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Como é viver ao pé de Alcoa?

por
wa­ter shape earth

Som as oito da tarde e já é noite. Um grupo de cri­an­ças sai do seu curso de na­ta­çom na pis­cina de Lieiro. Inaugurada em 1997 numha pa­ró­quia que nom chega às 3.000 pes­soas, trata-se dumha das pri­mei­ras pis­ci­nas olím­pi­cas de toda a Galiza. Contra o céu no­turno, dú­zias de lu­ze­zi­nhas ver­des emer­gem en­tre o va­por que emite a Alcoa, cujo ca­lor aquece a água da pis­cina, se­pa­rada da fá­brica ape­nas polo ca­mi­nho de ferro. Cada umha des­tas lu­zes ver­des in­dica aos tra­ba­lha­do­res a pre­sença dum chu­veiro de emer­gên­cia, um pro­to­colo ne­ces­sá­rio pe­rante o risco de le­sons por con­tato com a soda cáus­tica, um dos prin­ci­pais ma­te­ri­ais no pro­cesso industrial.

Na Marinha, a Alcoa cos­tuma ser as­so­ci­ada aos seus pos­tos de tra­ba­lho, à ri­queza que traz à co­marca, ao pro­gresso e às me­lho­res in­fra­es­tru­tu­ras que che­gá­rom gra­ças ao seu peso eco­nó­mico. O hos­pi­tal da Costa, os cen­tros edu­ca­ti­vos, as pis­ci­nas, os me­lho­res ser­vi­ços pú­bli­cos… Em ge­ral, a po­pu­la­çom fica com a cara da mo­eda que mais bri­lha, em­bora to­das as pes­soas se­jam ci­en­tes do in­vés.

Como é vi­ver ao pé dumha das mai­o­res in­dús­trias da Galiza? Demetrio Salgueiro, al­calde de Jove com o PP desde 2007, tem a sua casa pa­tri­cial em pri­meira li­nha de fá­brica, a só uns pou­cos me­tros da ba­cia de lama ver­me­lha que ocupa 1.094.771 me­tros qua­dra­dos. “Viver ao lado da Alcoa… Bom, é ter o ruído cons­tante das má­qui­nas de pro­du­çom, que quando te acos­tu­mas já pa­rece com que o te­nhas den­tro da ca­beça», ex­plica.

Do porto de Morás é pos­sí­vel ver como che­gam to­dos os bar­cos gi­gan­tes car­re­ga­dos de bau­xite. Os dias de vento, o ma­te­rial em sus­pen­som vai caindo so­bre as vi­ven­das e as lei­ras, se­di­men­tando so­bre cul­tu­ras e po­ços. De facto, o chao si­tu­ado a me­nos de 5 qui­ló­me­tros da fá­brica apre­senta al­tas con­cen­tra­çons de flúor, um gás emi­tido no pro­cesso de trans­for­mar a alu­mina em alu­mí­nio. Este gás subs­ti­tui o cál­cio e o fós­foro nos os­sos, pro­vo­cando umha sé­rie de pro­ble­mas ós­seos e ar­ti­cu­la­res que afe­tam prin­ci­pal­mente os ani­mais e as plan­tas.

Ao longo dos anos, Alcoa tivo de fa­zer face a vá­rias de­nún­cias por po­lui­çom por flúor. Umha de­las, ra­ti­fi­cada em 2016 polo Tribunal Supremo, obriga o gi­gante ame­ri­cano a in­dem­ni­zar com 2,8 mi­lhons de eu­ros vá­rios vi­zi­nhos da pa­ró­quia de Lago. Esta de­nún­cia foi acom­pa­nhada por um es­tudo pe­ri­cial –dos pou­cos na ma­té­ria pola di­fi­cul­dade para a sua ela­bo­ra­çom– que cer­ti­fica a pre­sença do ma­te­rial e a afe­ta­çom por flu­o­rose de­vido a essa ex­po­si­çom.

