O ‘Foro Galego da Inmigración’ celebra o XX aniversário da sua fundação. O coletivo, que é ponto de convergência para mais de 80 entidades, continua o seu trabalho com o mesmo objetivo que no início: a defesa das pessoas migrantes e a denúncia pública da vulneração dos seus direitos. Dentro da movimentação a nível estatal pela ILP ‘Regularización YA’, este mês de maio a organização coordenou em Compostela a ‘Semana Galega de Loita contra as Fronteiras’.
No início do século, o governo de Aznar era testemunha dum importante crescimento económico e social. Com este impulso, a vaga de imigração provocou uma explosão demográfica: em menos de dez anos, o Estado espanhol passou de 40 a 46 milhões de habitantes. “Foi um fenómeno novo para as entidades sociais, não conhecido”, relata Miguel Fernández, membro fundador do Foro Galego da Inmigración.
Neste contexto de reconfiguração da paisagem social, nasce na Galiza a necessidade de “criar um espaço em comum para tratar de forma coordenada as questões ligadas à imigração”. Nasce o Foro, com vocação de ser um espaço amplo de participação e debate. Ao longo dos anos e de diferentes contextos políticos, este espaço demonstrou ser dinâmico e adaptável às diferentes circunstâncias. Deste modo, Fernández não nega que “num primeiro momento predominavam aquelas associações de tipo social eurobrancas”, as quais depois deixaram espaço a outras agrupações de migrantes divididos por nacionalidades.
“Foi uma etapa com um conteúdo mais cultural, mas agora vemos que há mais peso de coletivos, militantes individuais, que situaram a auto-representação e a implicação das pessoas migrantes e racializadas como a parte principal”, relata o ativista. É este um período, afirma, “em que as pessoas eurobrancas deveríamos ficar num papel secundário, de apoio”.
Porém, por riba das diferentes etapas, o objetivo continuou a ser sempre o mesmo: defender os direitos das pessoas migrantes e a pretensão de representar o coletivo diante das Administrações em questões político-administrativas. Esta luta adotou diferentes formas, “mas não esquecemos o machismo e o racismo como elementos fundamentais que combater”.
Pequenas vitórias
Numa estratégia ligada à realidade iminente e palpável de cada momento, uma das principais constantes foi combater a Ley de Extranjería. “Temos que ver que tem tantos anos como o próprio Foro! É uma competência estatal e cerne da discriminação e a regulamentação insuficiente do asilo”, denúncia Fernández.
“No início predominavam no Foro as associações de tipo social eurobrancas, hoje entendemos que estas devem ficar num papel secundário, de apoio”
Contra este racismo institucional, a entidade desenvolveu um labor constante para denunciar as situações de abusos. “Fizemos pressão social para deter deportações ilegais e fomos intermediárias nas relações com a Administração para o acesso a ajudas”, comenta. As pessoas em situação de irregularidade administrativa enfrentam, portanto, uma desigualdade de base para poder optar a estas prestações. “A nível autonómico têm problemas para lograr a RISGA, mas também a nível estatal o IMV ou a ajuda de 200 euros… por não mencionar a impossibilidade para obter citas para a documentação, os requisitos a maiores do que estabelece a normativa…”, enumera o membro do Foro.
“Vitórias, muito poucas!”, ri Fernández. Cita, como exemplo, a pressão para garantir um acesso universal à sanidade pública, em que se lograram “pequenas vitórias parciais”. Desde a entidade insistem em que o racismo é o que está detrás destas dificuldades e desigualdades que afetam a população migrante. “É uma dificuldade extra para aceder a serviços básicos como a vivenda, o trabalho, as ajudas… e é institucional, mas também social”.
Luta contra as fronteiras
Contra o atual estado das coisas, desde o Foro veem a auto-organização em coletivo das pessoas migrantes e racializadas como o principal horizonte pelo qual trabalhar. Inclui-se aqui o labor coordenado a nível estatal para articular campanhas contra os CIES, os voos de deportação ou a própria ILP pela regularização extraordinária de meio milhão de pessoas no Estado.
Nesta linha de ação o Foro organizou a Semana Galega de Loita contra as Fronteiras, cujo ato central foi a jornada em Compostela sobre “os processos de auto-organização e luta migrante”. O encontro, celebrado o 27 de maio na Troita Armada, serviu para partilhar as experiências do Sindicat Mantero de Barcelona e da iniciativa Regularización YA, a nível estatal. Esta última, cuja ILP ficou em pausa após a convocatória de eleições, foi um revulsivo para gerar sinergias entre pessoas e coletivos de diferentes lugares do Estado.
Papalaye Seck: “A ILP de Regularización bateu o record de assinaturas na democracia espanhola”
A iniciativa da ILP Regularización YA surgiu a raiz da pandemia. Como a viveu o coletivo?
Há muitas pessoas que tiveram o privilégio de ter aforros ou cobrar um ERTE e estar na sua casa vendo Netflix, mas as pessoas que buscam a vida diariamente para sobreviver não podiam fazer isso. Foi um momento muito difícil. Nas nossas organizações fizemos bancos de alimentos para repartir comida entre as pessoas migrantes e mesmo entre as nativas de aqui. Sabemos que há pessoas em extrema necessidade e não fizemos distinções. Também levamos adiante uma campanha para coser máscaras, gorros e batas para hospitais, respondendo às demandas do pessoal sanitário. Chegamos a produzir por volta de 15.000 peças.
Em Regularización YA faz-se referência a que a adesão à iniciativa não deve nascer “nem por caridade, nem por paternalismo nem por ânsia civilizatória”, mas por direitos humanos básicos e por uma questão de governação pública. Qual foi a resposta social?
Efetivamente. Nós, desde Catalunya, fomos o centro da iniciativa a nível estatal. Repartimos e recolhemos as folhas de assinaturas. Finalmente superamos as expetativas e chegamos às 700 mil assinaturas; é a primeira vez na democracia espanhola que uma ILP recolhe tanto apoio e conseguiram-no as pessoas migrantes que lutam pelos seus direitos fundamentais.
Qual foi e é a situação dos vendedores ambulantes de Barcelona após a criação do sindicato?
O racismo institucional condena-nos a não poder trabalhar, alugar vivenda… e isso obriga-nos à venda na rua, onde sofremos muitas violências: persecuções policiais, confiscação de mercadoria, internamento em CIES, penas de prisão… Em 2015, após o assassinato dum mantero em Salou, a comunidade rebelou-se contra esta impunidade e criamos o sindicato. O facto de um ofício não ser legal não significa que as pessoas que o realizam não tenham direitos. O sindicato permite-nos relacionar-nos com as instituições, reconhecem-nos porque nos defendemos e nos organizamos. A dia de hoje é mais difícil que se deem essas práticas violentas, e há uma mudança na consideração social dos manteros.
Top Manta é a marca de roupa do sindicato. Como foi possível? É a auto-organização o caminho?
É um conjunto de muitas coisas. O caminho que tomamos é uma visão horizontal e coletiva onde miramos por todos. Colabora muitíssima gente no projeto, que tem uma mensagem muito clara. Top Manta existe para procurar resposta à necessidade de pessoas que estão em situações vulneráveis. Permitiu regularizar por volta de 120 pessoas, que agora têm um trabalho formal, com um contrato, e o objetivo é somar mais gente.