O 155 abre um cenário incerto cuja resoluçom dependerá da capacidade de mobilizaçom popular para enfrentar umha maquinária estatal a pleno rendimento.
O Estado espanhol pom em marcha a aplicaçom do artigo 155 após a nova resposta por carta do Presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, em que insistia na suspensom da Declaraçom Unilateral de Independência (DUI) para favorecer o diálogo e a mediaçom internacional. A resposta ao pedido reiterado de diálogo por parte da Generalitat é a suspensom do autogoverno da Catalunha.
O governo espanhol nom atua unilateralmente; Ciudadanos e PSOE som os seus sócios na aplicaçom deste artigo mui pouco desenvovido pola Constituiçom espanhola. Umha aliança que já está a provocar reaçons contrárias na filas do PSC, com um manifesto crítico com a aplicaçom da referida norma, qualificada de “abusiva e impraticável”, e que já ameaça a ruptura de vários pactos de governo em numerosos concelhos, entre eles o de Barcelona.
Governo de Rajoy destinou 34 milhons de euros para entravar a consulta e mandou à Catalunha 5300 polícias e guarda civis extras, que ainda permanecem lá
Nos últimos dias o governo explicou a maneira em que vai aplicar o artigo que pretende pôr fim ao autogoverno catalám e convocar novas eleiçons. Após um conselho de ministros extraordinário, o próprio Rajoy defendeu o 155 como única via “para restabelecer a ordem na Catalunha”. As principais medidas já estám acima da mesa: o Governo catalám será destituído no mesmo dia da entrada em vigor do artigo (que salvo surpresa será aprovado polo Senado em 27 de Outubro), os conselheiros serám substituídos polos ministros espanhóis, fecharam-se os gabinetes de exterior da Generalitat e os meios públicos (TV3 e Catalunya ràdio) e os Mossos d’esquadra serám intervindos.
No encerramento desta ediçom, Junts pel si e a CUP convocárom um plenário extraordinário para o dia 26 de Outubro, data em que se tornaria efetiva a Declaraçom Unilateral de Independência. A DUI conta com o aval da Lei do Referendo aprovada em 5 de setembro pola maioria do Parlamento num plenário de 12 horas onde os partidos da oposiçom decidírom ausentar-se da câmara.
No entanto, a Audiencia Nacional nom trava o seu ritmo repressivo. Durante o que polo governo catalám era considerada coma umha trégua para assentar as bases dumha futura negociaçom, o tribunal espanhol através da juíza Carmen Lamela (a mesma que julgou por terrorismo os moços de Alsasua que participárom dumha briga de bar com dous guardas civis) decretava o ingresso na cadeia sem fiança dos presidentes das organizaçons culturais mais importantes de Catalunya, Jordi Cuixart (Ómnium Cultural) e Jordi Sánchez (ANC), considerados já presos políticos mesmo pola Amnistia Internacional. Mas também continuam as investigaçons entorno ao papel da polícia catalá no dia 1 de Outubro e as contas da ANC e a Ómnium.
Futuro incerto
Cada dia traz umha nova incerteza no que a política se refere na Catalunha. O símil dumha partida de xadrez pode ser válido para tratar adivinhar ou prever as novas jogadas num tabuleiro que nem jornalistas especializados nem membros destacados de organizaçons políticas se aventuram a descifrar.
A balança em favor dumha nova república e dum processo constituinte espelho para os movimentos sociais europeus e para as naçons sem estado do século XXI nom a decantará para um lado ou para outro nengum ator político, nem policial, nem sequer judicial. Como se viu durante os oito anos de luita para a realizaçom dum referendo, o ator principal, chave para entender o chamado “procés”, é o povo catalám. Da sua capacidade para continuar a mobilizar a sociedade com imaginaçom e inteligência depende o futuro da República catalá, onde os comités de defesa do referendo se converterám em comités de defesa da República, assumindo a defesa popular das novas instituiçons.
Os cenários que se oferecem a partir de agora som muitos e variados e vam desde a convocaçom de novas eleiçons (rejeitada publicamente polos partidos independentistas), ilegalizaçom de partidos independentistas e detençom e encarceramento do presidente do Governo catalám (já instalado de forma permanente na Generalitat com um dispositivo mui reforçado de escolta) até umha República catalá que atuaria de forma paralela à administraçom do Estado, enquanto nom obtenha um número considerável de reconhecimento internacional. Dilui-se a possibilidade pola que luitavam desde Podemos: mediaçom internacional e novo referendo acordado com Espanha.
Em paralelo à proclamaçom da República começa o processo constituinte, num contexto extremamente adverso e com umha beligerância total da parte do Estado espanhol. Mas falamos dumha estampa onde questons como feminismo, soberania energética, criaçom dumha banca pública, antimilitarismo e direitos elementais como saúde pública e habitaçom passam para a primeira ordem da agenda.
No caso de perder esta oportunidade, afiança-se ainda mais a Europa dos estados, da repressom, da violaçom dos direitos mais elementais e Espanha reforça definitivamente o regime do 78 com umha poderosíssima carta branca para reprimir os movimentos mais combativos.
