Periódico galego de informaçom crítica

Escrever na prisom: Umha visom geral

por
pri­som de El Dueso (Cantábria)

Eu fum hu­mi­lhado nas ca­deias / Como podo agora com­por ver­sos? Como con­sigo es­cre­ver?”. Milhares de ver­sos como este de Sami al-Haj fo­ram es­cri­tos po­los pre­sos de Guantánamo após o 11 de se­tem­bro de 2001. Mas só umha vin­tena de­les con­se­guí­rom su­pe­rar a cen­sura e a des­trui­çom sis­te­má­ti­cas que as au­to­ri­da­des es­tado-uni­den­ses apli­cá­rom a es­tas com­po­si­çons li­te­rá­rias. Ainda que em de­ter­mi­nada al­tura os re­clu­sos pu­dé­rom ace­der a ma­te­ri­ais para es­cre­ve­rem “nor­mal­mente”, no iní­cio só dis­pu­nham de pe­que­nas pe­dras ou de crema den­tí­frica para gra­var os ver­sos nas ta­ças de es­puma que usa­vam para be­ber. Taças com que oca­si­o­nal­mente con­se­guiam fi­car, e que ten­ta­vam pas­sar de cela em cela ou fa­zer sair ao ex­te­rior atra­vés de colaboradores.

Este é um dos exem­plos que usa a pen­sa­dora nor­te­a­me­ri­cana Judith Butler no seu li­vro Quadros de guerra (2009), em que re­flete so­bre a ex­trema pre­ca­ri­e­dade das vi­das ex­cluí­das dos con­sen­sos so­li­dá­rios. No con­texto de atual ex­ce­ci­o­na­li­dade le­gal e vul­ne­ra­bi­li­dade hu­mana em todo o mundo, per­fei­ta­mente re­tra­tado por Borxa Colmenero em Vidas cul­pá­veis (2017), Butler con­si­dera a po­e­sia umha das prá­ti­cas que con­se­guem ati­var a apa­ci­dade de so­bre­vi­vên­cia. Escrever no cár­cere –po­e­sia ou ou­tro gé­nero qual­quer– pode re­pre­sen­tar umha res­posta mo­ral que ques­ti­ona a co­er­çom es­ta­tal e mi­li­tar, umha prova da bar­bá­rie, um apelo à ex­te­ri­o­ri­dade dos mu­ros e umha ma­ni­fes­ta­çom de sen­si­bi­li­dade que se par­ti­lha com umha co­mu­ni­dade po­lí­tica agredida.

Umha li­te­ra­tura gris

Antonio Gramsci, Nazim Hikmet, Jean Genet, Angela Davis, Xosé Luís Méndez Ferrín, Luandino Vieira ou Joseba Sarrionandia som só al­guns dos es­cri­to­res cuja ati­vi­dade cri­a­tiva es­tivo li­gada dumha ou dou­tra ma­neira à pri­som. Frente a es­tes es­cri­to­res, para os quais o en­car­ce­ra­mento su­pujo mui­tas ve­zes maior re­co­nhe­ci­mento e con­sa­gra­çom nos câ­no­nes da es­querda, te­ría­mos ca­sos como os de Bobby Sands ou Mumia Abu-Jamal, ati­vis­tas que ade­rem à es­crita como con­sequên­cia do en­cer­ra­mento e que fam dela mais umha frente de luta po­lí­tica den­tro e fora dos muros.

A li­te­ra­tura que es­capa à la­va­gem de cara da ins­ti­tui­çom pe­ni­ten­ciá­ria ca­ra­te­riza-se pola sua opo­si­çom aos con­sen­sos sociais

O so­bre­di­men­si­o­na­mento des­tas fi­gu­ras ten­deu a es­cu­re­cer o resto da es­crita, cri­a­tiva ou tes­te­mu­nhal, pro­du­zida nas pri­sons. Trataria-se dumha li­te­ra­tura gris que cir­cula de ma­neira muito res­trita e cu­jos cir­cui­tos se li­mi­tam pra­ti­ca­mente à co­mu­ni­ca­çom pri­vada (a carta e o diá­rio se­riam os gé­ne­ros em­ble­má­ti­cos) e ao âm­bito da mi­li­tân­cia po­lí­tica e dos seus meios de di­fu­som. Um tipo de es­crita que só pon­tu­al­mente é re­co­nhe­cida como au­tên­tica li­te­ra­tura, já que nem se ajusta às prá­ti­cas que os cam­pos li­te­rá­rios ad­mi­tem como pró­prias nem in­te­ressa às pes­soas dessa es­fera intelectual.

Portanto, só en­con­tra­re­mos esta li­te­ra­tura gris nos fan­zi­nes, nas re­vis­tas e nos li­vros pu­bli­ca­dos po­los mo­vi­men­tos anti-re­pres­si­vos ou por ou­tros mo­vi­men­tos po­lí­ti­cos, em pá­gi­nas web e blo­gues sus­ten­ta­dos por umha co­mu­ni­dade de apoio (como o Caderno Senlheiro ou Poeta Muerta, de Patricia Heras), em do­cu­men­tos pri­va­dos ou iné­di­tos que num mo­mento dado saem à luz ou, de ma­neira muito ex­ce­ci­o­nal, em bi­bli­o­te­cas ou ar­qui­vos di­gi­tais que fo­cam a ques­tom da es­crita carcerária.

