Bianka Rodrigues, de El Salvador, é diretora-executiva e presidenta da Concavis Trans, umha organizaçom liderada por mulheres trans no Salvador que trabalha pola reivindicaçom e o cumprimento dos direitos humanos das pessoas LGTBI. Bianka sorri muito. Nom é fácil entrever algumhas das experiências com que tivo de lidar desde que na infância a mae dela a tivera oito anos encerrada em casa por se “comportar como umha menina”. Bianka sofreu atentados contra a sua vida e foi sequestrada numha ocasiom. Porém, ela tivo sorte, umha vez que muitas das amigas dela acabárom sendo assassinadas por serem trans. Aos seus 26 anos, Bianka di que lhe restam 7, pois 33 é a média de vida das mulheres trans no Salvador. Falamos com ela na Lila de Lilith sobre a importância de que tanto as leis quanto a educaçom amparem e defendam o feminismo e os coletivos LGTBI.
Como é a situaçom das pessoas trans e LGTBI no Salvador?
No Salvador, como em quase todo o mundo, falar na situaçom das pessoas LGTBI é falar num contexto de vulneraçom dos direitos humanos e numha violência constante. No Salvador nom contamos com nengumha lei que proteja ou reivindique os direitos LGTBI, apenas umha reforma do Código Penal que tipifica as ameaças e crimes por ódio motivados pola orientaçom sexual e a identidade de género. Porém, esta reforma, que entrou em vigor em 2015, nom está a ser aplicada. Em geral, aquilo que se verifica é umha resistência à promoçom e proteçom dos direitos humanos da populaçom LGTBI, mesmo que se tenham dado avanços na criaçom de políticas públicas de inclusom que som positivas, mas a grande dificuldade que existe é ver os novos ministros, que irám assumir o cargo em junho, a tomar como vinculante essa boa prática que o Estado deixou para ser aplicada polos vários ministérios.
Participas ainda numha iniciativa por umha Lei de identidade de género.
Sim, nom temos umha lei que reconheça e promova os direitos económicos, civis e culturais da populaçom trans. Até agora, por exemplo, as mulheres e homens trans nom podem mudar o nome de acordo com a sua identidade e expressom de género. Muitas delas enfrentam desafios no mercado de trabalho, sendo que a maior parte delas nom conseguem aceder a um emprego digno e, se o fam, som discriminadas. A maioria acaba por exercer a prostituiçom ou por trabalhar em empregos informais como o comércio ambulante ou em fábricas onde som exploradas. E se algumha quer dedicar-se a outra cousa, é atacada sistematicamente.
Na educaçom às pessoas trans nom se lhes permite estudar mostrando a sua identidade ou expressom de género. Às que conseguem aceder ao mundo académico e se querem graduar, é‑lhes negado o título até porque se lhes exige aparecerem nas fotos com o aspeto de género que tinham ao nascerem. Está-se o tempo todo a falar em políticas de inclusom, mas a maioria das vezes nom se aplica.
Para além de entraves institucionais, as pessoas trans, especialmente as mulheres trans, sofrem de episódios de violência contínuos.
As mulheres trans no Salvador tenhem umha expetativa de vida de 33 anos, de acordo com o estudo realizado pola procuradoria dos DDHH e o programa da ONU. O estudo revela que sofrem da violaçom de 11 direitos fundamentais.
A violência reflete-se, sobretudo, em mulheres trans dos 17 aos 28 anos, mulheres que tenhem que fugir do país na procura de proteçom porque sofrem ameaças e agressões físicas constantes. Muitas precisam que alguém lhes ofereça segurança e proteçom, mas as instituições públicas competentes mais nom fazem do que dar-lhes um documento que certifica que apresentárom umha queixa. Onde é que estám os verdadeiros programas de proteçom que devia ter essa populaçom? Há um programa de proteçom a vítimas que nom é vinculante para as pessoas LGTBI. Ora bem, esta situaçom de violência reflete-se ainda nas mulheres lésbicas, nas bissexuais ou nos homens trans, que som assediados por quadrilhas pola sua identidade. Muitas vezes sofrem de assédio físico e sexual por gangues quando comprovam que tenhem um nome feminino no seu documento. E há mesmo casos documentados de oficiais das forças armadas e da polícia nacional que fam o mesmo, polo que as queixas, mesmo que se apresentem, nom garantem a segurançam em nengum caso.
As mulheres lésbicas sofrem violaçons corretivas como prática “restauradora” da sua heterossexualidade, praticadas principalmente por familiares que pensam que com umha violaçom ‑com a penetraçom- a filha poderá “curar-se”. Os homens gais passam por terapias de reconversom à base de eletrochoque, ou os pais levam os filhos a bordeis para serem assediados por umha trabalhadora sexual a fim de corrigir aquilo que consideram ser umha desviaçom da sua “hombría”.
O Estado nom fai qualquer cousa para mudar a situaçom de violência contínua dos direitos humanos?
