“(…) comprehende a mayor parte da Serra do Gerès, que nos divide de Galliza, em que ha neve muita parte do anno, e por espaço de cinco legoas atè Barroso tem só hum casal, o mais tudo saõ montes, e outeiros, em que ha quantidade de lobos, raposas, ginetas, martas, touroens, e outros bichos, e serpentes, cabras bravas com ferozes cabroens, que já despenhàraõ homens depois de feridos, muitas corças, veados, javalis, e caça miuda: crião nestas penhas Aguias Reaes, e Ribeirinhas, Bufos e Gaviaens, grandes matas de varias castas de madeiras (…)” Corografia Portugueza, P. António Carvalho da Costa (1706).
O padre Carvalho na sua descrição refletia bem o caráter selvagem do Gerês e a abundância e variedade da sua fauna. Segundo Tude de Sousa (1909), um dos primeiros defensores da proteção das matas geresianas, «em 1888, o Estado tomou conta dos 10.000 hectares de logradouros florestaes que comprehendem a parte principal da serra, arrancando-os pela violência às populações arboricidas que os exploravam desde tempos imemoriais». Já em maio de 1971, criou-se o Parque Nacional da Peneda-Gerês, a primeira área protegida portuguesa e, até agora, o único parque nacional luso, que engloba as serras do Gerês, da Peneda, do Soajo, Amarela e os planaltos de Laboreiro (ou Leboreiro) e da Mourela. Vinte e dous anos mais tarde, em 1993, o Governo Galego protegia, sob a figura de Parque Natural, a parte galega destas montanhas raianas, compreendendo na atualidade o território que vai da Serra de Laboreiro à da Pena. Em 2009 a UNESCO declarava Reserva Internacional da Biosfera um total de 267.958 ha da região, considerando como zonas nucleares o parque nacional português (70.900 ha) e o parque natural galego (30.000 ha).
As imponentes penedias graníticas marcam estas serras, onde encontramos cumes como o Pico da Nevosa de 1546 m (o segundo mais elevado de Portugal Continental) ou os circos glaciais de menor altitude da Península.
De acordo com a maior parte dos estudiosos, Gerês é um hidrónimo derivado da forma medieval latina Ugeres; esta teria dado origem a diversas variantes dialetais: Gerês (a oficial em Portugal), Juriz e Jurês (a oficial na Galiza, grafada como “Xurés”, forma que se popularizou frente à tradicional “Gerês” pola criação do Parque Natural, segundo contava o falecido José Lamela, alcaide de Lóvios).
A forma medieval latina ‘Ugeres’ daria origem a variantes dialetais: Gerês (a oficial em Portugal), Juriz e Jurês (a oficial na Galiza, grafada como ‘Xurés’)
Assim, outro elemento definidor destas paisagens são as águas, as bacias dos rios Lima e Cávado com os seus afluentes. Águas que se precipitam em impressionantes cachoeiras, denominadas aqui fechas, como Arado, Leonte, Pincães, Corga da Fecha… Águas que brotam quentes em Torneiros ou nas Caldas, águas termais das quais já os romanos desfrutavam no campamento Aquis Querquennis de Bande, uma jazida arqueológica que se encontra submersa pola barragem das Conchas a maior parte do ano. Águas represadas também no Alto Lindoso, em Vilarinho da Furna, na Caniçada, em Salamonde, em Paradela, em Salas… aproveitamentos hidroelétricos que desnaturalizaram cursos fluviais, inundaram aldeias e transformaram para sempre estas paragens.
Mais um fator a considerar nesta região é a enorme importância da sua flora e da sua fauna. Apontaremos só uns pequenos destaques:
Lírio-do-Gerês (Iris boissieri): Planta endémica que aparece dispersa em fendas rochosas e zonas pedregosas por riba dos 600 metros e que se encontra nalguns pontos isolados da Galiza e, designadamente, na serra que lhe dá nome.
Pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris): Desapareceu quase totalmente do quadrante norocidental ibérico coincidindo com a última glaciação, mas no Gerês ficaram quatro pinhais relictos, que atualmente reúnem umas 1770 árvores.
Mata de Albergaria: Carvalhal secular, formado fundamentalmente por Quercus robur e Q. Pyrenaica, classificado como uma das Reservas Biogenéticas do Continente Europeu. Este bosque é atravessado pola Via Romana Geira (que unia Bracara Augusta com Asturica Augusta), da qual ainda se conservam vários miliários.
Cabra-brava (Capra pyrenaica): A chamada subespécie lusitanica, que habitou na área galaico-cantábrica, extinguiu-se arredor de 1892 no Gerês, que foi o seu último refúgio. Um século mais tarde a cabra seria reintroduzida com grande sucesso, utilizando exemplares procedentes de Gredos (subespécie victoriae).
Víboras: A víbora-cornuda (Vipera latastei), espécie mediterrânica, tem neste parque uma das suas escassas populações galegas, e a víbora-de-Seoane (Vipera seoanei), endemismo do Norte peninsular, concentra nestas montanhas a maioria dos seus efetivos em Portugal.
A principal ameaça deste espaço natural é o fogo recorrente. Estes incêndios têm difícil solução, pois a cultura do lume está fortemente arraigada nas comunidades agropastoris, só a educação das novas gerações poderá constituir uma solução a médio ou longo prazo
De resto, entre os valores naturais da Reserva Transfronteiriça devemos salientar a presença de três raças domésticas autóctones: o Garrano ou cavalo de monte galego-português; a Cachena, uma vaca de pequeno tamanho e grande rusticidade, perfeitamente adaptada à montanha; e o Cão de Castro Laboreiro, um mastim ligeiro usado para proteger rebanhos e propriedades na sua freguesia de origem.
Sobressai, igualmente, um riquíssimo património material e imaterial: Fojos do lobo (armadilhas construídas com altas paredes de pedra); alvariças ou “silhas do urso”, que protegiam os colmeais dos ataques do plantígrado (os últimos exemplares foram caçados em 1843 no planalto da Mourela e em 1946 em Coucieiro); verandas e inverneiras de Castro Laboreiro (ou Crasto), onde ainda pervive uma forma peculiar de nomadismo entre aldeias de verão e de inverno (um fenómeno em declínio e só partilhado na Europa polos vaqueiros de alzada asturianos); o Couto Misto (enclave que sobreviveu independente até 1868); necrópoles megalíticas (no planalto crastejo achamos uma das maiores da Península); santuários como o S. Bento da Porta Aberta (o segundo maior português, depois de Fátima), Nossa Senhora da Peneda, com o grandioso Escadatório das Virtudes, ou Santa Comba de Bande, uma igreja da época suevo-goda…
A principal ameaça deste espaço natural é o fogo recorrente. Estes incêndios têm difícil solução, pois a cultura do lume está fortemente arraigada nas comunidades agro-pastoris, só a educação das novas gerações poderá constituir uma solução a médio ou longo prazo. Mas, a curto prazo, a autorização de queimas preventivas controladas diminuiria o problema.… Afinal de contas, não o esqueçamos, os incêndios fazem parte também das dinâmicas ecológicas.