Trataria-se dumha li­te­ra­tura gris que cir­cula de ma­neira muito res­trita e que só pon­tu­al­mente é re­co­nhe­cida como au­tên­tica literatura

Um caso es­pe­ci­al­mente sin­gu­lar foi o pro­jeto Aplicación Legal Desplazada #3: F.I.E.S., de­sen­vol­vido em 2011 e 2012 pola ar­tista ca­talá Núria Güell. Depois de con­vi­dar mais de cem pre­sos sub­me­ti­dos ao re­gime FIES a en­vi­a­rem al­gum con­tri­buto que ser­visse como “fo­lha de re­cla­ma­çom” so­bre a tor­tura ins­ti­tu­ci­o­nal, Güell re­ce­beu mais de 150 po­e­mas, car­tas, de­nún­cias de tor­tura e par­tes mé­di­cos. Posteriormente re­en­viou-nos ano­ni­ma­mente ao mi­nis­tro de Justiça da al­tura, o ga­lego Francisco Caamaño, além de usá-los para de­sen­vol­ver di­fe­ren­tes pro­je­tos expositivos.

A di­men­som de­sor­bi­tada do sis­tema pri­si­o­nal es­tado-uni­dense tem feito agro­mar nesse ter­ri­tó­rio múl­ti­plas ini­ci­a­ti­vas ba­se­a­das na es­crita atrás das gra­des. Um exem­plo se­ria o American Prison Writing Archive (APWA) co­or­de­nado polo pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio Doran Larson, que desde 2015 leva com­pi­la­dos mais de 2.000 tex­tos de nom-fic­çom (en­saios, cró­ni­cas, de­nún­cias) es­cri­tos por quase 900 pes­soas en­car­ce­ra­das por toda a ge­o­gra­fia ian­qui. Mas a am­bi­gui­dade que este e ou­tros pro­je­tos mos­tram em re­la­çom à pri­som fai-nos re­fle­xi­o­nar so­bre as suas fun­çons re­ais, de­ma­si­a­das ve­zes ori­en­ta­das para hu­ma­ni­zar, edu­car ou até re­for­mar as pes­soas pre­sas atra­vés de obra­doi­ros de es­crita e dou­tras ini­ci­a­ti­vas li­ga­das à cri­a­ti­vi­dade artística.

Fora dos consensos

Se por algo se ca­ra­te­riza o cor­pus da li­te­ra­tura que es­capa à tu­tela e à la­va­gem de cara da ins­ti­tui­çom pe­ni­ten­ciá­ria é pola sua opo­si­çom aos con­sen­sos so­ci­ais. Géneros li­ga­dos ao tes­te­mu­nhal como a carta, o diá­rio, a me­mó­ria, a auto-bi­o­gra­fia ou a cró­nica con­vi­vem neste cor­pus dis­perso e pre­cá­rio com a po­e­sia e com o en­saio e, em muita me­nor me­dida, com a nar­ra­tiva ou o te­a­tro. De facto, esse gé­nero mi­no­ri­tá­rio que é a po­e­sia fora do cár­cere até tem umha certa pri­ma­zia no seu in­te­rior. Ao fim e ao cabo, é co­mum­mente en­ten­dido como o gé­nero mais ade­quado para ex­pres­sar os sen­ti­men­tos e as emo­çons, mas tam­bém per­ma­nece nele o vín­culo his­tó­rico com a ora­li­dade e a mú­sica, com a con­ser­va­çom da me­mó­ria co­mu­nal e até com a eco­no­mia de meios para po­der escrever.

Quer na es­crita de vo­ca­çom tes­te­mu­nhal quer na de pen­dor cri­a­tivo, en­con­tra­mos de ma­neira re­cor­rente a de­nún­cia so­cial, a pre­ca­ri­e­dade dos cor­pos, o sim­bo­lismo dos mu­ros e a de­fesa da dig­ni­dade hu­mana. Enquanto a de­nún­cia cos­tuma es­tar fo­cada na bar­bá­rie que re­pre­senta a pró­pria pri­som e as for­mas de tor­tura que a sus­ten­tam (vi­o­lên­cia fí­sica e psi­co­ló­gica, iso­la­mento, in­jus­tiça), a apa­ri­çom dos cor­pos é múl­ti­pla nos seus sig­ni­fi­ca­dos: umhas ve­zes como evi­dên­cia da tor­tura e da de­gra­da­çom fí­sica que pro­voca a pri­som; ou­tras, como sím­bolo de re­sis­tên­cia ou como arma con­tra a autoridade.

Mas nesta li­te­ra­tura pro­du­zida no in­te­rior de mu­ros que se ima­gi­nam que­bra­dos, sal­ta­dos ou der­ru­ba­dos, prima a de­fesa ve­e­mente do di­reito à vida, da li­ber­dade e dumha dig­ni­dade que se sente e se apre­senta como in­des­tru­tí­vel. Assim o ex­pres­sava o anti-fas­cista co­ru­nhês Paco Cela no cár­cere de Sevilla II em 1996: “Nom me ve­nham a co­mi­nar / a atrai­çoar o amor / os que le­vam es­crito so­bre as suas fron­tes / o seu des­tino de pó e ca­veira / que nada po­derá o seu alento de morte / con­tra a ale­gria de
ser vivo que me habita”.

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