“O flúor se­di­menta nas plan­tas, nos po­ços, nos pra­dos… e isso fica na erva e nos ani­mais her­bí­vo­ros, que mos­tram ní­veis de flúor de mil para cima. A sua in­ges­tom cró­nica vai de­for­mando-lhes os os­sos”, ex­plica Luís Díaz Cabanela, mé­dico es­pe­ci­a­lista em to­xi­co­lo­gia e vo­gal em saúde am­bi­en­tal da Adega. Cabanela conta que o prin­ci­pal pro­blema para a saúde hu­mana afeta as cri­an­ças pola flu­o­rose den­tal. “Provoca le­sons nos den­tes, que nas­cem en­fer­mos após os den­tes de leite. Isto é mui co­mum na­que­les lu­ga­res onde há muito flúor na água po­tá­vel, como na China ou nas ilhas Canárias, que vês pes­soas com den­tes pre­tos”, exemplifica. 

Um aci­dente na ba­cia de lama ver­me­lha im­pli­ca­ria a eva­cu­a­çom de toda a po­bo­a­çom e até perda de vidas

Além disto, desde a Adega aler­tam para o im­pato da Alcoa a ní­vel ener­gé­tico e como esta re­per­cute na emis­som de ga­ses po­lu­en­tes. “a Alcoa en­con­tra-se en­tre as fá­bri­cas que mais ga­ses com efeito de es­tufa emite pola sua ele­vada pro­cura de ele­tri­ci­dade, 94% de toda a pro­vín­cia de Lugo», acusa Fins Eirexas, se­cre­tá­rio exe­cu­tivo da Adega. Deste jeito, a cen­tral tér­mica das Pontes deve 50% da sua pro­du­çom –e, por ex­ten­som, das suas emis­sons– à pre­sença da fá­brica de Sam Cibrao.
“Há ou­tras cou­sas mesmo mais im­por­tan­tes que o flúor, como por exem­plo a soda cáus­tica, é pior que a li­xí­via”, ad­verte Cabanela. Com um pH que ronda ní­veis de 13 ou 14 na es­cala, a soda cáus­tica ou hi­dró­xido de só­dio é um dos pro­du­tos mais al­ca­li­nos que exis­tem. Além do seu uso na pro­du­çom in­dus­trial, a soda acaba por ser um ma­te­rial re­si­dual que é trans­fe­rido para a ba­cia de lama ver­me­lha, onde se junta com mais res­tos de cloro, cal, ácido sul­fú­rico e, como in­gre­di­ente prin­ci­pal, a bauxite.

Em 2010 ti­nha acon­te­cido um aci­dente numha ba­cia idên­tica na Hungria e a fá­brica re­a­giu a di­zer que isso aqui nom ia pas­sar por­que o ma­te­rial era mais denso e a lâ­mina de água era mais pe­quena…”, ex­plica Eirexas. Cabanela con­tra­diz o seu co­lega e acres­centa que a em­presa leva anos a ten­tar pas­sar umha men­sa­gem de com­pro­misso eco­ló­gico, mas que nom existe qual­quer se­gu­rança am­bi­en­tal nessa ba­cia. “Que vam fa­zer com ela? Nom po­dem es­va­ziá-la, só po­dem ti­rar a água, re­for­çar a presa e ta­par por cima, e quando se fo­rem em­bora plan­ta­rem uns eu­ca­lip­tos por cima e isso fi­cará lá ar­ma­ze­nado para sem­pre”, re­flete.

A res­peito disto, a em­presa lan­çou o seu pro­to­colo de emer­gên­cia ex­te­rior no ano 2012. Quer di­zer, a fá­brica ope­rou du­rante 30 anos sem um plano para aci­den­tes no seu de­pó­sito de re­sí­duos, lo­ca­li­zado a só uns pou­cos me­tros da es­trada e de gran­des con­cen­tra­çons de gente –a pró­pria fá­brica, a ex­plo­ra­çom pis­cí­cola de ro­da­va­lho da Pescanova onde tra­ba­lham 100 pes­soas, a al­deia de Lago…–. De facto, o pró­prio pro­to­colo de emer­gên­cia con­tem­pla três ce­ná­rios en­vol­vendo aci­den­tes gra­ves na ba­cia de lama ver­me­lha –de até 80 me­tros de pro­fun­di­dade– in­cluindo chu­vas tor­ren­ci­ais ou sis­mos como pos­sí­veis cau­sas do aci­dente, e es­ta­be­lece um plano de eva­cu­a­çom de toda a po­pu­la­çom e as­sume o risco de perda de vi­das hu­ma­nas –prin­ci­pal­mente na ex­plo­ra­çom pis­cí­cola–. A vi­zi­nhança da zona mos­tra-se pre­o­cu­pada polo fu­turo da ba­cia, que nom se­me­lha ter ne­nhuma so­lu­çom para além da es­té­tica umha vez deixe de fun­ci­o­nar.

