Érica Garcia e Diana Guilhém, ativistas, feministas e trabalhadoras desde há anos do ‘Centro de Derechos de Mujeres’ (CDM) de Honduras, compartírom connosco a difícil situaçom do povo hondurenho, particularmente das mulheres e do coletivo LGTBIQ+, baixo a ditadura de Juan Orlando, reeleito ilegalmente em 2017 e que conta com o apoio do governo estadounidense.
Como é a situaçom hondurenha baixo a ditadura de Juan Orlando?
Érica García: Honduras leva anos mal. É um país que foi sistematicamente saqueado, considerado umha ‘república bananeira’ e utilizado como hangar militar para bases estado-unidenses desde o século XIX. O imperialismo leva presente desde há anos, com o conhecimento dos governos e com golpes de estado contínuos. Porém, entre os anos 1982 e 2009 houvo um período de silenciamento em que quase ninguém se queixava porque as cousas nom estavam tam mal e porque coincidiu com a expansom do neoliberalismo. Nesta época habia expropriaçom, mas também emprego e a gente tirava algum benefício económico da situaçom. Ademais, durante esta época as violaçons dos direitos humanos nom eram tam constantes e nom era tam perigoso viver aqui. Mas dêrom o golpe de estado em 2009, (Juan Orlando já era Deputado) que está suficientemente documentado que foi promovido e apoiado polo governo norte-americano, e todo quebrou e se militarizou.
“O atual ditador, ademais de ter ao seu cargo as forças policiais, criou baixo a lei a sua própia força militar de elite. Maneja um corpo militar mais grande do que as forças armadas”
A ditadura cresceu paulatinamente a partir de que o Partido Nacional entrou no Governo e começou a modificar as leis para assegurar a sua estadia permanente. A partir de 2014, durante o primeiro governo de Juan Orlando, ele começa a manipular e a criar instituiçons que estejam no seu mando direto. A instituiçom mais importante que cria é o Conselho Nacional de Defensa e Segurança. Este conselho é segredo, e aí é onde se tomam as decisons sobre segurança estatal, com partida orçamentária confidencial.
Em 2014 a polícia militar já tinha tomadas as ruas. Até hoje. Se antes havia umha polícia nacional, agora há cinco: os cobras, os tigres… Polícia altamente equipada promovida pola campanha que vem dos EUA da ‘Guerra contra o Narcotráfico’. Porém, está claro que isso nom é mais do que umha escusa. A guerra contra as drogas é umha mentira já que o narcotráfico está intimamente relacionado com o Governo. Desde o início desta suposta luita, a entrada de drogas no país aumentou e há muitos povos indígenas subjugados por narcotraficantes com a cumplicidade do Estado. Todos os fundos que som para esta guerra se usam realmente para reprimir as pessoas que se oponhem às políticas ditatoriais do Partido Nacional.
Diana Guillén: O equipamento de cada soldado está valorado em 5000 dólares. A carga tributária que gera o alto custo de armar esta força militar provocou que neste período de tempo, desde 2009 até hoje, a dívida externa triplicasse. Toda esta campanha dos EUA de luitar contra o narcotráfico é um simulacro que eles criam para venderem armas ao Triângulo Norte: Guatemala, El Salvador e Honduras. É importante entender que o caso de Honduras nom é isolado, senom que fai parte dum projeto de dominaçom por parte do imperialismo de todo o hemisfério sul para impedir os processos de emancipaçom por parte dos povos do continente.
E.G.: Este gasto militar é ridículo para um país que, em teoria, nom está em guerra e que ademais tem umha populaçom altamente empobrecida. O 67% vive na pobreza, o resto está em risco de empobrecimento e apenas o 1% tem toda a riqueza do país. Contudo, o orçamento que o Congresso Nacional aprova cada ano nom fai mais do que decrecer em matérias de saúde e educaçom, enquanto aumentam dinheiros destinados à segurança. Entendendo segurança do ponto de vista dumha ditadura: mais armas, mais homens armados, mais segurança privada… Há muitos casos em que estas empresas som levadas por ex-militares adestrados para a guerra e contratam a homens pobres, sem educaçom. Imagina o que significa para as mulheres que este tipo de pessoas estejam armadas às portas dos estabelecimentos.
