Gabriela Frías Goytia é psicóloga e define-se como “umha mulher boliviana, migrante e racializada”. Chegou à Galiza há três anos como estudante da USC, onde começou a falar galego por “decisom própria e posiçom política”. Na atualidade trabalha para SOS Racismo Galiza na OID (Oficina de Informaçom e Denúncias) “fazendo conteúdos antirracistas para escolas, palestras e encontros”. Conhecê-la dá ideia dos seus anos de luita, mas também deixa ver as boas experiências e pessoas que di ter atopado no caminho.
Trabalhas criando conteúdos antirracistas que levas a centros de ensino.
Sim. Levar estes contidos às escolas é um dos nossos objetivos fundamentais, nom apenas para formar estudantes, mas também para os professores e professoras. Umha educaçom antirracista é mui necessária, porque ademais nos fai conscientes de muitas realidades que se dam também dentro dos centros de ensino, onde se podem perpetuar condutas discriminatórias, racistas, etc. Também fazemos palestras nos centros de FP e mesmo nas universidades, porque formar as futuras profissionais com umha consciência antirracista, para que no futuro sejam mais críticas na hora de educar, é mui importante.
E como é a experiência?
É complexo. Para começar, temos que partir da realidade de que todos e todas somos, de certa maneira, racistas. Temos estereótipos, usamos palavras que o som —como usamos expressons machistas, homófobas…—. Aliás, nom em todos os lugares se pode falar igual e nom todas as pessoas se sentem confortáveis quando escuitam as palavras ‘antirracismo’ ou ‘racismo’. Isto fai que seja algo que há que trabalhar muito. É um exercício de introspeçom constante e de autocrítica.
“Temos que partir da realidade de que todos e todas somos, de certa maneira, racistas”
Eu falo muito do ‘círculo’. Se ti queres chegar um dia a ser antirracista, nom é suficiente com nom ser racista, há que dar um passo além e tomar consciência tanto das nossas atitudes quanto do nosso papel no sistema racista em que vivemos. Que é o que fazemos para perpetuarmos estas opressons? Também é importante avaliar os nossos privilégios como pessoas brancas que tenhem mais facilidades, cedendo, ao tempo, espaços a pessoas racializadas para que falem desde a sua própria voz e experiência.
As novas geraçons tenhem umha atitude diferente perante o racismo?
Hoje, com as redes sociais, temos muitíssimo acesso a conteúdos de todo o tipo. Há muitas pessoas, por exemplo, que tenhem contas nas quais falam de antirracismo. Nesse âmbito, portanto, sim que há mais consciência, porque há umha maior diversidade de personagens. Pessoas, aliás, comuns e correntes —e bastante novas muitas delas— que falam de diferentes teorias ou de racismo desde as suas experiências. Isto fai que, efetivamente, as novas geraçons tenham um maior acesso à informaçom. Porém, o racismo é perpetuado também polo contexto. É algo estrutural. Isto fai que nom seja suficiente apenas com sermos conscientes e estarmos informados, senom que há que ir um pouquinho além. Como digo, essa é a parte mais difícil. Contodo, sim que penso que há umha mudança nas novas geraçons, umha apertura diferente.
Falando de ceder espaços, como viveste ti a chegada do Escuadrón Zapatista à Galiza?
Como pessoa que vem de territórios onde as luitas indígenas som mui fortes, a chegada do Exército Zapatista vivim-na como algo importante. Porém, a pouca participaçom de pessoas racializadas e migrantes —que somos precisamente as que temos essa conexom com estas histórias e territórios— pareceu-me mui triste. Polo menos a realidade que eu vim na Galiza. Houvo mui pouca participaçom de coletivos migrantes e havia mui pouca informaçom para podê-las ir receber. Por exemplo, se nom tinhas conhecidas na organizaçom, nom sabias onde aportavam. A isto devemos somar também a pouca capacidade que tenhem muitas pessoas migrantes para se moverem dum território a outro dentro da Galiza. Por todo isto, a minha perceçom como pessoa que também queria compartilhar esse espaço de chegada e de contato, e que nom tivo oportunidade, foi de limitaçom. Também, vendo as imagens, fica clara a pouca participaçom das pessoas racializadas em todo o evento.
