Quebrar tópicos é um dos objetivos fundamentais nas organizaçons que trabalham para combater o racismo. No trabalho jornalístico também este devera ser um dos objetivos, mas muitas vezes dos meios de comunicaçom contribui-se a reforçar estes tópicos e a estigmatizar minorias. Àngel Garcia é foto-jornalista e leva desde novembro a trabalhar de perto com a associaçom dos Ex-Mena (menores estrangeiros nom acompanhados). Quando marcamos a entrevista deixa claro que ele nom é o protagonista e vem acompanhado da Lamiae Abassi, umha moça catalá de 20 anos de origem marroquino que leva tempo ajudando os menores que chegam sozinhos a Catalunha. Na entrevista partilham protagonismo para fazer umha diagnose do que nom funciona nos meios à hora de abordar temas relacionados com este recente fenómeno migratório.
Lamiae, vós sentides-vos refletidas com a imagem que transmitem os meios de comunicaçom quando falam de vós?
Lamiae Abassi: Nom, e explico-che o porquê: achamos que as pessoas que tenhem de falar do que lhes acontece som precisamente as protagonistas dos feitos. Todo o mundo fala de nós mas poucas vezes nos dam a oportunidade de expressar-nos.
Isto o que fijo foi criar muita desconfiança cara aos meios, porque desde o começo falou-se de nós em base a mentiras. Sempre saem as drogas associadas a nós. Também dim que nom queremos trabalhar nem fazer nada mais do que estar na rua ou roubar.
Outra cousa que criou muito malestar foi a atitude que tivérom alguns meios no nosso bairro, já que só procuravam fotografar-nos ainda que nom quigéssemos. Nas sextas-feiras, que é o dia santo da nossa cultura, um grupo de maes-coragem autoorganizaram-se para fazer jantar de graça e festejar. Era umha maneira de achegar-se aos rapazes e raparigas que acabam de chegar. Que figérom os meios? Soubérom disto, vinham e fotografavam. O que se conseguiu foi que estas raparigas desconfiassem das maes que estavam a fazer um trabalho incrível e mui necessário.
Que responsabilidade temos os meios de comunicaçom à hora de criar esta imagem?
L.A.: Eu acho que é mui importante ser objetivo, e o objetivo do jornalismo deveria ser explicar a verdade. A ninguém lhe convém a pequena mentira: nem a ti coma profissional, porque te desvalia, nem à pessoas a quem queres retratar, à que lhes podes fazer muito dano.
Ao final a resposta a todo isto é falar diretamente connosco.
Entom, nom dando-vos a palavra diretamente a vós, os meios podem reforçar o racismo?
L.A.: Sim, estes dias sofremos dous ataques racistas planejados e brutais. Um grupo de jovens entrou com paus a um centro de menores. Foi gravíssimo!
Os meios nom falárom com nós em nengum momento. Falárom com educadores, concelheiros, polícia e mesmo com os agressores. As agredidas nom tivérom a palavra. Imagina como é essa informaçom! Falta a parte mais importante para construir umha notícia ou umha reportagem.
E indubitavelmente, nom deixar-nos falar contribui a que haja mais racismo. Quando acontece isto, eu gostava de sair nos meios e que me escuitassem, que tenho muito a dizer sobre isto.
Os meios falam de vós como um problema recente e crescente. Estades de acordo com este diagnóstico da vossa apariçom?
L.A.: Nós nom somos nengum problema, o problema tede-lo vós. Que nos digam quais som os problemas que criamos nós. Se estamos na rua é por algumha cousa e este é o problema.
Somos nós as que sofremos os ataques racistas e as que recebemos todo esse ódio pola nossa presença. As instituçons nom funcionam como devem, e isso também é um problema da sociedade mas em nengum caso somos nós.
Sentides-vos confortáveis com a definiçom de Mena?
L.A.: ‘Mena’ quer dizer ‘menor nom acompanhado’ mas há também maiores nom acompanhados. Isto finalmente é tema de formalidade, necessitavam nomear-nos de algumha maneira. Mas eu o que quero é que me chamem polo meu nome, que é o que queremos todas.