D.G.: Por outra banda, o atual ditador, ademais de ter ao seu cargo as forças policiais, criou baixo lei a sua própria força militar de elite. Isto implica que ele maneja um corpo militar mais grande do que as forças armadas. Se estas quigessem revelar-se nom poderiam. Esse é o poder que tem Juan Orlando agora mesmo. Isso sem contar com que os três poderes ‑executivo, legislativo e judicial- estám no seu controlo total desde que se fixo com o cargo em 2012.
Apesar da alta presença de militares nas ruas, o povo segue a luitar?
D.G.: O povo está a sair às ruas de forma histórica em Honduras. Em 2015, saiu à luz um caso de desfalco na segurança social por parte do governo. Reconhecêrom, diante dos meios de comunicaçom nacionais, que o partido utilizara fundos do seguro social para as suas propagandas políticas, mas que algum dia devolveriam o dinheiro. Este desfalco provocou 3000 mortes das quais se podem comprovar, produto dos contratos fraudulentos que se dérom, onde se vendiam medicamentos falsos, equipos sobrevaloradas, usados, deteriorados, como se fossem novos e de última tecnologia, ou onde até o pessoal dos hospitais desviava medicamentos públicos a clínicas privadas. O povo, ao reparar em que a precária situaçom dos hospitais era cousa do governo, nom o puido aturar mais e o descontento cresceu até que se organizou socialmente.
E.G.: Este movimento conheceu-se como o Movimiento de las Antorchas. Por todo o país havia manifestaçons todas as sextas-feiras e sábados. Foi enorme.
“Umha mulher é assassinada cada dezassete horas em Honduras. Mas o governo oculta estes dados. Declaram ‘mortes indeterminadas’, pese a existir marcas de arma branca ou de disparo”
D.G.: Para 2017, o fraude eleitoral que se deu, ademais da reeleiçom do presidente de forma anticonstitucional e ilegal fijo que a povoaçom saísse massivamente às ruas. Tomamos as estradas, tratamos de congelar o movimento económico… Mas como já digemos, a partir de 2010 as forças militares e todo o aparato repressivo estava mui fortalecido, e tocou-nos enfrentar-nos cara a cara com estes soldados armados com armas de última geraçom, contra um povo sem armas, mas também sem nada a perder. Assim, por um lado estava o povo insatisfeito e enfadado, até o ponto de nom tolerar mais, contra um corpo repressor altamente preparado, e que deixou um saldo de 43 mortos, mais de 1000 detençons e, atualmente, varias presas políticas das quais umha é mulher. As presas sofrem constantes violaçons dos direitos humanos. As prisons, por esta propaganda de luita contra o narcotráfico, convertêrom-se em campos de concentraçom onde os presos políticos som sistematicamente torturados. Todo isto sem contar com desapariçons, sequestros…
A populaçom que está mais indignada e mais organizada é a mais nova. Honduras tem umha juventude que nom pode aceder a ensino nem bons empregos. Eles mesmo chegárom a expressar publicamente que nom tenhem medo porque já lhes roubárom todo. Estamos a falar de rapaziada de 14 anos a dizerem estas cousas, praticamente nenos.
Se a situaçom geral é péssima, a situaçom da mulher há ser pior, com o incremento do número de feminicídios e a impunidade à hora de cometê-los.
E.G.: Sem dúvida. Se os homens sofrem violência numha sociedade assim, as mulheres, sobre todo as indígenas, sofrem em muitos mais níveis: nom só polo narcotraficante que controla a sua vila, nom só polo Estado, nom só pola polícia, senom também e tristemente dentro dos movimentos organizados, por parte de companheiros de luita.
