Elias Torres Feijó é diretor do Grupo Galabra da Universidade de Santiago de Compostela e coordenador dumha equipa transdisciplinar que estuda desde 2011 os impactos dos Caminhos na comunidade local compostelana. Conversamos com ele aproveitando a publicaçom pola editora Andavira, em 2020, tanto de dous catálogos, que recolhem quatros exposiçons sobre este assunto, assinados polo conjunto da equipa (A cidade, o Caminho e Nós e Visitar, comerciar e habitar a cidade) como do livro da sua autoria Bem-estar comunitário e visitantes através do Caminho de Santiago. Grandes narrativas, ideias e práticas culturais na cidade.
Um dos principais resultados das vossas investigaçons sobre os impactos dos Caminhos a Santiago na reinvençom da cidade atribui um peso determinante aos discursos elaborados sobre Compostela e as peregrinaçons. Quais som esses discursos e em que medida se relacionam com a identidade compostelana e galega?
A cidade foi reinventada de acima para abaixo e através de políticas (locais e, particularmente, dos governos de Manuel Fraga) que continuam presentes em boa medida na atualidade. A cidade está a ser planificada fundamentalmente desde o governo, nom desde a comunidade local.
Deste ponto de vista fôrom três os discursos elaborados nos anos 80 que tivérom um impacto mui relevante com o impulso dado a partir do Xacobeo 93. O primeiro é o da Igreja católica, que identifica Santiago com um lugar de peregrinaçom que teria vertebrado a Europa a partir das raízes medievais. As declaraçons da UE e da UNESCO para o caminho e a cidade, por seu lado, estám ligadas também ao mundo medieval mas com um carácter mais vinculado à preservaçom do património material e histórico. Já O Diário de um Mago de Paulo Coelho é um livro de enorme sucesso que tem mais a ver com um processo iniciático-esotérico ou de autoajuda, mas que foi traduzido para diversas línguas introduzindo a ideia de peregrinagem, que nom estava no original. Estes três discursos compartilham umha caraterística principal: a comunidade e a cultura locais estám ausentes.
“Os discursos elaborados sobre Compostela e as peregrinaçons compartilham umha caraterística principal: a comunidade e a cultura locais estám ausentes”
De que maneira estes discursos explicam ou condicionam o modo em que nos vemos ou nos vem fora?
A visom de fora está rodeada pola ideia da peregrinaçom, com a Catedral num lugar enormemente destacado. De facto, de acordo com as entrevistas feitas na nossa investigaçom, perto de 90% da identificaçom externa de Santiago está vinculada a este fenómeno, com umhas percentagens mui baixas (por volta de 3%) relativas a ideias ligadas ao carácter monumental, universitário ou de capitalidade. No entanto, para a comunidade galega Compostela é maioritariamente capital, símbolo ou referente da Galiza (60%), umha cidade universitária e cultural, também fim do caminho, cidade religiosa e espiritual (6–8%) e, em menor medida, cidade turística (2,3%). Para a comunidade galega, entom, Compostela continua a ter essa pluridimensionalidade, mas esse equilíbrio foi quebrado na visom projetada para fora em benefício deste monocultivo do Caminho que tem consequências na configuraçom da própria Galiza.
“Para a comunidade galega, Compostela continua a ser umha cidade pluridimensional, mas a visom projetada para fora baseia-se num monocultivo do Caminho que tem consequências na configuraçom da Galiza”
Quais as diferenças entre turismo e peregrinaçom aos efeitos do seu impacto na cidade (ideias, usos, consumos …)?
Em geral, o turismo sem peregrinaçom tem umha ideia mais patrimonial e cultural da cidade, e isso vê-se no tipo de consumos e usos realizados. Mas a grande diferença é que quem peregrina ocupa espaços públicos que forom fundamentais para a cidade, tais como as praças e o entorno da Catedral. Esta ocupaçom do espaço público, unida à do turismo em geral, fai que as pessoas de Santiago tenham ido para outros lugares, apesar de a Cidade Velha continuar a manter uns níveis de uso, querença e identificaçom altos (por volta do 35–40%). É significativo neste sentido ver como a valorizaçom da Catedral como elemento emblemático-identificador para as pessoas de Santiago (perto de 40%) desce significativamente como elemento querido (7,5%) e muito mais se forem perguntadas polo seu nível de uso (0,1%). As pessoas que abandonárom esses espaços públicos agora valorizam muito as zonas verdes, nomeadamente a Alameda, como lugar identificador e mui por cima da Catedral em termos de querença.
Em relaçom com o fenómeno jacobeu, quais julgas que som os principais desafios a que se enfrenta Compostela, e a Galiza, no imediato futuro?
A pandemia véu mostrar os efeitos de termos umha cidade que viu quebrada essa pluralidade de que falava acima e tem umha excessiva dependência dum determinado tipo de visitante, mostrando um certo abandono da comunidade local. As consequências disto evidenciam-se em bairros como Sam Pedro, onde as nossas pesquisas mostram que mais de metade da vizinhança está claramente em contra deste tipo de turismo por considerar que altera as suas formas de vida e prejudica o seu bem-estar.
Os desafios que estám pola frente passam, entom, porque Galiza recupere essa pluralidade com que a identificamos desde dentro. Parece-me que será importante para as planificaçons futuras que Santiago continue a ser identificado como o referente da Galiza e, além disto, será preciso decidir quem manda na cidade, se ela é pensada a partir da comunidade local ou para o turismo. Pensar a cidade desde a cidade é o grande desafio.
“A pandemia mostrou os efeitos de termos umha cidade com excessiva dependência dum determinado tipo de visitante”
Como estám a ser recebidos os resultados da vossa investigaçom no movimento associativo local e nas administraçons públicas?
O associativismo local acolhe o trabalho dumha maneira pró-ativa e agradecida, o que reforça a nossa profissionalidade e nos anima a continuar trabalhando autocriticamente para superar carências. Ao compartilharmos com a vizinhança (e com pessoas do comércio, a agricultura, o artesanato, …) processos e resultados, recebemos convites para participar em atividades associativas, que muito nos satisfazem, e o associativismo também nos coloca perguntas e desafios que queremos responder; ao tempo, verificamos que a gente tem agora ferramentas para pensar a sua própria lógica coletiva em termos de coesom e de inclusom social que antes nom tinha, e isto para nós é mui importante.
Quanto às administraçons, algumhas formaçons políticas estám interessadas no trabalho, mas continua a haver dessa parte umha certa distância com uns resultados que questionam criticamente a realidade. Contudo, a nossa disposiçom é de absoluta colaboraçom para ajudar a corrigir alguns dos aspectos mais lesivos deste tipo de turismo; nós trabalhamos na direçom de (re)pensar a cidade e as formas de identificaçom galegas e compostelanas a partir da comunidade local.