A mobilizaçom popular, fator fundamental no 1‑O
O resultado do referendo de autodeterminaçom publicado polo Governo da Generalitat umha semana mais tarde (após a contagem dos votos da cidadania catalá residente no estrangeiro) deita os seguintes dados: umha participaçom de 43 por cento, um 90,18 por cento de votos em favor sim; 7,8% de nom e e um 1,9% de votos em branco. É importante destacar o quadro de violência estatal excepcional em que decorreu a consulta, já denunciado por numerosos organismos internacionais, que foi decisivo para muitas pessoas nom irem votar, segundo denúnciarom forças independentistas. De facto, num cálculo feito polo Governo catalám estima-se que entre os votos confiscados pela polícia espanhola e as pessoas que afirmam que ficárom na casa por causa da repressom perdérom-se uns 700.000 votos, o que elevaria quase até 60 por cento a participaçom (dados que quadrariam com os inquéritos feitos nos dias anteriores).
Os pronósticos do Governo espanhol mas também do PSOE e Ciudadanos negando a realizaçom do referendo nos meses prévios, mesmo no dia antes, afinal nom se cumprírom. O Governo de Rajoy destinou 34 milhons de euros para entravar a consulta e mandou à Catalunha 5300 polícias e guarda civis extras, que ainda permanecem lá, segundo dados do quinzenal La Directa.
O referendo realizou-se num clima de ameaças, detençons, violaçons de direitos fundamentais e com o exercício da violência por parte das forças policiais enviadas à Catalunha, que deixou um balanço de 844 pessoas feridas, duas graves, umha das quais perdeu a vista após o disparo dumha pelota de goma, arma proibida polo Parlamento catalá em 2013.
A campanha das forças unionistas, sem excepçons baseou-se no medo, na desligitimaçom do referendo (antes, durante e depois) e na ameaça sobre a aplicaçom do artigo 155
Também se realizou sem campanha do nom. As cidadás catalás só puiderom ver e ouvir a campanha das forças independentistas, nom houvo, portanto, argumentos para ficar em Espanha nem se rebatêrom os argumentos em favor de se constituírem em República independente. Qüestons como a adesom a UE, a negociaçom da dívida, a dobre cidadania, o pagamento das pensons ou a constituiçom dumham Finanças propiás; essenciais para muitas cidadás ficárom à marge. Facto que lamentárom tanto Junts pel Sí como a CUP. A campanha das forças unionistas, sem excepçons baseou-se no medo, na desligitimaçom do referendo (antes, durante e depois) e na ameaça sobre aplicaçom do artigo 155.
Na equidistância os Comúns que pedirom um referendo negociado (com divisom interna nas suas filas), mas a Cámara Municipal de Barcelona após largas negociaçons) facilitou espaços para votar e vários membros destacados da formaçom criticárom duramente as actuaçons do governo central, o envio de forças policiais espanholas e finalmente as brutais cargas.
Preparando o referendo
O referendo de 1 de Outubro foi possível porque o governo catalám levava muitos meses trabalhando para este se celebrar, tendo em conta e anticipando todos os movimentos e impedimentos postos polo Estado espanhol. Para cada entrave, havia umha resposta: contra o fechamento de páginas webs (até 150) , abertura das mesmas páginas com um novo domínio, detençons de altos cargos e sançons milionárias contra estes, cese dos mesmos para nom prejudicá-los e evitar as multas, papeletas requisadas; mais papeletas em sitios segredos.
Mas o trabalho do Govern nom teria sido frutífero sem a mobilizaçom popular (mais de 50.000 pessoas) que reagiu diante das 13 detençons na semana antes do referendo (entre elas a do secretário-geral da Vice-Presidência Josep Maria Jové), o assédio a sede nacional da CUP por parte da polícia espanhola durante mais de 9 horas que se apresentou no local sem ordem de busca ou as concentraçons diante das empresas em que a polícia irrompeu à procura de urnas e boletins de voto. Todas sob umha única palavra de ordem: a da nom violência e a da resistência pacífica. Conscientes de que o olhar dos meios tanto nacionais e internacionais estava posto na Catalunha e no Estado aguardava qualquer gesto violento para deslegitimar a consulta. A resposta popular concretizou-se nos Comités de Defensa do Referendo, organizados pela cidadania dous dias antes em previsom da possível atuaçom policial o próprio dia 1.
Muitas das escolas que acolhiam as votaçons fôrom ocupadas na sexta feira (29 de setembro) ao terminarem as aulas polos comités para garantir as votaçons. Nas escolas desbordou a imaginaçom popular e estas enchêrom-se de “festas de Outono” com atividades durante todo o sábado permitindo deste modo que as escolas nom fechassem.
Assim aos pucos: pela tarde, de madrugada, ou minutos antes de abrirem as escolas as urnas fôrom chegando a todos os pontos de votaçom cataláns. Abrírom-se corredores humanos para despistar os Mossos que obedeciam ordens da Fiscalía de vigiar as escolas e lavrarem ata das ocupaçons, e assim poder chegar às mesas; outras chegárom sigilosas sem fazer ruído no meio da noite ou poucos dias antes.