O corpo da mulher é um botim de guerra, e numha cultura militarizada como a de Honduras, os feminicídios som umha constante. No ano passado, segundo cifras do Observatório de Violência contra a Mulher, os feminicídios estavam em retrocesso, porém, estas som cifras falsas. Segundo os dados dum observatório universitário, umha mulher é assassinada cada 17 horas, mas o governo oculta dados. A pergunta seria, por que razom. A resposta está de novo relacionada com a suposta guerra contra o narcotráfico: tenhem que justificar todo o dinheiro que estám dedicando em polícia e armamento. Se apesar de todo o gasto os feminicídios seguem a aumentar, isso nom seria aceitado socialmente e ocultam as cifras reais.
D.G.: Umha das estratégias que utilizam para controlarem as estatísticas de assassinatos é nas autopsias. Se antes num corpo havia algum tipo de marca de arma branca ou de disparo considerava-se homicídio ou assassinato. Hoje declaram-se ‘mortes indeterminadas’. Isto fai com que as taxas de assassinatos diminuam e aumentem a de suicídios ou mortes indefinidas. O assunto é tam forte que até há umha brincadeira local sobre pessoas que aparecem com marcas de arma branca nas costas, di-se que “se suicidárom polas costas”. Em 2016, segundo dados do Centro Estatístico Policial (CEPOL), houvo 460 casos de feminicídios, e só dous fôrom condenados como tal. Nom há investigaçons, é ridículo. Ademais, o governo tem um cerco impressionante sobre os meios de comunicaçom, pagam-lhes para que manipulem a informaçom. Nunca se fala do mal fazer do estado, senom que se lhe bota a culpa à cidadania.
A isso soma-se o forte papel que tem a igreja dentro do governo. Como afeta isto aos direitos das mulheres?
E.G.: Desde o golpe de estado de 2009 tanto o aborto como as pílulas anticoncetivas de emergência fôrom totalmente proibidas. E a educaçom sexual desapareceu quase por completo das escolas. Isto é fruito das pressons dos grupos fundamentalistas que formam parte do governo e que praticamente som o segundo poder do país. Hoje há 8 pessoas do Opus Dei no Congresso Nacional. E o governo negocia nom só com estes grupos, senom também com os líderes da Confraternidade Evangélica e com a Conferencia Episcopal. Em Honduras há umha grande aliança entre todos esses grupos religiosos e o governo. Assim, os direitos humanos das mulheres estám totalmente suprimidos.
Antes do golpe de 2009 sim que se aprovaram umhas guias de educaçom sexual integral bastante completas. Tinham conteúdo, tinham imagens, falavam do prazer, da masturbaçom… Falavam de sexualidade normalmente. Mas fôrom retiradas por estes grupos fundamentalistas, que obrigárom a sacá-las das escolas e a queimá-las em fogueiras públicas, para fazê-lo mais simbólico. Despois, trocárom estas guias por umhas que nom tenhem imagens, que nom falam de prazer nem de métodos anticoncetivos, e que só falam dos aparatos reprodutores femininos e masculinos de forma tradicional. Mas se isto já é grave, ainda por cima nem é obrigatório lecionar nas escolas. Nom há aulas de educaçom sexual, senom que, por exemplo, o professor de ciências pode decidir dar para aconselhar, porque assim é como lhe chamam, aconselhar os rapazes para que utilizem preservativo.
D.G.: O último estudo que se fijo mostrou que só o 4% das escolas do país impartiam esta matéria deficiente de educaçom sexual. O 96% nem sequer fala do aparato reprodutor. Somos o segundo país da América do Sul com mais gravidezes adolescentes, produto da ignorância que sobre o tema.
E.G.: E ademais disto o aborto está totalmente proibido. O ano passado terminou-se de discutir um novo código penal, com a participaçom de consultores espanhóis da Agencia Espanhola de Cooperaçom Internacional para o Desenvolvimento. Entom, vários grupos de organizaçons de mulheres unimo-nos numha plataforma chamada Somos Muchas, para tentar que no novo código penal fosse despenalizado o aborto no mínimo nas três causais mais típicas: violaçom, saúde e vida da mulher e inviabilidade fetal. Fijo-se um trabalho grande de concienciaçom e ao final as enquisas mostrárom que entre o 55 e 60% da populaçom era a favor do aborto nessas três causais. Contudo, o código penal nom mudou.
