A alça dos preços energéticos trouxo consigo um incremento dos custes de produçom no setor gadeiro. Pensos e fertilizantes som os produtos que mais encareceram os seus preços, mas o impacto desta suba ainda pode ser maior nos próximos meses e evidencia a alta dependência do modelo hegemónico gadeiro dos combustíveis fósseis. Este aumento dos custes de produçom é mais um problema a enfrentar polo vacum de carne e de leite, que já venhem padecendo o problema dos baixos preços marcados polas indústrias e o contínuo feche de exploraçons.
A suba dos custes de produçom está a afogar ainda mais as exploraçons gadeiras de vacum produtoras de carne e leite. Samuel Formoso, responsável do setor vacum de carne do Sindicato Labrego (SLG), calcula que no último ano o total de custes de produçom incrementou-se entre 0,5 euros e 1 euro por quilo de carne produzido. “O setor gadeiro estava ao limite, mas com todo isto estamos mais ao limite todavia”, assegura.
No leite, a vice-responsável deste setor no SLG, Ana Rodríguez, expom vários dos incrementos que fôrom acumulando-se na sua exploraçom: um 51% mais no gasóleo agrícola, fertilizantes que quase triplicam o preço do ano passado, pensos que passárom de 266 euros/tonelada a 334 euros/tonelada… Assim como a suba da eletricidade. “E vai seguir subindo. Para qualquer granja isto implica muito dinheiro no mês e no ano”, salienta Rodríguez.
“O setor gadeiro estava ao limite, mas com todo isto estamos mais ao limite ainda”
Pola sua banda, o assessor agrogadeiro Xan Pouliquen estima que nas exploraçons de leite o incremento dos custes dos pensos pode situar-se entre os 3 e 5 céntimos por litro de leite e a suba do gasóleo poderá estar entre os 30 e 50 céntimos. “E depois está a luz, que já se notou o ano passado um pouquinho e agora notará-se mais”, acrescenta. Pouliquen salienta que “vai afetar mais ao leite que a carne, pois o leite merca mais e está mais pendente das cousas de fora”. Mas nom só, também adverte da suba de abonos e plásticos agrícolas. “Tanto em abonos como em plásticos já há tendas que estám com rutura de estoque. E a influência será maior nos momentos de trabalho porque há gente que acumulou e gente que nom”, acrescenta.
Pensos e fertilizantes
Para Formoso, produtor de carne, “o problema grave será agora na primavera, pois até agora estamos tirando com o que figemos no ano passado: os plásticos som os do ano passado, quando o petróleo estava a metade de preço, e o que estamos consumindo hoje é o que produzimos o ano passado”. “É nestes próximos meses quando se ensila, quando se fai a erva seca… e agora quando se começa a abonar”, indica. “O forte virá agora quando se comecem a mercar os plásticos novos, quando se comecem a encher os depósitos de gasoil, os cordéis… Todo depende do petróleo e com o que está subindo todo…”, acrescenta.
Samuel Formoso (SLG): “O problema grave será agora na primavera, pois até agora estamos tirando com o que temos feito: os plásticos som os do ano passado e o que estamos consumindo hoje é o que produzimos o ano passado”
Pola sua banda, a produtora de leite Ana Rodríguez acha que “o mais forte vai ser agora neste primeiro semestre”. Rodríguez pom especial atençom ao caso dos pensos e dos fertilizantes. Sobre os pensos, que dependem das grandes multinacionais importadoras de soja e milho, acha que o incremento vai ser acusado. Assim, expom que muitas exploraçons abastecem-se de pensos através de cooperativas, que estas já figérom umhas compras a altos preços, que repercutirám finalmente nas exploraçons gadeiras.
Porém, onde semelha que vam começar a cortar nos custes é no abonado e no emprego de fertilizantes químicos. Mas reduzir a fertilizaçom também tem os seus riscos. “Há gente que talvez está sobrefertilizando e entom nom lhe vai passar nada, mas se tu nom fertilizas ou nom botas algo de matéria orgánica pode ser que para o ano que vem tenhas menos comida própria para os animais”, expom Rodríguez. E acrescenta que “o normal seria aproveitar melhor a matéria orgânica que temos nas granjas para nom comprar fertilizantes químicos que em ocasions nom som necessários”. Pola sua banda, o assessor agrogadeiro Xan Pouliquen alerta da alta dependência que o atual modelo de produçom agrária tem dos fertilizantes químicos e salienta que sem estes o sistema nom é viável, polo que também considera que deixar de empregar os fertilizantes pod trazer riscos para as exploraçons.
E no agroecológico?
Pouliquen acrescenta que aquelas exploraçons que seguem os modelos agroecológicos padecerám um impacto menor perante esta suba de custes, ao serem granjas que trabalham com menos insumos. “De facto, é umha caraterística das granjas agroecológicas quando empregas pastoreio: se há umha variaçom grande dos insumos, resistem muito mais. Mas, também, quando há umhas condiçons boas tampouco se beneficiam tanto”, indica.
