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Joaquina Dorado mantivo-se fiel aos seus ideais”

por
Ricard de Vargas, his­to­ri­a­dor e bió­grafo de Joaquina Dorado | maria ál­va­res

Ricard de Vargas é his­to­ri­a­dor e au­tor en­tre ou­tros, do li­vro “Anarquismo e Libertaçom Nacional”. Militou no MIL (Moviment Ibèric d’Alliberament) com Salvador Puig Antich. Fai dez anos co­nhe­ceu Joaquina Dourado em Barcelona com a que es­ta­be­le­ceu umha ami­zade muito es­treita. Entre eles foi-se te­cendo umha cum­pli­ci­dade e ad­mi­ra­çom mú­tua. Fruto desta ami­zade sur­gí­rom lon­gas tar­des de con­versa em que a Joaquina lhes de­bu­xou, às ve­zes com re­ceio, parte da his­tó­ria do anar­quismo ca­talá do sé­culo XX. Ricard de Vargas abre-nos as por­tas da sua casa para en­tre­vistá-lo. Ali con­fessa-se um pro­fundo co­nhe­ce­dor da nossa lín­gua (parte da en­tre­vista está feita em ga­lego) e da li­te­ra­tura ga­lega.

Como co­nhe­ceste Joaquina Dourado?

Apresentárom-ma há dez anos, ela vol­vera de França no ano 92 para es­ta­be­le­cer-se em Barcelona de­fi­ni­ti­va­mente, mas nós co­nhe­cemo-nos em 2007 e co­lheu-me um ca­ri­nho es­pe­cial. De se­guida houvo umha iden­ti­fi­ca­çom ide­o­ló­gica muito forte. Apresentou-ma o Sumo, o fi­lho do seu com­pa­nheiro, Llibert Sarrau. Gostávamos de com­bi­nar para jan­tar e dava-nos a noite de­pois de fa­lar e falar.

Descobrim umha mu­lher tre­men­da­mente ativa, de feito en­car­re­gava-se cada ano da or­ga­ni­za­çom da ho­me­na­gem a Durruti. A Quima (como lhe cha­má­va­mos aqui) era umha mu­lher linda, mui viva, dis­creta e to­tal­mente fiel aos ide­ais re­vo­lu­ci­o­ná­rios até o fi­nal dos seus dias, mas tam­bém muito desconfiada.

Que sou­beste de Joaquina atra­vés das vos­sas conversas?

Como di­gem era muito des­con­fi­ada, nom gos­tava de fa­lar da guer­ri­lha dos anos 40 e 50, e mesmo cus­tava que fa­lara deste epi­só­dio. Ela, com mui bom cri­té­rio, pen­sava que nada mu­dara, para ela todo se­guia igual. Dizia que man­da­vam os mes­mos já que se­guiam os seus fi­lhos e ne­tos ocu­pando al­tos car­gos. Tinha umha des­con­fi­ança to­tal cara ao sis­tema e se­guia ainda, es­cru­pu­lo­sa­mente as re­gras da clandestinidade. 

Ademais, penso que é um traço ca­rac­te­rís­tico dos guer­ri­lhei­ros e guer­ri­lhei­ras anti-fran­quis­tas dos anos 40 e 50: nom que­riam dar-se im­por­tân­cia. Som gente que nom gosta de ne­nhum tipo de pro­ta­go­nismo, som pes­soas com von­tade anónima.

As guerrilheiras anti-franquistas dos anos 40 e 50 nom queriam dar-se importância. Som gente que nom gosta de nenhum tipo de protagonismo, som pessoas com vontade anónima.

A Joaquina di­zia que nom era umha pes­soa ex­tra­or­di­ná­ria, e que sim­ples­mente fi­gera o que ti­nha que fa­zer: com­ba­ter o fas­cismo na época que lhe to­cou viver.

E do ponto de vista da his­tó­ria, que im­por­tân­cia tem umha mu­lher como Joaquina Dorado no anar­quismo do sé­culo passado?

Ela é umha per­so­na­gem fun­da­men­tal para com­pre­en­der o anar­quismo do sé­culo XX .

