O picanço vermelho, um pássaro algo maior do que o papo-ruivo, espeta as suas presas nos espinhos dos arbustos para depois ir comendo-as devagar. Singularidades do comportamento animal coma esta resultam-nos desconhecidas embora se podam observar em zonas do interior da Galiza. Aos seus 28 anos, o jornalista Adrián Vilas tem realizado documentários de natureza para a BBC e atualmente trabalha para a televisom pública holandesa, um labor que conjuga com a investigaçom e a gravaçom da fauna e flora na Galiza.
Decides dedicar-te ao documentário de natureza após o conflito social polo projeto mineiro de Corcoesto. Como chegas a esse ponto de inflexom?
Sempre tivem esse germolo, mas nom através de umha ótica puramente ecologista senom vinculada com o rural. Vivim o conflito da mina de Corcoesto trabalhando na Radio Galega e foi algo que me marcou. Vim a cara mais amarga detrás da natureza, do perigo para os processos ecossistémicos aos efeitos sobre a água, num meio público com a visom hegemónica do governo. A gente nom tinha cabida, nom se emitia a opiniom pública. Por isso optei polos documentários, para dar-lhe voz à gente que nom a tem e às árvores e aos animais, que tampouco tenhem voz.
Como decides formares-te no estrangeiro?
Marcho para Bristol, Inglaterra, para realizar um mestrado em colaboraçom com a BBC onde botei dous anos. Queria seguir ligado a um meio público e a BBC conta com o respeito e um nome detrás.
“Vivim o conflito de Corcoesto na Rádio Galega, onde nom se emitia a opiniom pública, razom pola qual decidim dar-lhe voz aos que nom a tenhem”
Quais diferenças encontraste entre a Rádio Galega e a BBC? Por que aqui nom podemos ter um meio público como o britânico?
(sorri) É outro mundo, e nom só como meio de comunicaçom senom como cultura democrática. Com certeza que também existe a manipulaçom, mas existe certo respeito pola audiência. As opinions e a verdade respeitam-se. Isto tem a ver com a cultura democrática, outros processos e órgaos que nom existem aqui. É o mais parecido ao que pode chamar-se meio democrático. Também disponhem de mais recursos, umha tradiçom enorme e dinheiro para desenvolver o que se precisar. Já a um nível mais pessoal, participei dum projeto com mais de 100 pessoas durante um mês fazendo um programa em direto. Todas as pessoas dispunham de carro, três comidas e casa, mas trabalhavas doze horas diárias. Tampouco topas a chamada cultura do funcionariado.
Em que projetos trabalhaste?
Para a BBC, a BT ‑também britânica- e para produtoras pequenas. Fai pouco estivem a gravar com umha produtora mexicana baleias na baixa zona de Califórnia. Agora, estou a trabalhar em Holanda com a televisom pública desse país e para o ano tenho programado realizar documentários de natureza para o cinema. A maiores, em Amesterdám, dou aulas de operadora de câmara para umha academia de ciclos de cinema e ediçom. Também sigo vinculado com a Radio Galega através de colaboraçons com o programa Convivir.
Nom pensaste em voltar para a Galiza?
Nom há um só dia em que nom o pense. Nom tem que ser um privilégio viver na tua terra. Como som freelance, às vezes decido nom colher trabalho e aproveito esse momento para trazer no carro o meu próprio equipo desde Holanda até aqui. Vou gravando coisas por Galiza. Ainda nom busquei apoios, poderíamos dizer que estou na etapa de pré-produçom, de investigar. A forma de sacá-lo adiante é falando com a gente dessa zona que che di aqui há um pássaro com um comportamento pouco habitual. Por exemplo, em zonas do interior, está o picanço vermelho que é algo maior do que um papo-ruivo e come desde escaravelhos, roedores a outros pássaros pequenos. Cria em árvores e sebes perto dos prados e o que fai é espetar as suas presas nos espinhos de árvores tipo pereira brava. Crava aí ao pássaro, rato ou escaravelho e vai-no comendo.
“Na Galiza existem duas regions climáticas polo que a fauna e a flora é impressionante, mas está em decadência porque nom poderíamos maltratá-la mais"
Há animais com comportamentos dos quais pouco se sabe e que seriam mui interessantes de gravar. Na Galiza existem duas regions climáticas polo que a fauna e a flora é impressionante, mas está em decadência porque nom poderíamos maltratá-las mais. Aqui há histórias que desenvolver e muita matéria-prima. Coma sempre, falta a infraestrutura. Nom é nada que nom se poda superar com ganas, tempo e muitas vezes com trabalho de balde. É triste que tenha que ser assim. Cada vez que saco o carro com o meu equipo perdo dinheiro, mas é a minha paixom. O dia de amanhá se podo achegar-lho às pessoas… Há que conhecer a natureza para poder desenvolver o afeto, a curiosidade e vê-lo com outros olhos.
