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o cinema engana-se com o desporto

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É o des­porto o ópio do povo? Isso pa­re­ce­ria aten­dendo ao re­trato que o ci­nema ofe­rece. Chama a aten­çom que, sendo um dos prin­ci­pais in­te­res­ses na vida de boa parte das clas­ses po­pu­la­res e mé­dias, seja um tema tam pouco (e mal) tra­tado. Quantos fil­mes ga­le­gos há ar­re­dor do fu­te­bol? Ou, dito dou­tra ma­neira, quan­tos fil­mes ga­le­gos so­bre clas­ses po­pu­la­res te­nhem con­seqüên­cias, diá­lo­gos, ou per­so­na­gens re­la­ci­o­na­dos com o mundo do fu­te­bol? O ci­nema re­nun­ciou a pôr em cena umha re­a­li­dade muito pre­sente na vida quo­ti­di­ana, pro­va­vel­mente por um com­plexo de su­pe­ri­o­ri­dade cul­tu­ral, um des­prezo eli­tista da arte polo des­porto nas massas.

Resulta cu­ri­oso por­que, igual que o ci­nema, o des­porto acos­tuma ser um es­pe­tá­culo imer­sivo, pen­sado para a sua contemplaçom

Resulta cu­ri­oso por­que, igual que o ci­nema, o des­porto acos­tuma ser um es­pe­tá­culo imer­sivo, pen­sado para a sua con­tem­pla­çom. Sustenta-se em ima­gem, mo­vi­mento e tempo, tem umha nar­ra­tiva e parte da iden­ti­fi­ca­çom do pú­blico com as pro­ta­go­nis­tas, se­jam in­di­vi­du­ais ou co­le­ti­vas. A re­trans­mis­som te­le­vi­siva se­ria um grau zero disto: um re­gisto (in­te­ci­o­nal­mente) ob­je­tivo onde quem olha cons­trói a sua re­la­çom com o es­pe­tá­culo: es­co­lhe­mos se va­mos com o Depor ou com o Celta, com Federer ou com Nadal, se cre­mos na ino­cên­cia de Alberto Contador… Este grau zero to­mou do ci­nema me­ca­nis­mos de re­pre­sen­ta­çom como a câ­mara lenta, as re­pe­ti­çons ou o eixo da açom.

Quando pen­sa­mos em ci­nema e des­porto é nor­mal que o do­cu­men­tal (muito te­le­vi­sivo) seja o pri­meiro for­mato que se nos ocorre; o des­porto con­sume-se atra­vés do pe­queno ecrám: que achega, pois, o ci­nema? Retrata a épica, o in­di­vi­duo des­por­tista, a ane­dota pon­tual, e nor­mal­mente nem os es­pe­ta­do­res nem o ne­go­cio. Onde es­tám as es­tru­tu­ras, a ar­bi­tra­gem, o de­porte de base? No 99% do ci­nema ga­lego (e es­pa­nhol, e eu­ro­peu) nom apa­rece o fu­te­bol, e é inad­mis­sí­vel, por­que o fu­te­bol marca hoje a nossa so­ci­e­dade de umha ma­neira muito evi­dente. No Estado es­pa­nhol, ca­sos iso­la­dos como Días de fút­bol ou Matías, juez de li­nea nunca dei­xam de lado a com­po­nente com­pe­ti­tiva. O pra­zer dum grupo de pes­soas que se en­con­tram para pra­ti­car des­porto está fora da re­pre­sen­ta­çom audiovisual.

Nos me­lho­res ca­sos, en­tom, o ci­nema des­por­tivo pode tra­tar ou­tros as­sun­tos uni­ver­sais como as re­la­çons de classe, con­fli­tos fa­mi­li­a­res, económicos… 

O ci­nema pode ela­bo­rar e fa­zer ex­plí­ci­tos con­fli­tos que na te­le­vi­som só se in­tuem: por exem­plo, em The Loneliness of the Middle Distance Runner (Tony Richardson, 1962) ou­vi­mos o pen­sa­mento do atleta en­quanto com­pete, ou em Fat City (John Huston, 1972) está pre­sente o dis­curso la­bo­ral ar­re­dor do boxe. Pode fu­gir da di­nâ­mica épica mais cen­trada no as­peto com­pe­ti­tivo do des­porto, como em College de Buster Keaton (1927) e em ge­ral na ma­neira em que o slaps­tick do ci­nema mudo uti­li­zava o des­porto como base para o hu­mor fí­sico. Pode re­co­lher be­leza es­té­tica do es­forço e o mo­vi­mento, como fijo Leni Riefenstahl em Olympia (1938); e pode vi­rar o olhar cara a to­das as di­men­sons do des­porto ex­cluí­das da re­pre­sen­ta­çom au­di­o­vi­sual, desde a parte eco­nó­mica que re­co­lhem Anata kai­masu (Masaki Kobayasi, 1956) ou Any Given Sunday (Oliver Stone, 1999) até as vi­vên­cias de fans que ve­mos em O vi­a­xeiro (Abbas Kiarostami, 1974) ou American Dreams: Losto and Found (James Benning, 1984). Inclusive o des­porto nom pro­fis­si­o­nal tem o seu oco em fil­mes como White Men Can’t Jump (Ron Shelton, 1992).

Nos me­lho­res ca­sos, en­tom, o ci­nema des­por­tivo pode tra­tar ou­tros as­sun­tos uni­ver­sais como as re­la­çons de classe, con­fli­tos fa­mi­li­a­res, eco­nó­mi­cos… Porém, a in­fluên­cia da re­pre­sen­ta­çom pu­ra­mente te­le­vi­siva, a fo­ca­gem ro­mân­tica no emo­tivo e épico, a nar­ra­tiva ul­tra­li­be­ral das fi­gu­ras in­di­vi­du­ais e a con­tru­çom de mi­tos de su­pe­ra­çom, as­censo e caída, le­vam a se­pa­rar o des­porto do co­mum, tra­ba­lhando com o ex­tra­or­di­ná­rio e afastando‑o dos con­fli­tos populares.

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