Militou com o ma­qui Quico Sabaté e ainda que quem trans­cen­deu foi ele, na mai­o­ria das suas açons in­ter­véu a Joaquina, era umha mu­lher com pou­cos es­tu­dos mas com umhas ideias muito fir­mes e tre­men­da­mente in­te­li­gente. Entre o ano 55 e o 57 le­vam a cabo nu­me­ro­sas açons con­jun­tas (sa­bo­ta­gens e rou­bos a Entre banca para fi­nan­ciar pro­pa­ganda anti-fran­quista). A Joaquina en­car­re­gou-se muito tempo da lo­gís­tica do grupo de ma­quis do Sabaté, pro­por­ci­o­nava-lhe ca­sas onde aga­char-se e criou umha rede de co­la­bo­ra­do­res muito am­pla em Catalunya o que lhes per­mi­tia cru­zar a fron­teira fran­cesa (onde es­ta­vam exi­la­dos) com facilidade.

Ademais, edi­tou e es­cre­veu nu­me­ro­sos Artigos na Revista anar­quista “El Combate” que se re­par­tia clan­des­ti­na­mente em Barcelona.

Durante mui­tos anos fa­lava-se da “Nuri”como a mu­lher que acom­pa­nhava o Quico Sabaté, mas a Nuri era o nome que ti­nha a Joaquina na clandestinidade.

Isto é após a guerra, mas du­rante a re­vo­lu­çom anar­quista na Barcelona do 36 tam­bém jo­gou um pa­pel muito im­por­tante. Nom é?

Foto de grupo na pri­som de Les Corts, ano 1949. sen­tada, pri­meira à es­querda, Francisca Avellanet, anar­co­sin­di­ca­lista. Ao seu lado, tam­bém sen­tada ‑e as­si­nala com umha cruz- Joaquina Dorado | Arquivo fa­mi­liar de Joaquina Dorado.

Certo! A Joaquina chega da Corunha a Barcelona com 17 anos mas na sua ci­dade já par­ti­ci­para em di­ver­sas gre­ves de ma­ri­nhei­ros. Aqui chega com o seu pai e a sua mae no ano 34 e co­meça a tra­ba­lhar como en­ver­ni­za­dora e afi­lia-se ao Sindicato da Madeira da CNT, já par­ti­cipa da­quela em lui­tas sin­di­cais nas que con­se­guem me­lho­ras sa­la­ri­ais. Com 19 anos era umha mu­lher mui des­ta­cada na CNT e tam­bém funda no seu bairro, o Poble Sec as ju­ven­tu­des libertárias. 

Desta época ela fa­lava mais, e con­tava que pouco an­tes da re­volta mi­li­tar co­meça a trei­nar-se com ou­tros com­pa­nhei­ros para apren­der a dis­pa­rar por­que sa­biam o que pro­va­vel­mente aconteceria.

Quando se pro­duz o al­ça­mento mi­li­tar no 19 de ju­lho do 36 par­ti­cipa numha bar­ri­cada que con­se­gue fre­nar o avanço das tro­pas su­ble­va­das, após es­tes fac­tos, con­jun­ta­mente com ou­tros mem­bros do Sindicato da Madeira e as Juventudes li­ber­tá­rias apo­de­ram-se do cas­telo de Montjuic.

Frenam o avanço mi­li­tar em Barcelona, e que é da Joaquina?

Ela con­tava or­gu­lhosa o pro­cesso de so­ci­a­li­za­çom do ramo da ma­deira que pro­ta­go­ni­zá­rom as tra­ba­lha­do­ras: num ano pas­sou-se de 3000 a 7000 pos­tos de tra­ba­lho e me­lho­rá­rom mui­tís­simo as suas con­di­çons: cre­ches nas fá­bri­cas, bi­bli­o­te­cas, du­ches… A Joaquina con­tou-me como che­gava às fá­bri­cas e per­gun­tava: “onde está o dono?” Geralmente saia or­gu­lhoso, en­quanto ela res­pon­dia: “ a fá­brica agora per­tence aos tra­ba­lha­do­res, po­des fi­car a tra­ba­lhar como mais um ou marchar.”

Quando o se­cre­tá­rio do Conselho Económico da Indústria da Madeira, Manuel Hernández, tem que mar­char à fronte de Aragón ela ocupa o seu cargo. Neste mo­mento con­se­guem-se mui­tas me­lho­ras para classe tra­ba­lha­dora e na CNT fi­lia-se mui­tís­sima gente.

Pouco de­pois foge para a França…

Maio do 37 é chave em Barcelona, Joaquina lembrava‑o como a época mais do­lo­rosa da sua vida, perde o seu com­pa­nheiro que lui­tava na frente e a sua pró­pria vida tam­bém pe­riga: en­fren­tou-se va­rias ve­zes nas bar­ri­ca­das às for­ças es­ta­li­nis­tas e da Generalitat que que­riam fre­nar o pro­cesso re­vo­lu­ci­o­ná­rio posto em mar­cha pola CNT. Socorre em vá­rias oca­si­ons a mem­bros do POUM que lhe pe­diam ajuda…A ponto de per­der a guerra exila-se a França onde é detida.