“A pouca participaçom de pessoas migrantes e racializada na chegada do ‘Escuadrón Zapatista’ pareceu-me mui triste”
Além do teu trabalho, tés um programa de rádio.
Sim, um programa onde todas as que participamos somos mulheres migrantes racializadas. Chama-se “Escola de Familias”, está subvencionado por Accem e emitimo-lo na rádio comunitária Cuac FM. Trata-se de criar um espaço para que as famílias podam participar e falar da sua experiência, mas onde também participem outras pessoas do âmbito educativo. A ideia é que as famílias que cheguem aqui tenham informaçom, por exemplo das ANPA, ou de ajudas, prazos… Quando chegas aqui todo é novo e diferente e a escola é um desses âmbitos onde se pode dar muita discriminaçom, porque tudo funciona de forma diferente. Então, este é um espaço para discutir e compartilhar estes temas. Nós levamos o programa inteiro, desde a parte técnica até aos conteúdos.
Desde a tua experiência, dirias que o governo galego ajuda à integraçom das pessoas migrantes?
Desde a minha experiência como pessoa migrante que leva luitando todo este tempo polos papeis etc., penso que nom há esforços reais. Nom serve fazer umha feira um dia concreto, ou ter um dia no ano em que estamos presentes. Há que fazer muito mais. Nós também somos parte desta sociedade e tratamos de nos integrar, mas nom se nos facilitam nada as cousas.
“Depois do que aconteceu com Samuel, em SOS Racismo decidimos que era tempo de colaborarmos com os coletivos LGTBIQ+”
Que nos podes contar da colaboraçom entre SOS Racismo e Avante LGTBIQ+?
Despois do que aconteceu com Samuel, em SOS Racismo decidimos que era tempo de colaborarmos com os coletivos LGTBIQ+. Um deles foi Avante LGTBIQ+, com o qual assinamos um acordo de colaboraçom. É importante entender que, ao final, os dous coletivos temos realidades que se inter-relacionam. Por exemplo, despois do assassinato de Samuel, aparecêrom notícias falsas acusando pessoas racializadas. Por essa razom, decatamo-nos de que um trabalho em rede é fundamental. Aliás, umha pessoa pode experimentar muitas realidades ao mesmo tempo: pode ser migrante, trans, estar em situaçom administrativa irregular… e, se SOS Racismo pode ajudar, é necessária a conversa constante com outros coletivos.
“Surpreendeu muito como recém chegada a quantidade de notícias falsas que há. Por exemplo, o uso da pessoa migrante no discurso político dum jeito negativo: que nom se integram, som violentas, tenhem ajudas… parece-me incrível”
Dirias que agora há mais racismo ou que se vê mais?
Eu levo três anos na Galiza e por isso nom tenho unha perspetiva mui longa. Contodo, sim que me surpreendeu muito como recém chegada a quantidade de notícias falsas que há. Por exemplo, o uso da pessoa migrante no discurso político dum jeito negativo: que nom se integram, som violentas, tenhem ajudas… parece-me incrível. Nom apenas porque é mentira, mas também polo uso que é dado a essas mentiras nos canais de comunicaçom ou nas redes. Quando há eleiçons parece que este discurso colhe ainda mais força. Isto impressionou-me ao chegar aqui, porque nom me identifico nem identifico gente que conheço nessas afirmaçons. Penso que os meios de comunicaçom tenhem umha responsabilidade mui grande por difundirem este tipo de discursos ou darem espaço a personagens que dim este tipo de cousas, que nom som certas e que além disso som perigosas, porque geram violência e ódio.