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Ilhas Sies

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S.E. o Chefe do Estado, há já tempo e com mo­tivo duma das suas vi­si­tas de ve­rão a Vigo, in­di­cou a con­ve­ni­ên­cia de re­po­voar in­ten­sa­mente as Ilhas Sies, já que, sendo o pri­meiro pe­daço de terra his­pana que os emi­gran­tes viam ao re­gres­sa­rem da América, me­re­cia uma or­na­men­ta­ção flo­res­tal que an­te­ci­passe a agra­dá­vel vi­são da Mãe Pátria”.

Faro de Vigo, 4–2‑1951.

Julho de 2021. Se os ví­rus que nos as­so­lam não o con­se­gui­rem re­me­diar, uma en­xur­rada de in­va­so­res as­se­nho­re­a­rão-se, mais um ano, das que Plínio, o Velho, ba­ti­zou como “Insulae Siccae” (Ilhas Áridas) e Ptolomeu como “Insulae Deorum” (Ilhas dos Deuses). Estes in­va­so­res não se­rão guer­rei­ros nor­man­dos, pi­ra­tas ber­be­res­cos ou cor­sá­rios in­gle­ses, mas uma turba de tu­ris­tas de na­ci­o­na­li­da­des di­ver­sas que as to­mará de assalto. 

Contam que o tu­rismo nes­tas ilhas co­me­çou em 1904, quando José Rodrigues Bastos cons­truiu uma pe­quena ta­berna e co­me­çou a fa­zer ex­cur­sões de ve­leiro com par­tida em Vigo. 

Pertencente ao Parque Nacional Marítimo–Terrestre das Ilhas Atlânticas da Galiza, o ar­qui­pé­lago das Sies, for­mado há me­nos de 10.000 anos, com­pre­ende três gran­des ilhas para além de vá­rios ilhéus. A ilha de Santo Estêvão, si­tu­ada a norte, está unida pola praia de Rodas e o lago dos Nenos à ilha de Monte Agudo. A sul lo­ca­liza-se a ilha de São Martinho, a me­nos hu­ma­ni­zada das três, pois só se pode ace­der a ela desde em­bar­ca­ções par­ti­cu­la­res. Os to­pó­ni­mos tra­di­ci­o­nais das ilhas de Santo Estêvão e São Martinho têm a sua ori­gem nos mos­tei­ros que abri­ga­ram du­rante a Idade Média. Na ilha de Santo Estêvão existe, na atu­a­li­dade, um fa­rol que fre­quen­te­mente lhe dá nome.

O ar­qui­pé­lago das Sies com­pre­ende três gran­des ilhas: a de Santo Estevão, que está unida à de Monte Agudo, e a de São Martinho, no sul

Nestas ilhas, ca­ta­lo­ga­das como Sítio de Importância Comunitária (SIC) da Rede Natura 2000 e Zona de Proteção Especial para as aves (ZPE), são es­pe­ci­al­mente re­le­van­tes as co­ló­nias de aves ma­ri­nhas. A mais nu­me­rosa e, fe­liz­mente, com ten­dên­cia a de­cres­cer, é a de gai­vo­tas-de-pa­tas-ama­re­las (Larus mi­chahel­lis). Aumentos po­pu­la­ci­o­nais acen­tu­a­dos desta gai­vota, de ca­rá­ter pre­da­dor e agres­sivo, po­dem pôr em risco ou­tras es­pé­cies. Muito im­por­tante tam­bém, a co­ló­nia de corvo-ma­ri­nho-de-crista (Phalacrocorax carbo). Achamos os seus ni­nhos em fur­nas, fa­lé­sias e até no monte, de­baixo de pe­dras. Do pai­nho-pe­queno (Hydrobates pe­la­gi­cus) des­co­briu-se em 1989 um pe­queno grupo re­pro­du­tor no ilhéu Boeira, ao sul de S. Martinho. É a única co­ló­nia co­nhe­cida no Parque Nacional para uma es­pé­cie tão es­quiva, quanto di­fí­cil de de­te­tar. Por certo, que “bo­eira” é nome po­pu­lar para de­sig­nar aves da fa­mí­lia das par­de­las. Precisamente, em 2007, a par­dela-ca­garra (Calonectris di­o­me­dea) es­ta­be­le­cia na ilha de Monte Agudo um pri­meiro nú­cleo de re­pro­du­ção na Galiza. Em tem­pos re­cen­tes cri­a­ram-se tam­bém nas Sies ou­tras es­pé­cies de aves, como o arau-co­mum (Uria aalge) e a gaivota‑d’asa-escura (Larus fus­cus). A po­pu­la­ção de araus es­ti­mou-se em 1960 nuns 800 exem­pla­res, mas o úl­timo ni­nho ob­ser­vou-se em 1987. Em 1973 re­gis­tava-se pola pri­meira vez a ni­di­fi­ca­ção da gaivota‑d’asa-escura, ape­nas uns pou­cos ca­sais, que che­ga­ram a um má­ximo de 13 ni­nhos em 1977 e que aca­ba­ram com 1 em 2001, úl­timo ano com cria con­fir­mada. Como ve­mos a pre­sença de aves ni­di­fi­can­tes está sub­me­tida a con­tí­nuas flu­tu­a­ções por cau­sas di­ver­sas, nem sem­pre re­la­ci­o­na­das com in­ter­ven­ções humanas. 