O assessor agrogadeiro Xan Pouliquen alerta da alta dependência que o atual modelo de produçom agrária tem dos fertilizantes químicos e salienta que sem estes o sistema nom é viável
Também salienta que o impacto da suba de custes em produçom ecológica dependerá muito do caso concreto, pois “depende das capacidades de gestom técnico-económica de cada umha delas. Há quem trabalha melhor e quem trabalha pior, como em convencional”. Ante a questom de se este momento pode ser oportuno para que haja granjas que decidam passar-se à produçom ecológica, Pouliquen mostra-se cético: “É umha decisom de muito calado, e se a gente está a atravessar problemas nom vam decidir mudar de sistema de produçom”.
Baixos preços e fechos
A atual alça dos custes de produçom soma-se aos problemas que tanto a produçom de leite e de carne de vacum leva anos a sofrer, sendo um dos fundamentais as vendas por baixo dos custes de produçom. Sobre o preço ao que as indústrias estám a mercar o leite às produturas, Ana Rodríguez, do SLG, salienta que “nas exploraçons de leite da Uniom Europeia subiu-lhes a média 6 céntimos o litro no ano passado. Aqui na Galiza nom subiu nem 2 céntimos o litro”. Também indica que o feche de granjas mantém-se constante. “Agora mesmo já ficam menos de 7000 mas o Plano Estratégico da Conselharia de Meio Rural prevê que fiquem umhas 4000 nos próximos anos”.
Rodríguez acrescenta que o momento atual é crucial para o setor do leite, pois é nestes primeiros meses do ano que se negociam os contratos com as indústrias que mercam o leite às produtoras. “Este é um setor bastante heterogéneo. As indústrias aproveitam-se disto e há muitas diferenças de preço, assim como muita diferença de custos entre as granjas. Antes havia uns preços similares entre várias indústrias mas agora há muitíssima diferença. Pode haver quase 10 céntimos por litro de diferença entre umha indústria e outra”, expom.
A produçom de leite em ecológico também está a atravessar problemas. Segundo indica o assessor agrogadeiro Xan Pouliquen, as indústrias leiteiras nom estám recolhendo leite a novas exploraçons em ecológico devido a umha estratégia de comercializaçom para manter as margens de lucro neste produto.
No setor da carne, Samuel Formoso, do SLG, afirma que também está presente o problema dos baixos preços que impedem cobrir custes de produçom. E acrescenta a falta de interesse das indústrias em levar adiante estratégias para a valorizaçom dos produtos cárnicos galegos. Ademais, denuncia que estám a debate novas normativas que poderám implicar um impato económico para as pequenas exploraçons. “Por exemplo, imos ter agora um problema com o decreto de purins e abonos, pois metem as pequenas exploraçons no mesmo baremo e para cumprir as mesmas normativas que as grandes exploraçons”, acrescenta Formoso.
Concentraçom de granjas
O descenso no número de exploraçons bovinas nom parou nos últimos decénios. Em 2008 estavam ativas umhas 49.355 granjas bovinas, das quais de carne eram umhas 26.363 e de leite umhas 13.546. E segundo as estatísticas do IGE, o número de exploraçom de gandeiria bovina em 2020 eram já 29.282, sendo os principais setores produtivos o da carne, com 18.879 exploraçons, e o do leite, com 6.568 exploraçons.
No cómputo geral das pequenas exploraçons bovinas as pequenas exploraçons mantenhem a sua presença. Das 29.282 granjas bovinas ativas em 2020 um 43% som de menos de 10 animais. Porém, vam medrando aquelas que contam com mais de 100 animais, de um 2,13% do total em 2008 passou-se a um 7,4% do total das exploraçons em 2020. Por setores produtivos, na carne as pequenas exploraçons continuam a manter a sua relevância, e no setor de leite o 50% delas situam-se em 2020 entre 30 e 99 animais, descendendo a quase a metade as granjas menores de 30 vacas e crescendo percentualmente aquelas que tenhem mais de 100.
O descenso de exploraçons bovinas nom parou nos últimos anos. Segundo o IGE em 2008 estavam ativas umhas 49.355 granjas bovinas, e em 2020 eram umhas 29.282
Para Ana Rodríguez o problema da concentraçom de exploraçons, sobre todo no sector leiteiro, há que lê-lo em chave territorial: “O problema é que as exploraçons se concentram numha regiom mui específica, que é na zona centro da Galiza. O resto fica fora já do setor leiteiro. Afinal som as indústrias as que decidem muitas vezes quais zonas som produtoras de leite e quais nom, porque quando umha zona nom lhes interessa abandona-se a recolhida”.
Ana Rodríguez (SLG): “As exploraçons leiteiras concentramse na zona central do país. Afinal som as indústrias as que decidem muitas vezes quais som as produtoras de leite e quais nom”
Pola sua banda, Samuel Formoso expom como acha que estám a evoluir as exploraçons no setor de carne de vacum: “As pequenas afinal acabam morrendo por sim próprias, costumam ser de gente que está próxima à jubilaçom, ou está vinculada com outro setor e tem isso como umha atividade secundária. E no momento em que esse pessoa se jubila a exploraçom fecha. E essa terra novamente acaba aproveitando‑a o vizinho do lado, entom afinal na contorna nom se perdem animais. Mas se se perdem exploraçons afinal perdem-se postos de trabalho. Isso está acontecendo na maioria dos sítios”. Formoso considera a atividade gadeira umha atividade fundamental para manter populaçom no rural e frenar o seu abandono.
