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Extinção e reintrodução da cabra-brava, um futuro incerto marcado polo passado

por
‘Cabra py­re­naica’. tho­mas holbach

L’animal le plus re­mar­ca­ble qu’on y ren­con­tre 
(dans les mon­tag­nes du Gerez) est la chê­vre sau­vage”  
Link e o Conde de Hoffmansegg 

Em agosto, res­pon­sá­veis ga­le­gos do Parque Transfronteiriço do Gerês anun­ci­a­vam que o censo de ca­bras-bra­vas (Capra py­re­naica) atin­gia já os mil exem­pla­res. Que sucesso! 

Em 1992, ti­nha co­me­çado a sua rein­tro­du­ção, pri­meiro numa área cer­cada do Invernadeiro e de­pois, em 98, no Gerês. Utilizaram-se exem­pla­res da su­bes­pé­cie vic­to­riae, ex­tinta que foi um sé­culo an­tes a su­bes­pé­cie autóctone. 

Em 1911, o na­tu­ra­lista A. Cabrera clas­si­fi­cou as po­pu­la­ções ibé­ri­cas de íbex em qua­tro su­bes­pé­cies: his­pa­nica, vic­to­riae, py­re­naica  e lu­si­ta­nica. Delas, a his­pa­nica, que ha­bi­tava as ser­ras me­di­ter­râ­ni­cas, era a me­nos ame­a­çada; a vic­to­riae, a do Sistema Central, foi salva por uma atu­a­ção in ex­tre­mis da Casa Real em 1885, quando ape­nas res­ta­vam em Gredos um ma­cho ve­lho, sete fê­meas e três ou qua­tro ca­bri­tos; a py­re­naica, a su­bes­pé­cie dos Pirinéus, es­tava tam­bém numa si­tu­a­ção li­mite, que a le­va­ria, fi­nal­mente, à ex­tin­ção em 2000; nessa al­tura a ca­bra lu­si­ta­nica já ti­nha des­sa­pa­re­cido. Esta su­bes­pé­cie foi des­crita polo por­tu­guês Bocage (1856) ba­se­ando-se no exame de exem­pla­res em­pa­lha­dos, con­ser­va­dos em mu­seus de Coimbra e Lisboa, como uma ca­bra grande, de cor­pu­lên­cia si­mi­lar à py­re­naica, de pe­la­gem li­gei­ra­mente ma­lhada de ne­gro e de cor­na­dura, nos ma­chos, muito mais pe­quena e me­nos es­ten­dida para fora. 

Responsáveis ga­le­gos do Parque Transfronteiriço do Gerês anun­ci­a­vam que o censo de ca­bras-bra­vas atin­gia já os mil exem­pla­res em agosto do ano pasado

A di­vi­são ta­xo­nó­mica de Cabrera con­ti­nua vi­gente, em­bora te­nha sido ques­ti­o­nada por es­tu­dos mo­le­cu­la­res pos­te­ri­o­res… Já se sabe que con­cei­tos como es­pé­cie, su­bes­pé­cie, raça ou va­ri­e­dade são e de­vem ser to­ma­dos como discutíveis. 

No sé­culo XIX, a ca­bra-brava, tam­bém ad­je­ti­vada polo nosso povo de mon­tês ou fera, ha­bi­tava, se­gundo Seoane (1861), “Portugal, Sierra del Courel en Galicia, en las Sierras de Santander, Asturias (…)”. Mas era já “Escasa en las al­tas mon­tañas de Galicia, de las cu­a­les no des­ci­ende ja­más. (…) for­mando re­baños muy poco nu­me­ro­sos que no tar­da­rán en de­sa­pa­re­cer de nu­es­tro pais si se les si­gue ha­ci­endo una caza tan in­ce­sante”. A su­bes­pé­cie lu­si­ta­nica ha­bi­tava, por­tanto, a Cordilheira Cantábrica e o Maciço Galaico-Duriense, até ao Gerês, de­vendo exis­tir em tem­pos não re­mo­tos um con­ti­nuum ge­né­tico com a su­bes­pé­cie py­re­naica

