A reivindicação nacional ganhou uma importante batalha cultural com o 25 de julho: há já muitos anos que, na Galiza, ninguém lembra o patrono da Espanha. Quem mais empenho tem na pervivência da Festa Nacional, habita graças a ela um oásis de soberania durante algumas horas. Quando a romaria passa e a miragem é desvendada, sentimos no corpo um vazio, uma nostalgia profundíssima, mas também a obriga de converter essa sensação em energia, em trabalho social, em potência criadora.
Com isto na mente, interrogo: essa força, imprescindível para o desenvolvimento de qualquer projeto de longo prazo… para onde é que vai?
O poeta libanês Khalil Gibran, no seu livro O profeta, descreveu o ser humano como um navio; portanto, com uma vela –a emoção– e um leme –a razão–. O valor da nossa força é inestimável e a silhueta que desenha nas nossas velas é formosa, mas de nada serve se não amarrarmos com firmeza o leme, se não tivermos claro o nosso roteiro. Corremos o risco, diz Gibran, de acabar navegando em círculos à deriva.
Neste Dia da Pátria houve um ditado que ecoou nos eventos organizados pelo independentismo: mudança de ciclo. Assim é percebido o momento atual pela militância e as pessoas simpatizantes. A estratégia anterior, a incluir a via político-militar, foi ensaiada e, com muitas vitórias às costas, pode dar-se por finalizada. Assim sendo, o momento atual impõe para todas nós o empreendimento de um novo caminho e, portanto, a tomada das decisões necessárias.
Sempre desde a modéstia, gostava de aproveitar este espaço para propor três linhas a levar em conta pelos distintos setores sociais na procura da independência nacional.
1- A transmissão intergeracional de conhecimentos, experiências e análises é fundamental para o crescimento e a aprendizagem. É nas conversas pessoais e no convívio demorado que as pessoas aprendemos das nossas companheiras, não só as jovens das mais velhas, como também no sentido contrário. Existem passeios muito mais instrutivos que qualquer jornada de formação, que qualquer livro por precioso que este for. Os hábitos comunicativos, os códigos, mudam como a cor das árvores e por isso devemos fortalecer os vínculos com as gerações que nos precedem e com as que nos sucederão, para minimizar a inelutável pegada da passagem do tempo. A celebração de eventos conjuntos devia passar a ser uma prioridade para o independentismo, mesmo por cima da formação mais padronizada ou mesmo de certo trabalho na rua.
2- Os mecanismos de reprodução com que o capitalismo espanhol normaliza o seu discurso, a sua proposta de vida e a sua realidade dificulta imenso o acesso a determinadas tradições ou fontes de conhecimento. Nós temos a obriga de as recuperar para ter um discurso próprio, para construir a nossa futura morada com as ferramentas próprias e não mais com as do inimigo. Pergunto-me, preocupado, quem serás tu que agora lês isto, qual será a tua idade, que estimo não inferior aos 30 anos e mesmo provavelmente superior aos 50. Esta proposta é para ti, naturalmente, mas também para a juventude, que não compra, não lê ou mesmo não conhece este jornal. São precisamente as reuniões com militantes doutras gerações que nos podem assistir como bússolas na procura daquele saber.
3- Por último, devemos entender que nenhum organismo vai conseguir a independência por si só. A viagem para a emancipação deve ser enfrentada não por um navio, mas por uma frota dirigida em irmandade. Por vezes, as carências percebidas no nosso roteiro fazem com que pretendamos preencher todos os défices, sem entender que as nossas forças são finitas. A nossa obriga como militantes não é conseguir tudo, mas saber o que é que podemos conseguir, por pequeno que seja, e planejar a consecução. Adega, Clara Corbelhe, Galizalivre ou o próprio Novas da Galiza são boas mostras desta especialização. Especialização, logicamente, que deve ser coordenada. Imagino, sequer para sonhar, uma plataforma galega pela independência, em que representantes dos distintos ramos do movimento, com as suas funções e as suas forças bem delimitadas, tracem os trilhos para a ação conjunta.
Eis três propostas, três ideias para a nossa frota corajosa. Sejam ouvidas ou desouvidas, por enquanto podemos lembrar o velho Fausto e continuar a viagem fazendo como ele diz: navegar, navegar…