Para Pouliquen, a atual alça de custes de produçom pode acelerar os processos de concentraçom que se estám a dar no campo galego. Mas pontualiza que também as grandes gandeirias poderám ver-se em problemas, e que nom sempre as pequenas exploraçons som as que terám mais problemas. Sim que deteta umha especial vulnerabilidade nas estruturas pequenas que optam polos modelos intensivos, mas acha que poderám aguentar aquelas que optem pola produçom ecológica ou a pastos.
Transformaçons
Pouliquen acha que o que está acontecer com a aumento dos custes era algo anunciado “polo próprio funcionamento do capital”, e acrescenta que no setor do leite “desde a desregulaçom das quotas sabia-se que ia haver anos em que se ia ganhar muito dinheiro e anos em que se iam perder muito dinheiro”. “Isto nom é mais que um reflexo de umha situaçom que vai acontecer a cada vez mais. É a própria organizaçom mercantil do sector o que dá lugar a isso”, reflexiona.
Tanto Rodríguez como Formoso mencionavam a incerteza sobre o impacto que a escalada bélica na Ucrânia poderá ter nos preços, pois este país é um dos grandes celeiros de Europa.
Para Ana Rodríguez há bastantes aspetos que evidenciam o caráter insustentável da atual produçom gadeira. “Devera-se reformular toda a questom de trazer a proteína de além do Atlântico, é inviável, mas continua-se assim porque os interesses e os acordos comerciais som bastante fortes”, denuncia. Pergunta-se como poderá corrigir-se todo isto, mas nom há resposta clara. “Pode ser umha correçom ordenada ou pode ser que o preço dos fertilizantes, dependente do petróleo, suba a uns níveis tam altos que já nos obrigue a fazer umha reconversom ao grande”
Perspetiva histórica da modernizaçom agrária: das resistências à especializaçom
O atual modelo agrário hegemónico tem como umha das suas caraterísticas a especializaçom. As transformaçons que se deram no agro desde o final da II Guerra Mundial impugérom umha modernizaçom, aqui instaurada polo regime franquista, que afogou outras formas de viver e trabalhar no campo.
A historiadora Alba Diaz Geada tem investigado arredor da história social e agrária do nosso país e ubica na segunda metade do século XX umha intensificaçom nas relaçons de produçom capitalistas que promocionou o atual modelo de especializaçom agrária e gandeira. Nestes anos foi desenvolvida a Teoria da Modernizaçom, fornecendo de umha legitimaçom teórica aos processos de especializaçom e concentraçom. Assim, este processo dá-se para adequar o agro a umha sociedade de consumo ainda em construçom, e num marco de compreensom em que se supunha que umha sociedade moderna tinha que contar com umha populaçom agrária reduzida. “Portanto, as pessoas que trabalhavam na terra ou bem tinham que profissionalizar-se e especializar-se, ou bem abandonar o seu lugar e passar a ocupar postos de trabalho assalariado na indústria ou nos serviços noutro lugar”, expom Diaz Geada. Na década de 80, com o giro neoliberal, este modelo passará a fazer-se cada vez mais dependente de diferentes insumos. “Este modelo de especializaçom produtiva vai implicar umha maior dependência de energia e de insumos externos de todo tipo, que nom era algo próprio da maneira em que se relacionava com o gado o campesinhado anteriormente, que era um modelo muito menos dependente”, indica esta historiadora.
Este processo modernizador foi também um processo aculturador que foi incorporando o campesinhado nas dinâmicas industriais e empresariais. Mas Díaz Geada expom que esse modelo de especializaçom nom foi assimilado de jeito imediato polas labregas: “A realidade é que durante décadas as casas labregas em Galiza que tinham gado optárom por ter pequeninhos rebanhos mixtos de gado de trabalho, quedava um xatinho, algumha vaca de leite… e completando isso com o salário de algumha pessoa que tivesse um trabalho assalariado ou algum ofício, umha família podia reproduzir a sua vida. Mas a medida que nos adentramos numha nova fase isso vai ser a cada vez mais difícil”.
Esta historiadora nom quer dotar de inevitabilidade ao processo modernizador, que se encontrou com ambivalências e resistências no nosso páis. Assim, exprime que houve várias modernizaçons possíveis e que ainda hoje se podem recolher elementos provindes daquela agricultura prévia à especializaçom que sejam úteis para construir um novo modelo. “Às vezes nos interstícios encontram-se processos que permitiriam construir, e nom sempre passou o que alguns queriam que passasse, sempre houve modulaçons”, afirma. E deixa claro que existem possibilidades de mudança. “Nom todo acontece igual em todos os lugares nem a todos os níveis. Há muitas formas de fazer e muitas iniciativas concretas a desenvolver”, pensa e coloca como exemplo dessas iniciativas a compra pública de alimentos de proximidade.