Nom. A atitude do Estado é passiva, apesar de que se fai visível e se denuncia. Há umha Secretaria de Diversidade Sexual que devia era ter um papel mais protagonista, mas está mui limitada. Desde 2011 que estamos a tentar avançar com a Lei de Identidade de Género, mas depois de em março do ano passado ter entrado à assembleia legislativa, acabou por ser arquivada pola falta de vontade política dos deputados. Temos ainda 84 deputados a colocarem a sua religiom à frente do seu dever constitucional. El Salvador é um estado laico de acordo com a Constituiçom, mas temos umha Assembleia em que se celebram missas, com a imagem da Virgem a surgir por toda a parte, em vez de colocarem a mao por cima da Constituiçom para jurarem o seu cargo, preferem é a Bíblia, que consideram o livro sagrado. Ademais, o Estado permite que grupos anti-direitos passem a sua mensagem de ódio contra a orientaçom sexual e a identidade de género das pessoas. É certo que vivemos num país no que há liberdade de expressom, mas se se passam mensagens de ódio para a sociedade, isso devia estar regulado. É mui grave. Este discurso de ódio enerva e exagera ainda mais a violência cara as pessoas LGTBI. E nom está regulado. Na comunicaçom social há campanhas a falarem nesta ideologia de ódio, como se passou no estado espanhol com o autocarro da Hazte Oír. Eles chamam-no de “ideologia de género”, mas nom é ideologia de género porque é o próprio estado a criminalizar as mulheres que resolvem abortar, ao ponto de que mesmo tendo decidido avançar com a ideia de serem maes, ao sofrerem um aborto natural, podem acabar por ser condenadas a 50 anos de cárcere por homicídio. No Salvador há muitas mulheres na prisom por estas circunstâncias (sendo ainda atacadas polas presas porque o aborto está mui mal visto). Embora tenhamos leis que protegem a infância e a adolescência, estas nom se aplicam. Há meninas de 10 anos com filhos, meninas a cuidarem de meninos, muitas vezes por causa do assédio a que fôrom submetidas por familiares ou conhecidos. E onde é que estám esses assediadores a cumprirem pena por isso? Nom estám.
El Salvador é, por assim dizer, um estado falido com umha falta de institucionalidade gravíssima.
Como compararias esta situaçom a do estado espanhol ou doutras partes do mundo?
No mundo a situaçom avançou um pouco. Começou por ser regulado na América Latina e no Caribe: em 2017 apareceu a Opiniom Consultiva número 24 à luz da Comissom Interamericana dos DDHH. Afora o debate em torno de se deve ser ou nom vinculativo, nela fala-se no reconhecimento dos direitos relativos à expressom e identidade de género, e os matrimónios entre pessoas do mesmo sexo. Para além de se reconhecer na Convençom, os estados deviam atender para estas recomendações e garanti-los. Porém, há ainda países a imporem penas de morte polo facto de se ser LGTBI, sem ir mais longe, numha potência mundial como é a Rússia.
No estado espanhol registárom-se muitos avanços, mas esses direitos podem estar em risco, se nom som ‘assinados em pedra’. Se o estivessem, podíamos ficar descansadas, mas nom é bem assim.
Para o reconhecimento das pessoas trans, ajudava terminar com a ideia de que apenas existem dous géneros, e que as mulheres tenhem vagina e os homens, pene?
O problema é a heteronormatividade, que che di como tem que ser um homem e como tem que ser umha mulher, e tudo aquilo que estiver por fora disso, está errado. É certo que muitas mulheres trans adotam umha identidade feminina e os homens trans umha masculina, mas também é verdade que estám a surgir mais géneros que é necessário validar. Nom se aceita é esta realidade polo patriarcado e o sistema opressor em que vivemos. Ademais, se as mulheres trans som más discriminadas que os homens trans é porque elas renunciam aos privilégios que tinham enquanto homens, e isso o patriarcado nom o tolera. A cousa vai para além de falar em penes e vaginas. Além disso, se o pensarmos bem, termos pene ou vagina, para que é que serve? Há pessoas que acham que serve para reproduzirmo-nos, mas, entom, umha mulher estéril deixa de o ser por isso? Esta ideologia de que as mulheres tenhem vulva e servem para a reproduçom ficou obsoleta, escraviza as mulheres e tem de desaparacer.
És otimista sobre o futuro?
A chave é nom deixar de lutar. O movimento social tem que reforçar-se a partir da base, a luta social constrói-se na rua e nom a partir de um escritório ou de um parlamento, porque é na rua que se geram as exigências e os direitos. De nada serve termos as leis do nosso lado se a sociedade civil está desinformada e nom considera os direitos LGTBI como direitos humanos. É preciso apelar para a unidade para evitarmos a perda de direitos, um exemplo é a Costa Rica, que viu os avanços feministas e LGTBI a serem ameaçados por um pastor evangelista, mas a sociedade, agindo em conjunto, conseguiu entravar a ameaça. Por isso é tam importante a educaçom e falar nos liceus. A juventude é agente de mudança, é ela que pode educar os pais no feminismo e no movimento LGTBI, mostrar-lhes que nada há de errado em se ser trans ou homossexual, mas, antes polo contrário, ter umha identidade própria ajuda as pessoas a serem felizes.
O falocentrismo e o patriarcado estám um pouco por toda a parte, até nas tomadas elétricas que chamamos de macho e fêmea de acordo com como as introduzamos, nom é?
(risos) Claro, a sociedade está sexualizada com base no falocentrismo, com a mulher a assumir o papel de sujeito passivo, como sendo penetrável, como as tomadas. A submissa. O homem é o que tem a vantagem, o que exerce o poder. E isto comprova-se por toda a parte. Até que isso nom mude, a situaçom para as mulheres e pessoas trans nom vai mudar.