Periódico galego de informaçom crítica

Do segredo à açom

por
marta g. brea

A violência de género tem-se normalizado nos estudos artísticos por séculos. Depois de mais dumha década, as estudantes da ESAD, rompérom o #SegredoAVoces e manifestárom-se contra a impunidade que perpetuou o assédio sexual nas aulas. 

É nova, é ma­gra: pode fa­zer te­a­tro”. Umha frase que cos­tu­mava di­zer ao seu alu­nado um dos pro­fes­so­res de te­a­tro mais res­pei­ta­dos dumha es­cola pro­fis­si­o­nal de atu­a­çom. O grupo ria, um pouco por­que acha­vam en­gra­çada a falta de ver­go­nha, mas tam­bém por­que bas­tava olha­rem à sua volta, para ve­ri­fi­ca­rem nas com­pa­nhei­ras (to­das bran­cas, ma­gras e mo­ças) a ve­ra­ci­dade dos di­ze­res do seu mestre. 

A es­tru­tura de po­der no en­sino ar­tís­tico é o ce­ná­rio per­feito para o as­sé­dio se­xual. Se no en­sino ge­ral acon­te­cem ca­sos por parte do pro­fes­so­rado, nas ar­tes o as­sé­dio en­tala-se desde as au­las até a vida pro­fis­si­o­nal sob a ideia de que a arte é umha car­reira de re­sis­tên­cia e o ar­tista tem que fa­zer sacrifícios.

No te­a­tro, par­ti­cu­lar­mente na es­pe­ci­a­li­dade de in­ter­pre­ta­çom, a fi­gura de po­der do pro­fes­sor as­se­me­lha-se ao do di­re­tor de cena. E está nor­ma­li­zado que se­jam os ho­mens que ocu­pem es­tes pos­tos, en­quanto as mu­lhe­res se de­di­cam numha maior per­cen­ta­gem à atu­a­çom. Ou seja, as re­la­çons de po­der es­tám cla­ra­mente sexuadas. 

O caso Galiza

Em pas­sado dous de março as es­tu­dan­tes da Escola Superior de Arte Dramática da Galiza ini­ciá­rom um pro­testo que pa­ra­li­sou as ati­vi­da­des le­ti­vas ainda du­rante o es­tado de alarme. Com car­ta­zes, mar­chá­rom po­las ruas de Vigo para de­nun­ciar e re­pu­diar a im­pu­ni­dade da ad­mi­nis­tra­çom da es­cola fronte umha si­tu­a­çom de abuso de po­der e as­sé­dio que um sec­tor da do­cên­cia vem per­pe­tu­ando há anos. 

Sabemos de ca­sos de há mais de 10 anos (de as­sé­dio na es­cola) gra­ças a tes­te­mu­nhas de parte de egres­sa­das que no-lo trans­mi­tí­rom em apoio à luita”, co­men­tá­rom as in­te­gran­tes da Associaçom de es­tu­dan­tes da ESAD, “O de­to­nante foi a rein­cor­po­ra­çom dum do­cente dumha longa baixa que pu­nha em si­tu­a­çom de vul­ne­ra­bi­li­dade as alu­nas do centro”. 

A luita, que logo se es­ten­deu ao alu­nado, par­tiu do co­le­tivo AESAD, um co­le­tivo a que per­tence todo o alu­nado da es­cola polo sim­ples facto de ser es­tu­dan­tes da mesma. Até  hoje, há um do­cente de­nun­ci­a­dos à ins­pe­çom edu­ca­tiva, mas as es­tu­dan­tes as­se­gu­ram que já se tra­mi­tá­rom mais duas quei­xas con­tra ou­tros dous professores. 