Que relaçom tenhem os documentários com o valor que lhe damos à natureza?
Nom há interesse e a nível social nom existe umha educaçom ambiental potente. Os documentários de natureza tocam-nos em muitos níveis diferentes. Nom falo de conhecer todos os nomes dos pássaros senom de valorar a vida. Saber que esta ave é boa para esta e outra praga ou que vivemos num ecossistema que é muito complexo, umha sopa de químicos. Temos que saber interpretar os sinais do planeta porque nos vai afetar.
O mais preocupante é que desconectemos com o mundo em que vivemos. Nom podemos dar por feito que imos ter água limpa para viver e um solo que nos proporcione alimentos e logo formar parte do consumo e da depredaçom. Há muitíssimas conexons. Se nom atendermos esses sinais, e nom nos achegarmos um pouco mais, teremos problemas sérios. Viu-se com os incêndios, a seca… Há ciclos que regulam a água e temos que cuidar todos os passos. As fragas tenhem que estar vivas. Galiza vai estar num ponto de vista dramático nesta mudança global, nom só climática, sobretudo no sector primário.
Através do teu trabalho observaste diversos povos e a sua relaçom com a natureza. Qual é a relaçom da Galiza com o seu meio ambiente comparada com outros territórios?
Somos umhas privilegiadas. A nossa relaçom com o campo ainda está aí. Em Holanda, onde vivo, existe umha cultura urbana avançada onde nom se tem esse aceso à natureza. No rural continua esse espírito de comunidade que é imprescindível para sacar adiante projetos. De pequeno mamei essa comunidade e quero recuperar isso.
Resulta curioso que quando gravei o documentário Pounding Hooves(1) e falei com os índios pés negros, pensava no meu avô e avó. Sempre me chamou a atençom como pudérom superar esse desvencelhamento cultural. A sua cultura foi anulada rapidamente, nom como aqui onde a colonizaçom transcorreu lenta. Identifiquei os pés negros com os meus avôs aos que lhes obrigavam falar em castelhano, que fôrom para a cidade e topárom-se vivendo num mundo que nom era o seu.
“Quando gravei os índios pés negros identifiquei-nos com os meus avôs aos que lhes obrigavam a falar em castelhano, que fôrom para a cidade e encontrárom-se vivendo num mundo que nom era o seu”
Cumpre revertermos a nossa relaçom com o meio e recuperar essa espiritualidade. Nom falo de ir em aventais senom de recuperarmos conceitos e usá-los. Caminhar por acima do sistema triste em que nom há espaço para a imaginaçom nem a criatividade. Quando nos quitam isso, quando nos desnaturalizam, só resta o cinzento. Miramos para o monte quando arde. Quando o pisamos? Quando nos preocupamos polo monte? No oeste já nom existe o outono, nom importa que roubem o outono? Dirám, mira este rapaz que poeta, mas a realidade é que as folhas nom caem. Muitos falam da Galiza verde, mas já nom é assim.
Quais mecanismos deve ativar a comunicaçom para produzir essas mudanças sociais? Através de documentários?
Nom existe umha receita única. Há quem presenta um pássaro bonito e explica que cumpre ter cuidado com esse habitat porque senom vai morrer, os documentários da BBC que optam polo espetáculo ‑a baleia mais grande do mundo!-, os que optam polo catastrofismo ou os mais académicos. Todos som válidos sempre que nom se caia no Disney, em dulcificar a natureza. Por exigências da narrativa por vezes creiam-se personagens mas um depredador nom é pior do que um herbívoro. Todos estám aí por umha razom.
Devemos fugir de termos como más ervas ou vegetaçom rasteira, o monte nom está nem sujo nem limpo. Estám aí por umha razom legítima. Devemos ter umha visom mais completa. Por exemplo, o doméstico nom é o carácter natural dum animal. As colónias felinas devastam a contorna, matam todos os pássaros. Os animais devem ter direitos mas nom podemos sobrepor uns sobre outros. A reflexom sobre a nossa relaçom com os animais ainda é umha tarefa pendente.
NOTAS
1. Pounding Hooves é umha curta documental de 12 minutos que reflexiona sobre a reurbanizaçom e a convivência com a natureza através dos olhos dos povos indígenas e cientistas de América do Norte e Europa. Data do ano 2015 e está escrita e dirigida por Adrián Vilas.