Performer, poetisa, cenógrafa … para Helena Salgueiro é impossível limitar-se a umha única faceta. E isso acaba por se refletir no seu trabalho. Conversamos com ela sobre Ferro Federici, peça híbrida em que mistura poesia, performance e dança para falar sobre a opressom das mulheres através do trabalho de reproduçom.
De que é que nos fala Ferro Federici?
Fala sobre a mulher e o seu trabalho reprodutivo nom remunerado. Apoiei-me nas ideias que Silvia Federici expom em vários de seus textos, e principalmente no seu livro Calibã e a bruxa.
Como foi fazer umha peça teatral a partir de ensaios teóricos?
Foi complicado porque ela usa conceitos marxistas, de economia, de performatividade do sexo … usa todo um imaginário de conceitos que é difícil de trazer para umha obra artística. O que figem foi mover esse imaginário para o simbolismo, para um campo mais metafórico.
Em Ferro Federici intervenhem a dança, a interpretaçom, a poesia… qual foi o processo criativo?
Algumhas pessoas partem de umha ideia ou de um texto. Eu prefiro é trabalhar a partir de umha imagem. Aquilo que eu sabia era que queria falar sobre mulheres, a sua demonizaçom, trabalho e bruxas de umha perspetiva pós-moderna. Mas o ponto de partida foi umha imagem, um flash . A partir daí, desenvolve-se tudo.
Em que consiste a trilogia da qual Ferro Federici fai parte?
Eu chamo‑a de trilogia, mas para mim está já a perder essa característica. O ponto em comum entre as peças é que falam sobre mulher e trabalho. As duas primeiras tinham umha metodologia de trabalho diferente da última. Umha versava sobre o trabalho rural e a outra, sobre o trabalho relacionado com o mar. Chamei-as de performances etnográficas, porque figem um trabalho de campo: conversei com mulheres reais e inspirei-me no trabalho delas do ponto de vista físico para fazer as minhas coreografias.
Artistas feministas de diferentes disciplinas encontrárom na performance um modo de expressom. De acordo com a tua experiência, achas que existe umha relaçom particular entre performance e feminismo?
Claro. As pioneiras da performance som mulheres. Pode haver diferentes vertentes, mas a chave é usar o corpo como ferramenta principal, como instrumento percorrido polos discursos políticos. Eu sinto que, como mulher, é umha forma de me fortalecer, de criar um discurso feminista. A arte performática presta-se a isso, tem umha linguagem e umha forma de se aproximar muito crua, muito corpórea.
Nessa linha, como a performance complementa o trabalho de Federici?
Acho que é sempre interessante traduzir a teoria em prática de umha forma artística, é umha forma de entender que o conhecimento às vezes tem de passar polo corpo. E quero dizer tanto o corpo do artista quanto o do recetor. Esse corpo está a receber a mensagem de umha maneira diferente da forma como a pode receber a ler um livro, som tipos diferentes de conhecimento.