Até hoje, há um do­cente de­nun­ci­ado à ins­pe­çom edu­ca­tiva, mas as es­tu­dan­tes as­se­gu­ram que já se tra­mi­tá­rom mais duas quei­xas con­tra ou­tros dous professores

Mas, pas­sa­dos três me­ses, a ad­mi­nis­tra­çom do es­ta­be­le­ci­mento nom to­mou as me­di­das ne­ces­sá­rias fronte as quei­xas do seu alu­nado. “De mo­mento nom ob­ti­ve­mos umha so­lu­çom, nem pre­ven­tiva se­quer, por parte de ins­pe­çom edu­ca­tiva. Esses do­cen­tes con­ti­nuam a ocu­par os seus pos­tos de tra­ba­lho, e ainda con­ti­nuam a  dar au­las. Com o es­tado de alarme fi­cou pa­ra­li­sado todo o pro­cesso ad­mi­nis­tra­tivo que se es­tava a le­var a cabo”, co­menta umha es­tu­dante de in­ter­pre­ta­çom da ESAD

O se­gredo público

Dez anos. Esse foi o tempo que fijo falta para se rom­per o si­lên­cio num am­bi­ente onde é tam fá­cil dis­far­çar o as­sé­dio. Sobre esta si­tu­a­çom, as in­te­gran­tes da AESAD co­men­tá­rom que o fa­tor que pa­ra­li­sou tanto tempo as ví­ti­mas e tes­te­mu­nhas foi o medo. “Sempre se pom em dú­vida a pa­la­vra da afe­tada. Mas o grau de sen­si­bi­li­dade há dez anos nom era o mesmo que o que existe agora. Mesmo as pró­prias mu­lhe­res ti­nham tam nor­ma­li­za­das este tipo de con­du­tas que nom se iden­ti­fi­ca­vam como assédio”.

A atu­a­çom, como todo pro­cesso ar­tís­tico, re­quer o en­vol­vi­mento pes­soal das cri­a­do­ras onde o seu ins­tru­mento de tra­ba­lho é o seu pró­prio corpo. Esta si­tu­a­çom de vul­ne­ra­bi­li­dade por parte do alu­nado ante umha fi­gura de au­to­ri­dade ir­re­fu­tá­vel, ri­go­rosa e usu­al­mente mas­cu­lina, é fa­cil­mente apro­vei­tada para atra­ves­sar a fina li­nha pe­da­gó­gica e dis­far­çar o as­sé­dio se­xual dum exer­cí­cio cor­po­ral com um alto com­pro­misso emocional. 

Fijo falta dez anos para rom­per o si­lên­cio num am­bi­ente onde é tam fá­cil dis­far­çar o as­sé­dio. As in­te­gran­tes da AESAD co­men­tá­rom que o fa­tor que pa­ra­li­sou tanto tempo as ví­ti­mas e tes­te­mu­nhas foi o medo: “Sempre se pom em dú­vida a pa­la­vra da afe­tada. Mas o grau de sen­si­bi­li­dade há dez anos nom era o mesmo que o que existe agora”

Infelizmente, (a vi­o­lên­cia se­xual) apa­rece em to­das as par­tes, uni­ver­si­da­des, es­co­las ou mesmo na rua. Mas, bem é ver­dade que nos nos­sos es­tu­dos é mais co­mum que ocor­ram ca­sos. A na­tu­reza das nos­sas ma­té­rias com­porta um trato com o pro­fes­so­rado muito mais es­treito e im­plica em mui­tas oca­si­ons tra­ba­lho com o corpo e com as emo­çons”, apon­tá­rom as co­le­gas da AESAD.

Umha aluna de in­ter­pre­ta­çom com­pleta que “é muito mais sim­ples dis­far­çar o as­sé­dio se um pro­fes­sor dá umha ma­té­ria me­ra­mente prá­tica do que se en­sina umha teó­rica. De facto, essa é umha das ra­zons de por­que mui­tas mo­ças le­va­vam tan­tos anos ca­la­das. Ao ser tam fá­cil de dis­far­çar, te­miam que nom crês­se­mos na sua pa­la­vra. E, ini­ci­al­mente, su­pu­gé­se­mos que eram umhas exa­ge­ra­das. Mas ti­ve­mos a sorte de que na es­cola as men­tes som bas­tante mais aber­tas do que pen­sá­va­mos, e quase todo o alu­nado se uniu ao carro no seu apoio.”

Do se­gredo à acçom

Começou em 28 de fe­ve­reiro cu­nha sen­tada nas ins­ta­la­çons da es­cola. Continuou com a ins­tau­ra­çom do paro le­tivo e con­cen­tra­çons di­ante da Inspeçom de Educaçom de Vigo, e na Xefatura Territorial da Conselharia da Educaçom em Ponte-Vedra. E agora, ainda com a ins­tau­ra­çom do es­tado de alarme pola crise sa­ni­tá­ria, con­ti­nuam a le­var-se a cabo atos de pro­testo e re­sis­tên­cia a par­tir das casas.