Aqui passa por vá­rios cam­pos de con­cen­tra­çom, verdade?

Ao che­ga­rem à fron­teira foi in­ter­nada no campo de con­cen­tra­çom de Briançon mas con­se­gue fu­gir a Montpelier e de­pois vai pas­sando por di­ver­sos cam­pos mais até o de Recebidou de pri­si­o­nei­ros ale­máns a maos dos na­zis, mas tam­bém es­capa. Quando acaba a se­gunda guerra mun­dial cria El Grup d’Acció 3 de Maig e par­ti­cipa em di­ver­sas açons de apoio à re­sis­tên­cia. Nom cansa nunca de luitar.

Mas volta a Catalunha onde é jul­gada e en­tra na ca­deia, nom é?

Em agosto do 46 volta a Barcelona com o seu com­pa­nheiro Llibert Sarrau por­que ele ti­nha que fa­zer-se cargo do Comité de Propaganda das Juventudes li­ber­tá­rias em Catalunya, já que de­ti­ve­ram o an­te­rior res­pon­sá­vel. A Joaquina par­ti­cipa em di­ver­sas açons do Movimento Libertário de Resistência com Llibert Sarrau, en­tre as que des­taca a morte do Eliseus Melis, que era con­fi­dente da po­lí­cia. Em fe­ve­reiro do 48 é de­tida com o seu com­pa­nheiro e ou­tros três jo­vens anar­quis­tas. É le­vada aos ca­la­bou­ços da Chefia su­pe­rior da po­lí­cia em Barcelona, onde é tor­tu­rada des­con­tro­la­da­mente du­rante 18 dias. E ainda as tor­tu­ras, a po­lí­cia nom con­se­gue ti­rar-lhe in­for­ma­çom por­que in­ven­tam umha per­so­na­gem falsa ao que lhe car­re­gam toda a res­pon­sa­bi­li­dade. Entra na ca­deia das Corts em março desse mesmo ano e coin­cide com ou­tras com­pa­nhei­ras anar­quis­tas. Em no­vem­bro é posta em li­ber­dade, mas quando trata de fu­gir à França é de­tida no­va­mente junto com o seu com­pa­nheiro e re­gressa à ca­deia. Ali agra­vasse-lhe umha en­fer­mi­dade do rim (a causa das tor­tu­ras) e é posta em li­ber­dade para que morra com a fa­mí­lia. Consegue sal­var a vida gra­ças a um mé­dico na­tu­rista e a pe­ni­ci­lina que lhe con­se­guia a CNT clandestinamente. 

O que acon­tece quando sai da cadeia?

Sai, mas dous anos mais tarde é jul­gada no­va­mente com Llibert Sarrau por um tri­bu­nal mi­li­tar. Som con­de­na­dos a 20 anos ele e a 12 ela. A Joaquina re­duz a con­dena polo seu es­tado de saúde tra­ba­lhando na ca­deia como costureira.

Mas quero des­ta­car o juízo, ela en­frenta-se aos que a jul­gam, que ti­nham as es­pa­das acima da mesa, e di-lhes que os úni­cos que fi­gé­rom umha re­volta fô­rom eles con­tra a República es­co­lhida polo povo e nom nós. No juízo nom se vol­tou fa­lar de rebeliom.

Após sair da ca­deia, o que fai?

Marcha a França, e quando sai o seu com­pa­nheiro da ca­deia es­ta­be­le­cem-se ali. Incansáveis lui­ta­do­res fun­dam o MPR (Movimento Popular de Resistência), em 1962 co­la­bora na cri­a­çom de DI (Defensa Interior) que ti­nha como ob­je­tivo aca­bar coa vida de Franco, e tam­bém joga um pa­pel im­por­tante na mo­bi­li­za­çom em Paris con­tra um in­tento de golpe de Estado dos mi­li­ta­res con­trá­rios à in­de­pen­dên­cia de Argélia.

Finalmente volve a Catalunya quando morre Franco…

Volvem no 78 para ho­me­na­gear a Durrti, mas es­ta­be­lece-se em Barcelona no ano 92, era in­can­sá­vel… já em Catalunya tenta criar um cen­tro de edu­ca­çom libertário… 

O que se pode di­zer dela é que é um exem­plo de en­trega à luita constante.

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