Os an­fí­bios das Ilhas Sies en­tra­ram em si­tu­a­ção crí­tica. Até este sé­culo, exis­tiam só duas es­pé­cies, ora uma de­las, o dis­co­glosso-ibé­rico (Discoglossus gal­ga­noi), um pe­queno sapo com as­pecto de rã, muito abun­dante na Galiza con­ti­nen­tal, con­si­dera-se já ex­tinto no ar­qui­pé­lago. Também a sa­la­man­dra-de-fogo (Salamandra sa­la­man­dra) de­sa­pa­re­ceu re­cen­te­mente das ilhas de Santo Estêvão e Monte Agudo e só so­bre­vive em es­casso nú­mero na de S. Martinho. O de­clí­nio dos an­fí­bios nas Sies deve ser atri­buído, fun­da­men­tal­mente, à di­mi­nui­ção de ha­bi­tats aquá­ti­cos re­la­ci­o­nada com as re­po­vo­a­ções flo­res­tais. As úl­ti­mas sa­la­man­dras da ilha de S. Martinho pos­suem umas pe­cu­li­a­ri­da­des úni­cas. Apesar de te­rem sido en­qua­dra­das na su­bes­pé­cie gal­laica, têm há­bi­tos diur­nos e são vi­ví­pa­ras (pa­rem em terra crias com­ple­ta­mente me­ta­mor­fo­se­a­das e não lar­vas aquá­ti­cas). Este vi­vi­pa­rismo, que par­ti­lham com as sa­la­man­dras da ilha de Ões e das su­bes­pé­cies can­tá­brica (S. s. ber­nar­dezi) e pi­re­naica (S. s. fas­tu­osa), é ab­so­lu­ta­mente ina­bi­tual no resto da área de dis­tri­bui­ção da espécie. 

De en­tre as 7 es­pé­cies de rép­teis, que en­con­tra­mos nas Ilhas Sies, des­taca-se o es­cinco-ibé­rico (Chalcides be­dri­a­gai), um la­garto com pa­tas ru­di­men­ta­res, raro na Galiza e sem­pre li­gado a re­giões de clima cálido.

No en­tanto, o ver­da­deiro te­souro na­tu­ral das Sies fica sub­merso. São as suas des­lum­bran­tes pai­sa­gens sub­ma­ri­nas que man­têm uma bi­o­di­ver­si­dade ex­tra­or­di­ná­ria. Estes fun­dos ma­ri­nhos po­dem ser clas­si­fi­ca­dos em qua­tro ti­pos prin­ci­pais: Fundos de ro­cha, de areia, de cas­ca­lho e de maërl. Os ban­cos de mäerl, os mais ame­a­ça­dos, acham-se en­tre as ilhas de Santo Estêvão e São Martinho e são ge­ral­mente com­pos­tos por Phymatolithon cal­ca­reum e, em muito me­nor pro­por­ção, de Lithothamnion co­ral­loi­des. Estas al­gas ver­me­lhas co­ra­li­ná­ceas ofe­re­cem uma es­tru­tura tri­di­men­si­o­nal que atua como subs­trato e re­fú­gio para uma grande di­ver­si­dade de es­pé­cies ma­ri­nhas, o que lhes con­fere um grande va­lor ecológico. 

O ver­da­deiro te­souro na­tu­ral das Sies fica sub­merso. São as suas des­lum­bran­tes pai­sa­gens sub­ma­ri­nas que man­têm uma bi­o­di­ver­si­dade ex­tra­or­di­ná­ria. Estes fun­dos po­dem ser clas­si­fi­ca­dos em qua­tro ti­pos prin­ci­pais: Fundos de ro­cha, de areia, de cas­ca­lho e de ‘maërl’

Nas Ilhas Sies a ve­ge­ta­ção clí­max de­ve­ria ser a as­so­ci­a­ção da car­va­lheira ter­mó­fila ga­laico-por­tu­guesa (Rusco acu­le­ati-Quercetum ro­bo­ris), não obs­tante esta flora po­ten­cial apa­rece em es­tá­dios in­ter­mé­dios de evo­lu­ção de­vido aos re­cor­ren­tes in­cên­dios e às plan­ta­ções de pi­nhei­ros, eu­ca­lip­tos e acá­cias-ne­gras (Acacia me­la­noxy­lon). Especialmente pro­ble­má­tica é esta úl­tima es­pé­cie polo seu ele­vado ca­rá­ter in­va­sor, co­lo­ni­zando mesmo sis­te­mas du­na­res, onde ame­aça ca­ma­ri­nhas (Corema al­bum), cra­vos-das-areias (Armeria pun­gens) e ou­tras plan­tas au­tóc­to­nes de alto in­te­resse ambiental. 

A he­rança do fran­quismo nas Síes foi um mo­nó­lito de ho­me­na­gem ao di­ta­dor e as re­po­vo­a­ções flo­res­tais. O mo­nó­lito, de va­lor ar­tís­tico nulo, foi der­ru­bado em 2008, no en­tanto, eu­ca­lip­tos e acá­cias ainda con­ti­nuam ali. Estão à es­pera do quê?

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