Desde que fo­mos con­fi­na­das, so­bre­todo cen­tra­mos a luita nas re­des so­ci­ais, que é o que mais vi­si­bi­li­dade nos pode dar. Todas es­ta­mos a tra­ba­lhar para dar toda a co­ber­tura pos­sí­vel ao mo­vi­mento #UNSEGREDOAVOCES”, as­si­na­lá­rom in­te­gran­tes da AESAD

pro­fes­so­ras da ESAD apoiá­rom pu­bli­ca­mente os pro­tes­tos do alunado. 

Sobre os mé­to­dos de or­ga­ni­za­çom, umha aluna da ESAD diz: “Organizamo-nos em co­mis­sons e cada umha en­car­rega-se de um as­sunto di­fe­rente. Há umha co­mis­som que se en­car­rega dos lo­gó­ti­pos, de car­ta­zes etc. Logo, há ou­tra que se en­car­rega das re­des. Nas re­des, por exem­plo, há umha açom bas­tante po­tente que som Os ca­fés na ESAD, que é umha ini­ci­a­tiva que se ti­nha desde tempo atrás na es­cola na nossa ca­fe­ta­ria e que agora es­ta­mos a levá-las a cabo com mu­lhe­res da cena ga­lega e do pa­no­rama es­pa­nhol em que con­tam as suas ex­pe­ri­ên­cias no sec­tor. De facto, ti­ve­mos a gente com bas­tante vi­si­bi­li­dade so­bre­todo nas re­des so­ci­ais como Inma Cuesta ou Bárbara Lennie.” 

Romper com a tradiçom

A mo­bi­li­za­çom das es­tu­dan­tes vi­si­bi­li­zou a ne­ces­si­dade de mu­dar cer­tas for­mas de agir no en­sino o e na pro­du­çom te­a­tral para que a vi­o­lên­cia de gé­nero nom en­con­tre re­fú­gio nes­ses espaços. 

Eu pes­so­al­mente penso que esta ques­tom se ba­seia em que o sec­tor avança de forma tam lenta cara a um fe­mi­nismo in­ter­sec­ci­o­nal no mundo da cena, que é mui di­fí­cil que o alu­nado con­siga er­ra­dicá-lo desde abaixo. Mas todo se con­se­gue com ques­tons pe­que­chas. Do meu ponto de vista, o vo­ca­bu­lá­rio e os ro­les de gé­nero no palco som pe­ças im­por­tan­tes. Se con­se­gui­mos mu­dar es­tas pe­que­nas cou­sas, o ama­nhám po­dem ser gran­des avan­ços”, con­cluiu umha aluna da ESAD.

Os de­ba­tes so­bre o en­sino ar­tís­tico som tam an­ti­gos com som ur­gen­tes. Ensinar as ar­tes com vi­o­lên­cia é umha prá­tica mui ar­rei­gada que atra­vessa dis­ci­pli­nas, es­co­las, téc­ni­cas e até con­ti­nen­tes. Nom é es­tra­nho en­con­trar tes­te­mu­nhos de es­tu­dan­tes que so­fré­rom pres­som psi­co­ló­gica e fí­sica por parte dumha do­cên­cia que se dava a res­pei­tar e que era obe­de­cer com ri­gor só polo seu re­nome que lhe dava au­to­ri­dade e, até agora, impunidade.

É ne­ces­sá­rio con­ti­nuar o de­bate e desta vez as com­pa­nhei­ras da AESAD fi­gé­rom-nos ver com cla­ri­dade que a edu­ca­çom nom é umha prá­tica uni­la­te­ral, que o en­sino nom é um tra­ba­lho que re­cai só nos cor­pos do­cen­tes, mas que o co­nhe­ci­mento é umha prá­tica que se cons­trói em co­mum. E desta vez, to­cou ao es­tu­dando en­si­nar umha li­çom a toda es­cola. Toca es­cui­tar nas suas exi­gên­cias, a ur­gên­cia de lhe ofe­re­cer umha edu­ca­çom se­gura que nom que­brante a sua dig­ni­dade; nas suas con­di­çons, o tipo de edu­ca­çom que que­rem e de que precisam.

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