Agora o aborto está penalizado com penas de 3 a 6 anos, para as mulheres que abortam, e de 10 ou mais para os trabalhadores dos serviços de saúde que os levem ao cabo. Atualmente, entre a secretaria de saúde e várias organizaçons como Médicos sem Fronteiras está-se a tentar criar um protocolo de atençom integral para superviventes de violência sexual. Pensou-se que esta era umha oportunidade para, no mínimo, poder dar a pílula anticoncetiva de emergência para as raparigas que denunciem violência sexual. Mas em janeiro mandárom um correio às organizaçons mostrando o rascunho do protocolo e nom se menciona a PAE. Por isso começamos umha campanha antes de vir aqui, para evidenciar a violência sexual do país e fazer visível o facto de que, apesar do gram número de mulheres que som violadas, estas nem sequer podem aceder a umha pílula anticoncetiva de emergência. Este tema está a ser trending topic e foi capa dos quatro periódicos nacionais mais importantes. Existe umha pequena esperança de mudança.
E.G.: E ainda que o aborto se proibir, as mulheres obviamente seguem abortando. O aborto é a segunda causa de ingressos hospitalários.
Como é a situaçom para o coletivo LGTBIQ+?
E.G.: Há trabalho comum entre as organizaçons feministas e organizaçons defensoras dos direitos pola liberdade sexual e de género. Porém, é certo que o coletivo LGTBIQ sim que o leva pior com a sociedade em geral. De facto, dentro da nossa organizaçom, muitas evitam falar da sua condiçom sexual por medo.
D.G.: A sociedade é fundamentalista, há muita apologia do ódio e, sobretudo, há muitos crimes de ódio. Indyra Mendoza e as organizadoras de Cattrachas, umha organizaçom lésbica feminista dedicada à defensa dos direitos da comunidade LGTBIQ+ em Honduras, figérom umha análise onde demostrárom como cada vez que os meios de comunicaçom falam destes temas com ódio, utilizando palavras como “abominaçom” para referir-se aos membros desta comunidade, os assassinatos a pessoas LGTBIQ+ aumentam. E nom se passa nada, nom há censura, porque, legalmente, apesar de todo o mal que provocam, com pedir umha desculpa fica amanhado.
Como se viveu e o que significou o 8 de março em Honduras?
E.G.: Nós também saímos às ruas no 8 de março com a ideia de recuperar os espaços para as mulheres. Em Honduras o espaço público, sobretudo o noturno, é de homens, e queremos rematar com esta realidade. Se as organizaçons e coletivos som importantes, porque servem para analisar e estudar situaçons, nas ruas é onde se vai criando o movimento, onde se conecta com as companheiras e onde realmente se fai história. No jornal Contracorriente saiu um artigo que dizia ‘El 8M: como parárom las mujeres hondureñas’, e nele se fazia umha análise de por que muitas mulheres nom puidérom parar esse dia. Isto é porque há muitas mulheres no nosso país que vivem ao dia, que se um dia nom vendem, nem elas nem a sua família poderám comer. Logo, para poder participar da protesta, o que faziam era berrar desde os seus postos de venda.
O dia da marcha também coincidiu com a audiência dum dos implicados no assassinato da ativista Berta Cáceres. Fomos ata ali com umha faixa que tinha a forma dumhas bragas gigantes onde estava escrito o lema Aquí mando yo. Quando nos vírom chegar, saírom mais de 40 polícias num veiculo com a intençom de parar-nos. Mas nós nom estávamos dispostas a que passassem, assim que ficamos ali, faixa em mao, berrando e cantando. Conseguimos pará-los. Foi mui simbólico e empoderante porque centos de mulheres e umhas bragas gigantes conseguírom parar a policia militar armada. Foi um momento histórico. As mulheres que estávamos ali decatámo-nos da força que temos quando nos juntamos.