‘Cabra py­re­naica’. si­mon littlejohn

Tude de Sousa (1909) res­tringe ape­nas ao Gerês a dis­tri­bui­ção da ca­bra em Portugal, apon­tando que a tar­dia pro­te­ção le­gal des­tas pa­ra­gens não ti­nha con­se­guido im­pe­dir a sua ex­tin­ção “Só no Gerez exis­tia em Portugal a ca­bra brava (…). Todos os ser­ra­nos, apai­xo­na­dos pela caça, a mon­te­a­ram, to­dos sem ex­cep­çaõ, a cap­tu­ra­ram e di­zi­ma­ram”. O Pe. Carvalho da Costa (1706) cita‑a no “Concelho de Bouro” e tam­bém no an­tigo “Concelho de Ribeira de Soás para o Norte ao pe da serra do Geres, aonde se criaõ ca­bras bra­vas, que se naõ àchaõ em ou­tra al­guma terra de Portugal: saõ ani­maes gran­des, e quando os ma­chos àn­daõ no cio, en­ves­tem com fu­ria à gente: pàs­taõ com muita cau­tela, por­que em quanto huns àn­daõ pas­tando, es­taõ ou­tros de vi­gia, e tanto que sen­tem gente, daõ hum bra­mido aos mais, e re­co­lhendo-se to­dos às gru­tas, em que ha­bi­taõ, fi­caõ tam li­vres, que se lhes naõ pode fa­zer dano; e para se che­gar a ma­tar al­gum del­les, he com muita in­dus­tria, e pe­gando em al­gum, de tal modo se amua, que logo morre, por naõ que­rer co­mer”. Os na­tu­ra­lis­tas ale­mães Link e o Conde de Hoffmansegg, numa vi­a­gem re­a­li­zada a esta serra du­rante os anos 1797 a 1799, dão no­tí­cia das pou­cas ca­bras pre­sen­tes. Link re­lata em 1808, a morte dum exem­plar que te­ria fi­cado na posse de Hoffmansegg, acres­cen­tando que “É nas ime­di­a­ções do morrô do Borrageiro que du­rante o Verão se mos­tra­vam as ca­bras mon­te­zes”. Montufar Barreiros es­ti­mava que em 1871 as “ba­ti­das a furto, nos cou­tos em Hespanha, mais fre­quen­tes com o cha­ma­mento dos ca­ra­bi­nei­ros da raia á guerra ci­vil, ti­ves­sem feito re­fu­giar em Portugal o único e di­zi­mado bando de ca­bras, que n’aquellas pa­ra­gens res­ta­vam de maior quan­tia. Eram sete; an­da­vam con­ta­das (…)”. Ora em 1886, o Pe. Sebastião de Freitas afirma ter avis­tado 12 in­di­ví­duos no vale do rio Caldo. 

Ricardo Jorge na Ilustração Portugueza (1908) re­la­tou a cap­tura dum exem­plar o dia 20 de se­tem­bro de 1890 “No dia em que foi apa­nhada a ca­bra, cho­via. Em Albergaria tra­ba­lhava-se na pre­pa­ra­ção do ter­reno para o vi­veiro. A ca­bra veiu de cima, do rio do Forno, ca­mi­nhando so­ce­gada, a atra­ves­sar a terra ca­vada. Os tra­ba­lha­do­res, re­co­lhi­dos da chuva, des­co­brem-na e um grita: ‑Lá vae uma ca­bra! Todos saem, gri­tam, cer­cam-na, che­gando um a dis­pa­rar um tiro, que a não at­tinge. A ca­bra, so­bre a terra amol­le­cida, mais se em­ba­raça, com os es­for­ços para fu­gir, saindo de um si­tio para se ato­lar n’outro, per­mit­tindo as­sim que os ho­mems lhe dei­tas­sem a mão, apa­nhando pela pri­meira vez viva uma ca­bra brava da serra do Gerez, que foi tam­bem a úl­tima vista na mesma serra.”. 

Os úl­ti­mos avis­ta­men­tos de ca­bras-bra­vas no Gerês acon­te­ce­ram nos fi­nais do sé­culo XIX. Hoje te­mos íbex em vá­rias ser­ras do país. É um êxito em risco pola falta de va­ri­a­bi­li­dade genética

Nom obs­tante, Lagrifa Mendes (1974), pri­meiro di­re­tor do P. N. Peneda-Gerês, cita ou­tras três ob­ser­va­ções pos­te­ri­o­res: “Vimos ainda re­fe­rido que em 1890 apa­re­ceu um ou­tro exem­plar morto, no leito do rio Gerês perto da casa do guarda-flo­res­tal de Vidoeiro e que em 1891 apa­re­ceu ainda ou­tro, tam­bém morto, a 2 km. da ponte de S. Miguel, vi­ti­mado por uma co­los­sal ava­lan­che de ro­chas, pre­ci­pi­ta­das de uma al­tura de 500 me­tros em con­sequên­cia de uma de­sa­gre­ga­ção daOS  mon­ta­nha (…). O sil­vi­cul­tor José Thomaz de Sousa Pereira, que ini­ciou os tra­ba­lhos de re­po­vo­a­mento flo­res­tal do Gerês, te­ria visto ca­bras em 1892 junto da Lomba do Pau. Depois des­tas da­tas não há re­fe­rên­cias de que te­nham vol­tado a ser vis­tas. Assim se po­derá di­zer que a ca­bra-brava da Serra do Gerês co­me­çou a ra­rear na se­gunda me­tade do sé­culo XIX e que se ex­tin­guiu en­tre 1890 e 1892”. 

Hoje te­mos íbex nas ser­ras do Gerês, Santa Eufémia, Amarela, Leboreiro, Montes do Invernadeiro, Ancares…  Um êxito que não nos im­pede de olhar com pre­o­cu­pa­ção o seu fu­turo, pois os exem­pla­res atu­ais têm ori­gem nos 11 ou 12 que so­bre­vi­ve­ram na Serra de Gredos nos fi­nais do sé­culo XIX. A ele­vada con­san­gui­ni­dade pen­dura como uma es­pada de Dâmocles so­bre os nos­sas ca­bras-bra­vas. É o que os ge­né­ti­cos cha­mam um “efeito gar­galo”, uma falta de va­ri­a­bi­li­dade ge­né­tica que pode con­di­ci­o­nar a sua so­bre­vi­vên­cia num por­vir, hoje, apa­ren­te­mente, esperançoso.

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