Periódico galego de informaçom crítica

Em Vite foi a gente do próprio bairro quem construiu identidade e comunidade”

por
Joel R. Gômez, jor­na­lista e dou­tor em fi­lo­lo­gia. | borxa toxa

Joel R. Gômez foi jornalista em La Voz de Galicia por mais de 40 anos, é doutor em Filologia pola Universidade de Santiago de Compostela, integra a Rede Galabra e acaba de publicar, em 2023, Vite de Compostela. A comunidade (auto-)construída. Este estudo, escrito há vinte anos a proposta da Coordenadora de Vite por ocasiom do 25 aniversário da ocupaçom, desde 1978, das vivendas deste bairro compostelano, é agora recuperado e publicado na coleçom Anaina, umha série de monografias didáticas e divulgativas do Instituto de Ciencias do Patrimonio (INCIPIT), do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), com coediçom da Companha Editora (edição digital acessivel em https://digital.csic.es/handle/10261/306410). 

Por que este li­vro agora, vinte anos des­pois de ser es­crito? 
Estava pronto em fi­nais de 2002, mas a pu­bli­ca­çom nom pros­pe­rou nessa al­tura. E em 2017, duas pes­qui­sa­do­ras do CSIC, Paula Ballesteros-Arias e Maria Masaguer, con­ta­tá­rom-me por­que es­ta­vam a im­ple­men­tar em Vite um pro­jeto es­ta­tal de in­ves­ti­ga­çom des­ti­nado a de­sen­vol­ver me­to­do­lo­gias para o es­tudo do pa­tri­mó­nio ima­te­rial. Aquilo de­ri­vou em 2022 em Vite Arquiva, um ar­quivo da me­mó­ria do bairro, em an­da­mento agora no Centro Sociocultural José Saramago de Vite, e in­te­res­sou-lhes pu­bli­car aquele es­tudo tal como ti­nha sido es­crito vinte anos atrás, por como re­lata o pro­cesso de au­to­cons­tru­çom dessa co­mu­ni­dade. As in­ves­ti­ga­do­ras Paula Ballesteros-Arias e Cristina Sánchez-Carretero som edi­to­ras ci­en­tí­fi­cas do volume. 

No li­vro con­tas umha his­tó­ria de su­cesso em Compostela, que parte de um es­paço so­cial de­gra­dado e acaba por se con­ver­ter num bairro re­si­den­cial em mui­tos as­pe­tos mo­de­lar. Quais som os mo­ti­vos desse su­cesso?
O po­lí­gono de Vite foi cons­truído so­bre as Hortas de Guadalupe e co­me­çou a ser ocu­pado em 1978 para pa­liar a ne­ces­si­dade de ha­bi­ta­çom de gente des­fa­vo­re­cida, en­quanto o Ensanche da ci­dade, por exem­plo, fora pen­sado uns anos an­tes para umha po­pu­la­çom com ren­das mais al­tas. Quiçá, pa­ra­do­xal­mente, Vite tivo me­lhor pla­ni­fi­ca­çom que o Ensanche, como afirma Justo Beramendi no li­vro so­bre a his­tó­ria da ci­dade pu­bli­cado polo Consórcio em 2003; e em Vite foi a gente do pró­prio bairro quem se em­pe­nhou em cons­truir iden­ti­dade e comunidade. 

O Plano Sociocomunitário de Vite foi apro­vado pola Xunta em 1990 e con­tou com o en­vol­vi­mento de pro­fis­si­o­nais emer­gen­tes, pro­ce­den­tes dos cam­pos da so­ci­o­lo­gia ou da edu­ca­çom so­cial, que apli­cá­rom umha me­to­do­lo­gia au­tóc­tone, au­to­cen­trada, pen­sada desde e para Galiza

As vi­ven­das de Vite co­me­çá­rom a ser ocu­pa­das sem es­tar aca­bada a ur­ba­ni­za­çom, ti­nham mui­tas de­fi­ci­ên­cias e nom con­ta­vam na­quela al­tura com do­ta­çons de um co­lé­gio, um Centro de Saúde, nem ou­tros ser­vi­ços. Com esse ponto de par­tida, só a or­ga­ni­za­çom e a mo­bi­li­za­çom vi­zi­nhal ex­pli­cam o su­cesso. A par­tir da cons­ti­tui­çom da Associaçom Vizinhal Polígono de Vite, já na dé­cada de oi­tenta, é quando a co­mu­ni­dade co­meça a se or­ga­ni­zar para ga­nhar bem-es­tar e me­lho­rar a sua qua­li­dade de vida. Dentro dessa or­ga­ni­za­çom, des­taca a par­ti­ci­pa­çom no pro­jeto dos Planos Sociocomunitários au­to­nó­mi­cos. O Plano Sociocomunitário de Vite foi apro­vado pola Xunta em 1990 e con­tou com o en­vol­vi­mento de pro­fis­si­o­nais emer­gen­tes, pro­ce­den­tes dos cam­pos da so­ci­o­lo­gia ou da edu­ca­çom so­cial, que apli­cá­rom umha me­to­do­lo­gia au­tóc­tone, au­to­cen­trada, pen­sada desde e para a Galiza, alheia à tec­no­cra­cia e re­la­ci­o­nada com ex­pe­ri­ên­cias pré­vias do Sindicato Labrego Galego so­bre a base da or­ga­ni­za­çom da al­deia galega. 