Nós mesmas nas redes sociais também nos chamamos Ex-Menas, o ex ajuda porque quer dizer que já o deixamos atrás.
É a nossa umha sociedade racista?
L.A.: É, claro, isso o podes comprovar cada dia: os comentários na rua, a tele, os filmes… O racismo está por todas as partes. Da mesma maneira que vivemos numha sociedade machista, também é racista. E ademais todo o mundo o sabe, nem fai falta dizê-lo.
O que é importante dizer é que quando tu recebes todos estes inputs sobre ti é normal que nos mostremos hostis, desconfiadas e mesmo agressivas sem sê-lo. É umha maneira de proteger-se. Pensa que as menores chegam cheias de medo, depois de umha viagem muito dura com mil riscos e apareces numha selva. Nada é semelhante à tua cultura nem ao teu país e nom conheces ninguém. A maneira de sobreviver é fazer-te a dura.
Qual devera ser a nossa maneira de receber estas raparigas?
L.A.: Eu o que trato é de achegar-me e perguntar. Tratar de que a pessoa se sinta bem comigo. Isto é básico porque se nom já estás a criar muitíssimas dúvidas e receios.
Sei que somos jovens e às vezes tratar connosco nom é simples porque nom gostamos de que um adulto se nos achegue, já que partimos de milhares de desconfianças.
Mas para que servem as entidades dos bairros? Para fazer atividades para facilitar a integraçom. Eu utilizei muito a praça do meu bairro para fazer atividades para atrair a todo o mundo: moços, crianças, pessoas idosas… E que se consegue com isto? Ao dia seguinte vai haver um ‘olá!’ entre umha pessoa que leva aqui vinte anos e outra que acaba de chegar e ontem estava mui nervosa.
Àngel, que consideraçons achas que temos que ter em conta as jornalistas para abordar o fenómeno migratório?
Àngel Garcia: O jornalismo é mui simples. A Lamiae, sem ser jornalista, dixo-cho. Trata-se de procurar a verdade. Para isto há que ir às fontes, que é o principal peso que tés à hora de vestir umha reportagem tanto visual como escrita. Portanto, há que falar com elas, que elas expliquem por que se constituem em associaçom, por que se chamam assim, que foi o que lhes levou a criar esta associaçom ou por que tenhem de visibilizar esta protesta contra o racismo e a islamofobia.
Eu quando começo a retratá-las, muitas jornalistas contatam comigo. O primeiro que vos digo a todas é que se queres fazer um tema sobre elas é importante que fales com elas.
Eu podo dar-te a minha a visom mas as protagonistas som elas, e a minha visom nom vai ser objetiva porque falo desde a minha posiçom de branco, homem e ocidental. Eu nom vivim tampouco um processo migratório.
Quando as conheces e lhes dás a palavra, já se desmontam os primeiros tópicos. Para começar as vozes som todas mulheres…
A.G.: É mui interessante o papel delas. Quem leva a voz cantante dentro da associaçom som as mulheres. Isto ademais rompe uns estereótipos brutais. Primeiro por ser mulheres, e segundo por como está estigmatizada a mulher magrebina. A imagem que tem todo o mundo da mulher magrebina é a do pano, umha mulher arrodeada de crianças e sem voz. Isto é o destacável porque desta maneira também se dá voz a umha luita feminista silenciada.
Quando se fala deles a imagem que normalmente nos vem cabeça é dum moço duns quinze dezassete anos criado na rua…
A.G.: Um exemplo, quando contatei um concelho para fazer umha concentraçom e umhas palestras o concelheiro dixo-me: “Bom, quando venham eles…”, e eu digem que nom som eles, som elas. Ele alucinou. E por aqui temos que começar. Som elas as protagonistas. Os homens estám em segundo plano e ademais sentem-se a gosto com a sua luita e confiam plenamente nelas. Esta é a importância.
O discurso delas também tem muita força. Achas que estám a mover consciências?
