Meu pai chegou a viver para ver o protagonismo político de Anxo Quintana. Cada vez que aparecia no televisor em mitins sempre repetia o mesmo: “Por que fai essas garatuças com as maos? Pom-me nervoso.” Garatuça é umha palavra mui viva na minha terra, o dicionário Estraviz define‑a como “representaçom ou gesticulaçom exagerada, que tem por objeto umha criança”.
Quando andei a dar aulas na Argentina, as alunas surpreendiam-se de que movia pouco as maos ao falar. Nunca tal crítica recebera no nosso país, mais bem ao contrário. Possuo umha longa listagem de copos rotos braceando nas reunions das cafetarias. Mas em comparaçom com qualquer docente do país austral, eu parecia eivado dos braços. Também ganhei fama de tojo por falar a muita distância dos meus interlocutores nas conversas e nom complementar o contato físico que acompanhava a cordialidade. Porém, nom era o único, aginha me comparárom coas suas avós, as galegas de referência em todas estas práticas zamurdas. A única diferença era a idade.
Anos depois, num curso de dobragem, Luís Iglesia, o melhor profissional na nossa língua, alumara-me a chave do assunto. Os estudos de Albert Mehrabian, professor de psicologia da Universidade de Califórnia, quantificavam a importância da comunicaçom nom verbal na eficiência comunicativa. A linguagem corporal tem o maior peso, o 55%, frente ao 38% do tom de voz e o minúsculo 7% das palavras empregadas. Isto nom quer dizer que nom escuitemos o conteúdo ao ouvir um discurso, senom que obtemos a nossa interpretaçom da intençom emocional da falante, por trás das palavras, através dos indícios nom verbais. Mas velaí que, quando nom se dá correspondência entre o que dizemos e como o dizemos, acreditamos muito mais nas pistas nom verbais.
Nos povos subalternizados, a vinculaçom das posiçons de poder com umha etnoclasse dominante alheia provoca o calco das suas linguagens à hora de representarmo-nos a nós próprias na formalidade
Porém, cada povo possui o seu código nom verbal diferenciado. A distância entre interlocutoras, a olhada, o contacto, a postura, o movimento facial e todo tipo de acenos e gestos variam de país em país. Qualquer umha dá diferenciado um filme italiano dum ianque se lhe tiramos o som. A comunicaçom política, jornalística e cultural constituem a forma mais elaborada da representaçom linguística dum país no quotidiano. O modelo polo que nos guiamos, mui por cima do que estabeleçam academias e dicionários. Nos povos subalternizados, a vinculaçom das posiçons de poder com umha etnoclasse dominante alheia provoca o calco das suas linguagens à hora de representarmo-nos a nós próprias na formalidade.
A aprendizagem de jornalistas, oradores e atrizes sob o modelo espanhol constitui mais umha forma de colonizaçom e reforça o imaginário do próprio como vulgar
Na Europa, quanto mais ao Norte, maior é a distância entre interlocutores e menor a gesticulaçom. Mália a dominaçom secular, as galegas seguimos a bracear menos que os madrilenos para além da língua que empreguemos. A aprendizagem de jornalistas, oradores e atrizes sob o modelo espanhol constitui mais umha forma de colonizaçom e reforça o imaginário do próprio como vulgar. A evidência de que resulta impossível ser umha boa comunicadora sem dominar os códigos que se empregam atinge os seus antípodes, mercê à colonialidade, em Galiza. Se alguém na BBC utilizasse umha linguagem corporal italiana e contaminasse a fonética e a morfossintaxe do inglês com construçons e pronúncias da Toscana, todo o mundo havia pensar que caracteriza umha natural do país mediterrâneo. Porém, nós aturamos a diário um exército de comunicadores “neutros” que estabelecem o modelo de língua e a nossa representaçom coletiva formal entoando, braceando, pronunciando e construindo oraçons como se acabassem de chegar de Chamberí. Políticos, escritores, intelectuais, jornalistas, atores… Carlos Calvo assinala‑o contundentemente na sua crítica à Mátria de Margarita Ledo em Entre o pós-nacional e o Volkgeist. E é que, ao cabo, meu pai tinha razom.