No passado mês de fevereiro, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, confirmava que o seu governo tem previsto apresentar um projeto no congresso do país para acabar com a penalizaçom da interrupçom voluntária da gravidez. Para muitas, esta é umha medida necessária num continente que reúne alguns dos países com as legislaçons mais restritivas do mundo em relaçom ao aborto. O documental “En deuda con todas”, realizado por María Lobo e Roi Guitián da Asociación Galega de Comunicación polo Cambio Social (Agareso), mostra o caso concreto de El Salvador, onde umha mulher pode ser condenada a décadas no cárcere incluso no caso dumha complicaçom obstétrica.
‘Las 17 y más’ é assim como som conhecidas estas mulheres presas por terem abortado. Recentemente, e em virtude de umha campanha pola sua liberdade, ganhárom relevância internacional, na sequência da qual, Evelyn Hernández, acusada de homicídio agravado por um parto extrahospitalar com complicaçons, saía em liberdade no dia dez de agosto de 2019 depois de ter passado três anos, quatro meses e treze dias num cárcere salvadorenho. Tornava-se assim na primeira mulher em conseguir umha anulaçom da sua sentença, depois de ter sido condenada a 30 anos de prisom por um aborto espontáneo em 2017, num dos países mais restritivos do mundo com a interrupçom da gravidez. Este precedente parece dar motivos para a esperança de muitas mulheres que, como Evelyn, som vítimas de umha legislaçom que penaliza todos os casos de aborto sem exceçom.
Mas, como é que chegou um país como El Salvador, onde antes as mulheres tinham acesso ao aborto nalguns casos, a puni-lo completamente. Isto é o que nos conta “En deuda com todas”, um documental duro, mas necessário.
Umha das legislaçons mais restritivas do mundo
No início da década de 90, depois de 150 anos sem mudanças, o estado de El Salvador resolveu alterar a legislaçom e a Constituiçom em relaçom ao aborto. O que tinha começado em 1994 como um anteprojeto que visava a eliminaçom de figuras obsoletas como o aborto honoris causa (ou aborto para salvar a ‘honra’ da mulher) acabou por dar num debate no país sobre esta prática, avivado polas posiçons mais conservadoras, tendo resultado na penalizaçom total da interrupçom da gravidez em 1998.
“Em 1997, na Constituiçom estava despenalizado o aborto terapêutico, o eugenésico e o ético, que é aquele onde a gravidez tem origem numha violaçom, explica Sofía Villalta, ginecóloga e coordenadora da Unidad de Salud Sexual y Reproductiva do Ministério da Saúde salvadorenho até 2012. «Contudo, a partir daí o aborto acabou por ser completamente penalizado, sendo ainda incorporado ao texto constitucional o dever de proteçom do embriom desde o próprio momento da conceçom», acrescenta.
“Foi umha modificaçom intempestiva, em cinco meses. (…)”, refere Oswaldo Feusier, professor de Direito Penal da UCA. “E foi a Igreja católica a passar umha mensagem que acabou por aliciar o apoio da direita conservadora do nosso país», aponta o professor.
Vivendo sob esta legislaçom
Depois da aprovaçom da nova legislaçom e a modificaçom da Constituiçom, a situaçom para muitas meninas, adolescentes e mulheres salvadorenhas virou um pesadelo. No plano legal, mal se descobre a prática do aborto, tratam-nas como sendo umhas homicidas acabando, muitas vezes, por permanecerem em prisom preventiva até um ano. «Quando se persegue, se criminaliza, se processa e se pune às mulheres está a se exercer umha violência de Estado» É umha contradiçom, porque quem defende a penalizaçom, em realidade defende o maltrato às mulheres, a humilhaçom, o tratamento indigno, a violaçom de direitos…”, denuncia Morena Herrera, ativista feminista e defensora dos DDHH.
