“As areas de ouro aureana do Sil
son as bagoas acedas que me fas chorar ti (…)“
Ramón Cabanillas, ‘Aureanas do Sil’.
Durante mais de cinco séculos, a “enzinha das Cortinhas”, situada ao pé da igreja de Covas, no concelho de Ruviã, tem sido ponto de referência para os viajantes que seguiam o curso do rio Sil na sua entrada no Reino da Galiza. Uma árvore que, nos estios, via passar as aureanas, as últimas garimpeiras galegas, armadas com os seus “cuncos”, e, no inverno, presenciava a peregrinagem dos devotos de São Tiago, que fugiam dos rigores climáticos das montanhas do Zebreiro. Esta azinheira dum tamanho colossal, com mais de 8 metros de circunferência (e uns 17 metros de altura, dizem que deu nome a um dos nossos parques naturais mais peculiares.
Na região de Vale d’Eorras, encaixado entre o Courel oriental (Concelho de Oência) e o rio Sil, encontramos o P. N. da Serra da Enzinha da Lastra. A singularidade deste parque de 3.151,67 ha de superfície deve-se ao clima mediterrânico (com menos de 600 L/m2 de precipitação anual!) e ao carácter calcário dos seus solos, o que condicionou uma geologia, uma fauna e uma flora pouco habituais neste recanto da Península.
Geologicamente, a Serra da Enzinha da Lastra tem sido considerada a terminação oriental do Anticlinal do Courel, uma grande dobra deitada. A litología desta serra está dominada por rochas calcárias que estiveram submetidas a processos irregulares de dolomitização. Estas rochas teriam a sua origem em recifes de coral, datados entre os períodos Pré-Cambriano e Cambriano, quando estas terras estavam submersas no mar. Porém no Ordoviciano, há por volta duns 480 milhões de anos, o mar foi-se retirando e os corais foram morrendo. Lenta e progressivamente, o carbonato de cálcio dos seus exoesqueletos metamorfoseou-se nas duras calcites atuais. Lembranças destes mares de tempos idos são os abundantes fósseis (graptólitos, trilobites, bivalves diversos…).
Na Enzinha da Lastra, devido ao seu relevo cárstico, abundam as grutas, aqui chamadas de “palas”, como Pala Cubelas, Pala Cumbeira, Pala de Gilberte, Pala Pereda, Pala do Pombo, Pala de Trás-Monte, Pala de Trás-a-Pala, Pala da Zorra… Na Pala da Velha acharam-se restos humanos de há 5.000 anos (só superados em antiguidade na Galiza polos da Cova do Utro no Courel) e na Pala do Rebolal identificaram-se os restos europeus mais recentes do extinto urso-das-cavernas (Ursus spelaeus), restos que, segundo a paleontóloga Aurora Grandal, teriam uns 13.700 anos de idade. Nestas palas encontram refúgio numerosas colónias de morcegos, talvez, as mais importantes da Nossa Terra com espécies cada vez menos frequentes como o morcego-de-ferradura-mediterrânico (Rhinolophus euryale), o morcego-de-água (Myotis daubentonii) ou o conspícuo morcego-rabudo (Tadarida teniotis).
O urso-das-cavernas (Ursus spelaeus) extinguiu-se há milhares de anos, ora em tempos históricos nunca deixou de haver presença de ursos nesta serra, como o prova a existência das alvariças, que protegiam as colmeias dos seus ataques. Desaparecido durante a maior parte do século passado, com o novo milénio o urso-pardo (Ursus arctos) regressa de tempo em tempo à Enzinha.
Montanhas com picos de pendentes íngremes, com miradoiros como o do Alto da Escrita, em Biobra, o da Caprada, em Oulego, o da Portela, em Vilar da Silva, ou o do Tanque, em Covas, que oferecem panorâmicas espectaculares. As suas cristas e escarpas rochosas (barranco do Vale do Inferno, Pena Falcoeira, Penedos de Oulego…) são paraísos para as aves rupícolas, onde nidificam espécies pouco comuns entre nós, como a águia-real (Aquila chrysaetos), o abutre-do-Egipto (Neophron pernocterus), o bufo-real (Bubo bubo) ou o andorinhão-real (Tachymarptis melba)… Também nessas penedias encontramos plantas endémicas deste Parque e zonas próximas, como as ameaçadas Petrocoptis grandiflora e a Rhamnus legionensis.
A riqueza botânica desta serra é elevada, com mais de 450 espécies de flora vascular e um elevado número de endemismos entre elas. Assim, a Enzinha da Lastra e o Courel são os espaços naturais galegos com uma maior variedade de orquídeas. Os biólogos Elvira Sahuquillo e Carlos Cortizo catalogaram mais de vinte e cinco espécies de orquídeas, algumas tão raras como Anacamptis pyramidalis, Cephalanthera rubra, Limodorum abortivum ou Orchis purpurea. Mais da terceira parte da superfície do parque está ocupada por bosques mediterrânicos, onde predominam as azinheiras (Quercus rotundifolia), que se encontram acompanhadas por êrvedos (Arbutus unedo), sobreiros (Quercus suber) e mostajeiros-brancos (Sorbus aria), entre outras árvores e arbustos.
A singularidade geológica deste território levou a que tenha sido objeto de mineração desde tempos imemoriais. Dos antigos caleiros, os fornos onde se queimava a pedra calcária para produzir cal viva, às explorações auríferas… Por aqui passava a Geira que comunicava Bracara Augusta com Asturica Augusta, capitais conventuais da Galécia, via por onde se transportava o ouro procedente das jazidas da bacia do Sil. Não longe da Enzinha da Lastra encontramos obras de engenharia hidráulica tão impressionantes como as Médulas, paradigma de ruina montium e considerada a maior mina de ouro a céu aberto do Império Romano, ou o conhecido como Monte Furado (ou Boca do Monte), onde o percurso do rio foi desviado com idênticos fins extrativos. Até bem entrada a segunda metade do século XX, as aureanas (ou oureanas) da aldeia de Pumares (Carvalheda de Vale d’Eorras) ainda percorriam as lameiras do Sil à procura das pepitas do cobiçado metal.
Vale d’Eorras, o Courel e a Cabreira vivem, desde a década de sessenta, uma nova “corrida do ouro”, mas do “ouro negro”, da lousa. As louseiras têm um enorme impacto ambiental, paisagístico… e económico, gerando milhares de empregos nestas comarcas do Sil.
No equilíbrio sempre complexo que se dá entre conservação e economia, estes tempos materialistas levam-nos ao pessimismo. Acabará a Serra da Enzinha da Lastra convertida numa ilha preservada num mar de devastação?