De facto, o fe­che da ba­cia de lama ver­me­lha se­me­lha que vai acon­te­cer mais cedo que tarde. Se bem o plano de emer­gên­cia ex­te­rior es­ti­pu­lava que a clau­sura se­ria por volta do ano 2034, re­cen­tes con­fir­ma­çons e ne­ces­si­da­des de pro­du­çom ache­gam a data até 2028 ou 2025. Segundo fon­tes do Concelho de Jove, a em­presa já te­ria co­me­çado a pre­pa­rar a se­ca­gem –vam ser re­ti­ra­dos cerca de mi­lhom e meio de me­tros cú­bi­cos de água– e re­forço dos di­ques de con­ten­çom com vista ao en­cer­ra­mento, dei­xando umha massa de lama ver­me­lha sub­ter­râ­nea atrás. Umha vez fi­na­li­zada, a em­presa já con­fir­mou que isto nom de­terá a pro­du­çom, mas fica a dú­vida de onde si­tu­a­rám o novo de­pó­sito… para vol­ver começar.

Um ca­pí­tulo da his­tó­ria sin­di­cal da fá­brica: a che­gada de bi­dons do Casón
Em 1987, o Casom ba­tia con­tra a costa de Fisterra. No meio dumha si­tu­a­çom de al­tís­simo alarme so­cial –a po­pu­la­çom pró­xima ti­nha eva­cu­ado a área por ini­ci­a­tiva pró­pria–, o go­verno sub­traíra o con­teúdo, 5.000 bi­dons. com 1.100 to­ne­la­das de pro­du­tos quí­mi­cos. Entre eles, se­gundo o ma­ni­festo de carga, ha­via lí­qui­dos in­fla­má­veis, óleo de ani­lina, ci­mento lí­quido, xi­le­nos, al­coóis e áci­dos sul­fú­ri­cos e de­ri­va­dos. Após umha breve pa­ra­gem no cam­pa­mento mi­li­tar de Parga (Guitiriz), onde toda a vi­zi­nhança se mo­bi­li­zou con­tra a pas­sa­gem dos veí­cu­los, os bi­dons do Casón che­gá­rom à Marinha.

O plano era que o con­teúdo do Casón aguar­dasse no porto da Alumina até se­guir des­tino (de acordo com a ver­som ofi­cial, o porto de Amberes). Perante a pre­o­cu­pa­çom ge­ral, o co­mité de em­presa con­vo­cou greve para de­ter esse de­pó­sito de pro­du­tos pe­ri­go­sos no meio dumha fá­brica química. 

O co­mité de em­presa foi des­pe­dido ao com­pleto pola greve que pre­ten­dia de­ter a en­trada dos bi­dons em Alcoa

Barricadas em Burela, mar­chas ci­da­dãs até às por­tas da fá­brica, forte pre­sença po­li­cial, car­gas… As ver­sons di­fe­rem se­gundo as fon­tes a con­sul­tar. As au­to­ri­da­des lo­cais cul­pam da de­ci­som ao go­verno e à au­to­ri­dade dos sin­di­ca­tos na al­tura. Os sin­di­ca­tos, por sua parte, cul­pam à di­re­çom da em­presa por uti­li­zar a si­tu­a­çom no seu be­ne­fí­cio, im­pe­dindo os ope­rá­rios de pas­sa­rem. Os fac­tos re­su­mem-se em que, em re­sul­tado da greve, os tan­ques de elé­tro­lise pa­rá­rom e, no pas­sar de qua­tro ho­ras, o ma­te­rial fi­cou so­li­di­fi­cado e os tan­ques, inu­ti­li­za­dos. Como con­sequên­cia, o co­mité de em­presa foi des­pe­dido ao com­pleto –anos de­pois re­co­nhe­ce­ram-se-lhes que ti­nham sido des­pe­di­dos sem justa causa , tendo des­ta­cado ainda o seu la­bor sin­di­cal, e ho­me­na­ge­a­dos– e o se­guro as­su­miu o fi­nan­ci­a­mento dos no­vos tan­ques. Afinal, os bi­dons dor­mí­rom no porto de Morás, sem che­gar a en­trar nunca na Alcoa.

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