Os caminhos das urnas
As urnas, como se revelou dias depois, fôrom fabricadas na China e permanecêrom escondidas a mui poucos quilómetros, na Catalunha Norte, em território do Estado francês. Ali, voluntários e militantes dessa parte dos Países Cataláns custodiárom-nas juntamente com os boletins enquanto os efetivos policiais enviados polo Governo de Mariano Rajoy semanas antes faziam buscas em imprensas em todo o território catalám. Cada umha das buscas era acompanhada de concentraçons, muitas convertidas em festas, a rejeitarem a presença da polícia espanhola.
As urnas fôrom fabricadas na China e permanecêrom escondidas a poucos quilómetros, na Catalunha Norte, em território do estado francês
Poucos dias antes do 1 de Outubro e sob estritas regras de segurança, voluntárias catalás que nom sabiam exatamente o que iam fazer fôrom citadas em Elna (localidade da Catalunha Norte conhecida pola sua maternidade que ajudou a dar a luz a muitas mulheres catalás refugiadas do franquismo e presas em campos de concentraçom polo regime de Vichy). Ali dếrom-lhe as urnas e as papeletas e empregando carros particulares e os caminhos abertos pelas refugiadas catalás no 39 introduzírom-nas no Principat.
A primeira hora da manhá do mesmo 1 de Outubro e pouco depois de abrirem os colégios, o Governo anunciava que o censo seria universal, polo que todos os cidadans poderiam votar em qualquer centro de votaçom. Umha medida de excepçom desvelada no último minuto para burlar o controlo da polícia espanhola e da guarda civil. O que facilitou o voto a muitas cidadans que evitárom os colégios nos que se produziam cargas.
Também ao presidente da Generalitat, que burlou a pressom policial seguido com um helicóptero com uma troca de veículo debaixo dumha ponte.
Começam as cargas
A imagem as oito da manhá eram as longas fileiras de gente que aguardava para votar nas escolas, um carro cumha parelha de mossos na porta,as caras de sono das voluntárias dos CDR, mas sobre todo a esperança e nervos desenhados nos rostos de muitas ao saber que que viviriam umha jornada histórica.
As primeiras cargas e chegadas das carrinhas das polócisa de choque das duas policias espanholas (a nacional e a guarda civil) produziam-se às nove da manhá. Com elas estendeu-se o pánico, objetivo principal para desmobilizar a partipaçom cidadá, sabedores de que nom havia efetivos suficientes para poder fechar umha maioria ampla das escolas. Mas as cargas também contribuírom para a solidariedade (a nível estatal e internacional) e a resistência (poucas pessoas das que iam votar desistiam).
Mas nom só houvo violência para tentar impedir o referendo, de facto a violência mobilizada só afetou umha percentagem inferior a 20 por cento dos centros de votaçom. Outra das estratégias planejadas polo governo de Rajoy para tratar de boicotar os resultados do referendo foi a sabotagem o sistema informático que tornava efetivo o censo universal e que colapsou e atrasou durante as primeiras horas da manhá as votaçons. Estratégia que também foi resolvida por hackers trabalhando ao serviço do referendo que conseguírom devolver as ligaçons em todos os colégios ao longo do dia.
No resto dos colégios houvo muita tensom contida e raiva ao ver nos telemóveis as notícias e vídeos que chegavam dos meios e das redes sociais, mas, sobretodo, alegria: aplausos a gente de idade que ia votar, lágrimas de emoçom por participarem dumha jornada histórica, voluntárias que levavam jantar e café para as pessoas que dormiram escolas, cumplicidade e imaginaçom para esconder as urnas ante a chegada da polícia. Esta requisitou urnas, destroçou escolas, roubou computadores dos centros e deixou 893 feridos.
Após as cargas
Pola tarde, a jornada decorreu muito mais tranquila, suspeita-se que a Europa chamou a atençom ao Estado espanhol, e muitos colégios fechados abrírom. Os momentos de maior emoçom ocorrérom ao fecharem os colégios e começar a contagem, muitos noutros lugares para evitar o novo requisamento de urnas. O balanço das cargas deu-no o governo catalá no fim do dia, 92 escolas fôrom fechadas à força polas polícias espanhola. Pola sua banda, os Mossos fechárom entre 130 e 140 sem usar a força.
De todo o acontecido dêrom boa conta as observadoras internacionais, que reconhecerom que estavam perplexas e “em shock” pela brutalidade desplegada polo Estado espanhol no mesmo dia do referendo. A atuaçom policial tivo resposta no dia 3 de Outubro com umha greve geral que paralisou o país. 700.000 pessoas tomárom as ruas das principais vilas e cidades para denunciar e rejeitar a violência vivida no 1‑O numha nova jornada histórica em Catalunha.
Mas também houvo contra manifestaçons espanholistas nos dias posteriores, com menos gente e com umha ultradereita desbocada provocando numerosas cenas de violência em diferentes pontos dos Países cataláns. A mais destacada foi a registada em Valência, onde organizaçons de ultradereita batérom nos independentistas que saíam em manifestaçom para festejar a “diada” do País Valencià. Todo, enquanto a polícia espanhola presenciava as agressons sem intervir.