que agora estamos a levá-las a cabo com mulheres da cena galega e do panorama espanhol em que contam as suas experiências no sector. De facto, tivemos a gente com bastante visibilidade sobretodo nas redes sociais como Inma Cuesta ou Bárbara Lennie.”
Romper com a tradiçom
A mobilizaçom das estudantes visibilizou a necessidade de mudar certas formas de agir no ensino o e na produçom teatral para que a violência de género nom encontre refúgio nesses espaços.
“Eu pessoalmente penso que esta questom se baseia em que o sector avança de forma tam lenta cara a um feminismo interseccional no mundo da cena, que é mui difícil que o alunado consiga erradicá-lo desde abaixo. Mas todo se consegue com questons pequechas. Do meu ponto de vista, o vocabulário e os roles de género no palco som peças importantes. Se conseguimos mudar estas pequenas cousas, o amanhám podem ser grandes avanços”, concluiu umha aluna da ESAD.
Os debates sobre o ensino artístico som tam antigos com som urgentes. Ensinar as artes com violência é umha prática mui arreigada que atravessa disciplinas, escolas, técnicas e até continentes. Nom é estranho encontrar testemunhos de estudantes que sofrérom pressom psicológica e física por parte dumha docência que se dava a respeitar e que era obedecer com rigor só polo seu renome que lhe dava autoridade e, até agora, impunidade.
É necessário continuar o debate e desta vez as companheiras da AESAD figérom-nos ver com claridade que a educaçom nom é umha prática unilateral, que o ensino nom é um trabalho que recai só nos corpos docentes, mas que o conhecimento é umha prática que se constrói em comum. E desta vez, tocou ao estudando ensinar umha liçom a toda escola. Toca escuitar nas suas exigências, a urgência de lhe oferecer umha educaçom segura que nom quebrante a sua dignidade; nas suas condiçons, o tipo de educaçom que querem e de que precisam.