A.G.: Sim, mas o mais destacável delas é a experiência da rua. Elas estám a fazer trabalho de educadoras com as recém chegadas. Encontramo-nos com que os educadores de aqui nom estám preparados para achegar-se a elas nem sabem árabe. Entom como te podes comunicar com elas? E se acrescentas que som menores, que nom venham acompanhadas, que a sua cultura é muito diferente da nossa, que venhem com todos os medos do mundo…
Acho que também é importante que as pessoas educadoras podam ser magrebinas e mais numha sociedade com diversidade cultural coma é Catalunha. Se as menores que chegam podem olhar traços comuns nas pessoas que os recebem rompem-se muitas barreiras.
Penso que em trabalhos a pé de rúa a universidade nom é o mais importante. Serve para dar-che umha base teórica mas acho que é muito mais importante ter referentes e gerar confianças desde o começo.
Se sempre tenhem referentes brancos, na escola, nos centros de menores, nos hospitais… recebes a mensagem de que se vés de fora nunca vás chegar a poder ser mestra, educadora, médica…
Figeche umha campanha conjuntamente com os ‘Mena’ dirigida a sensibilizar a sociedade em geral, mas também os meios sobre as mentiras que giram arredor do termo ‘Mena’. Fala-me dessa campanha.
A.G.: A campanha sai delas. Decatárom-se de que por culpa dos meios a sociedade estava entrando nuns estereótipos que se repetem, e através da sua repetição convertem-se em verdade. A campanha parte dumha experiência prévia similar já feita polo sindicato de manteiros que tem dado os seus frutos.
A campanha está baseada em quebrar cinco mentiras associadas aos menores nom acompanhados, que som: que roubam, que se drogam, que nom querem trabalhar, que se som pobres nom podem ter telemóveis e que gostam de estar na rua todo o dia sem fazer nada.
L.A.: Ninguém gosta de dormir na rua. Eu convidava todo o mundo a passar umha noite a dormir na rua, a ver se depois pensas igual!
A.G.: Basicamente, é umha campanha para reeducar a sociedade e conseguir que pouco a pouco se rompam estes estereótipos.
Os meios constroem umha realidade para cada parte, umha para as brancas e outra para as muçulmanas e as negras?
A.G.: Os meios clássicos constroem a mensagem antes do que a reportagem. Isto é muito evidente nas notícias de migrantes ou nas de atentados. Quando falam de migrantes som notícias de sucessos, nom falam de açons em positivo. Olha o que aconteceu com Nova Zelândia, deu-se mais voz ao assassino do que às vítimas.
L.A.: Quando é aqui, nas Ramblas ou em Paris, fala-se das famílias, de como eram e quem eram as vítimas. Se som muçulmanas som de segunda categoria.
A.G.: E o que aconteceu com o ataque xenófobo ao centro de menores de Castelldefels nom tem nome. Nom há ninguém na cadeia, tentou-se diluir como se fosse umha peleja entre moços. Se um muçulmano entrasse com paus e armas numha escola de brancos seria gravíssimo!
Afinal baseia-se todo no dinheiro. Falar em positivo das migrantes nom vende. Eu ofereci fotos das concentraçons dos ‘Mena’ para combater o racismo a vários meios e nom as quigérom. Só a dous dias após o ataque, por se “se liava”.
Achas que a palavra ‘Mena’ umha conotaçom negativa?
A.G.: Ao princípio nom, só quer dizer ‘menor estrangeiro nom acompanhado’. Quando eu comecei a publicar cousas delas, as pessoas nom sabiam o que quer dizer e todo o mundo perguntava o significado. Em questom de semanas já todo o mundo sabe o que é. Qual é o problema? Como se focou em determinada maneira, distorceu-se e agora há umha relaçom direta entre ‘Mena’ e menor delinquente, que busca problemas, que agride sexualmente e que rouba. Destrói-se totalmente o conceito. Agora ninguém quer que a chamem assim.
Começa com umha definiçom académica, depois dilui-se e agora todo o mundo pensa que um ‘Mena’ tem de acabar na cadeia. O mais grave de todo é que no meu inconsciente nem deteto que falo dum menor. A degradaçom do termo é tal que conseguiu fazer-nos insensíveis.