borxa toxa

Ao am­paro deste Plano Sociocomunitário cons­trói-se umha rede as­so­ci­a­tiva e cul­tu­ral des­ti­nada a pre­en­cher os dé­fi­ces e a aten­der as mui­tas ne­ces­si­da­des do bairro e cons­ti­tui-se a Coordenadora de Vite. Essa es­tru­tura ins­ti­tu­ci­o­nal cen­tral do Plano fa­vo­re­ceu que, com mo­bi­li­za­çom e tra­ba­lho vi­zi­nhal bem or­ga­ni­zado, con­se­guis­sem o apoio das ad­mi­nis­tra­ções pú­bli­cas para al­can­çar as me­lho­ras que pre­ci­sa­vam; isso é in­con­tor­ná­vel para en­ten­der como essa zona da ci­dade que nom ti­nha ser­vi­ços mas sim po­breza, con­si­de­rada um foco de de­linquên­cia e dro­ga­di­çom, se foi trans­for­mando numha zona de bem-es­tar, num es­paço ur­bano con­for­tá­vel e de enorme di­na­mismo sociocomunitário. 

A ex­pe­ri­ên­cia de Vite é até tal ponto bem su­ce­dida que foi ob­jeto de aten­çom para ou­tros bair­ros da ci­dade, como Sam Pedro ou o Castinheirinho. Também foi apre­sen­tada no ní­vel ga­lego, es­ta­tal e in­ter­na­ci­o­nal como um mo­delo exi­toso de luita con­tra a po­breza. O pró­prio Marco Marchioni, as­ses­sor dos oito pla­nos co­mu­ni­tá­rios ga­le­gos, des­ta­cava o in­te­resse de Vite por ter sur­gido desde a vi­zi­nhança e por in­cor­po­rar à ges­tom as­sem­blear e par­ti­ci­pada do Plano to­das as for­ças so­ci­ais ati­vas no território. 

Aquela au­sên­cia de quase todo o que es­tru­tura a vida deu passo a umha rede que sus­tenta a vida e os cui­da­dos no bairro ainda hoje

É só essa mo­bi­li­za­çom vi­zi­nhal a que con­se­gue o en­vol­vi­mento das ins­ti­tui­çons pú­bli­cas e, no con­creto, abrir au­las es­co­la­res, que fun­ci­one um Centro de Saúde desde onde som im­ple­men­ta­dos pro­gra­mas só­cio-sa­ni­tá­rios pi­o­nei­ros em Compostela (de aten­çom pri­má­ria, de tra­ba­lho so­cial, de va­ci­na­çom, de aten­çom à in­fân­cia,…); que se cons­ti­tuam as­so­ci­a­çons edu­ca­ti­vas, cul­tu­rais, des­por­ti­vas, dos tem­pos li­vres; des­pois é cons­truído o Centro Sociocultural, e daí para a frente. E aquela con­fli­ti­vi­dade, aquela au­sên­cia de quase tudo o que es­tru­tura e dá sen­tido à vida em so­ci­e­dade, deu passo a umha rede que sus­tenta a vida e os cui­da­dos no bairro ainda hoje. 

Nesse sen­tido, que em­pre­en­di­men­tos des­ta­ca­rias como mais es­tru­tu­rais e, ainda, que de­sa­fios iden­ti­fi­cas para o fu­turo do bairro?
Foi im­por­tante a con­ti­nui­dade. Vou exem­pli­fi­car com umha ini­ci­a­tiva re­a­li­zada desde o ano 2008, pos­te­rior à etapa re­la­tada no li­vro: o pro­grama de pre­ven­çom da de­pen­dên­cia do Centro de Saúde, por­que ele foi pi­o­neiro em Vite e con­ti­nua muito ativo, fa­vo­re­cendo a au­to­no­mia pes­soal e com­ba­tendo a soi­dade das pes­soas ido­sas com a com­pa­nhia e os cui­da­dos de pa­dri­nhos e ma­dri­nhas do pró­prio bairro. Se le­var­mos em conta que es­ta­mos a fa­lar dum es­paço fun­dado por umha po­pu­la­çom de alu­viom mui nova e que hoje é um bairro en­ve­lhe­cido, este pro­grama evi­den­cia, pa­rece-me, tanto a cul­tura e os va­lo­res como som en­fron­ta­dos os rep­tos em Vite, como a ca­pa­ci­dade de pre­vi­som e de adap­ta­çom das es­tru­tu­ras ins­ti­tu­ci­o­nais quando in­te­gra­das na comunidade. 

O último de O bom viver

Ir Acima