«Quando se persegue, se criminaliza, se processa e se pune às mulheres está a se exercer umha violência de Estado», denuncia Morena Herrera
Porém, nom é apenas no plano legal que sofrem essas humilhaçons. Som também vítimas dum estigma social que fai que, muitas vezes, acabem por serem abandonadas pola família e os seus seres chegados. No plano da saúde, muitas morrem porque os médicos aguardam a que o coraçom do feto deixe de bater antes de fazer nada mesmo em situaçons de risco extremo. «Eu tivem sorte porque som do grupo das profissionais. As mulheres pobres é que sempre sofrem.» Admite Xiomara Argueta, gineco-obstetra que sofreu uma gravidez ectópica. Ela acrescenta ainda que acabares ou nom no cárcere por um aborto depende de se tés ou nom dinheiro. «Devíamos investigar isso até porque no meu país nom há mulher com dinheiro que esteja no cárcere», denuncia a profissional. «As mulheres com melhores condiçons sociais tenhem os meios para saírem do país e praticarem um aborto com sistemas de saúde que lhe garantem também que seja feito de forma adequada», sublinha Roxana Delgado, da Mesa sobre Saúde e reproduçom da mulher.
Sobre isto também Morena Herrero pontualiza que importa ter em conta que as mulheres que acabárom em prisom nom planificárom o aborto, mas tiverom um problema obstétrico, o que evidencia que som esses mesmos fatores ‑mulheres jovens, pobres e com situaçons de fragilidade familiar- que condicionam que a mulher acabe ou nom no cárcere. Por outro lado, refere também que a legislaçom contra o aborto advém da adoçom de umha linha política ultraconservadora que passa a ideia de a vida do embriom ser mais importante do que a vida da mulher grávida, e que pune mais duramente um aborto que umha violaçom, mesmo no caso de se tratar de umha menina ou de umha adolescente.
20% das mulheres grávidas tinham menos de 20 anos e os casos de suicídios com venenos para ratazanas ou outros produtos químicos representa 57% das causas de morte das mulheres grávidas, sendo, muitas delas, menores.
E isto, sobretudo quando comprovamos as percentagens de meninas e adolescentes grávidas bem como as percentagens de violaçon em El Salvador, nom é banal. Só no ano 2016, El Salvador registou 1.844 violaçons a meninas e adolescentes. Também, 20% das mulheres grávidas tinham menos de 20 anos e os casos de suicídios com venenos para ratazanas ou outros produtos químicos representa 57% das causas de morte das mulheres grávidas, sendo, muitas delas, menores. Mesmo assim, a legislaçom pune-as especialmente, ignorando o facto de muitas vezes serem homens conhecidos delas, mesmo familiares ou pessoas em que a menina ou adolescente confia, que as violam e as deixam grávidas. E das 4.621 denúncias por agressom sexual feitas em 2019, apenas 488 acabaram em condenas.
«Só apontam para as mulheres, mas, os homens? Sempre nos culpam a nós. Eu fum violada, despois fum ao cárcere, e ele, fora, fazendo a sua vida”, comenta Alba, umha das ex-privadas de liberdade por um aborto. “A eles nunca se lhes pune”, denuncia com outras das suas companheiras.
A loita pola despenalizaçom
Da Agrupación Ciudadana por la Despenalización lutam pola liberdade das mulheres presas, dando-lhes esperança ainda numha situaçom tam dura como a que estám a viver, muitas delas sendo mui novas. Também, desde coletivos como ‘La Radio de Todas’ ou ‘Hip Hop en Femenino’ lutam para que, nom só a situaçom de ‘Las 17 y más’, mas a de todas as mulheres de El Salvador, mude.
A Asociación Galega de Comunicación polo Cambio Social (Agareso) mostra no documental “En deuda com todas”, de onde se recolhérom todas estas declaraçons, esta situaçom para denunciá-la e pôr-lhe rosto e voz a essas mulheres que estám a sofrer sob esta legislaçom que pom em causa os direitos humanos das mulheres daquele país. Como di Teodora Vásquez, ex-privada de liberdade: “O estado está endividado com a mulher salvadorenha, e por elas vamos lutar”.