Indefensom e manipulaçom marcam o juízo a doce independentistas galegos que enfrentam 12 anos de cárcere
Entre polícias e togas aparece umha mulher com um lote de fólios, solícita.
- Desculpem. Tenhem que despejar a sala até o juiz entrar e declarar pública a sessom.
Os acusados e as acusadas permanecem sentadas e guardam distância de duas cadeiras entre elas, distância social num juízo em tempos da covid. Quatro polícias, um em cada esquina, rodeiam-nos. O fiscal e os advogados defensores estám diante, aos lados, em cubículos separados por biombos de cristal. Diante, a presidência, que demora.
O espaço mais amplo da sala é um retángulo vazio que separa o tribunal do banco dos acusados, com os letrados das partes aos lados. Esse vazio é o muro que media entre a Justiça e os súbditos, permanentemente suspeitosos de conspiraçom contra as bases do Estado. A Justiça é esse guardiám à entrada do castelo.
Entram duas mulheres togadas que escoltam um homem togado miúdo e corcovado que quase desaparece detrás do estrado ao sentar e o que permanece é umha testa longa e maos longas entre as pontilhas das mangas. O temido juiz Guevara. Volta a funcionária, solícita.
- O público pode ir entrando.
Som as dez e vinte da manhá dumha segunda-feira seca e fria, menos fria do que costuma ser o outono castelhano, num polígono de Sam Fernando de Henares (Madri) num prédio chato agochado numha parcela entre naves abandonadas e fincas a monte. Quase sem tráfego. Onde as acusadas e os acusados chegam a pé num passeio rápido desde Torrejón de Ardoz, confinado estes dias como toda a área da capital do Estado. Em Torrejón a gente move-se às presas para colher o trem cara a algum ponto da cidade, os hotéis som baratos e ninguém sabe que no polígono do lado num edifico grisalho meio escondido tem lugar umha representaçom política da luita entre o poder e a dissidência.
O público som quatro ativistas que percorrérom de carro a noite anterior mais de seiscentos quilómetros desde a Galiza. O cenário é a Audiência Nacional.
O final está escrito
O final do juízo está escrito, dim os acusados [mas nom podemos informar dele porque quando se escrevem estas linhas a sentença ainda nom é publica]. Em realidade, a vista que começa essa segunda-feira de meados de outubro é o segundo ato dumha representaçom que começou em 2015, quando a Guarda Civil detivo nove pessoas na Galiza no que baptizárom como ‘operaçom Jaro’ e os meios massivos explicárom que se tratava dumha redada contra a estrutura política dum grupo terrorista denominado Resistência Galega, que nascera administrativamente dous anos antes quando o juiz Guevara ditou sentença num processo contra independentistas galegos.
Na Jaro aparecem como investigados sete membros de Causa Galiza e duas ativistas vinculadas ao independentismo galego. Detenhem-nos, trasladam-nos a Madri, som interrogados na Audiência Nacional e ficam pendentes de juízo. Dous anos depois, em 2017, a Guarda Civil detém outras três pessoas, ativistas de Ceivar. Detenhem-nos, trasladam-nos a Compostela, mas nom os interrogam. Uns meses antes do juízo, os doce conhecem as penas que enfrentam: petiçons de cadeia de até 12 anos, multas e inabilitaçom civil por enaltecimento do terrorismo e organizaçom criminal para cometer o delito de enaltecimento.
Uns meses antes do juízo, os doce conhecem as penas que enfrentam: petiçons de cadeia de até 12 anos, multas e inabilitaçom civil por enaltecimento do terrorismo e organizaçom criminal para cometer o delito de enaltecimento.
Na Galiza desata-se umha vaga de solidariedade sem precedentes mais insuficiente para influir na opiniom pública. Os advogados advertem que o tribunal que julgará o caso é um tribunal de exceçom herdeiro do TOP que se consolidou como martelo contra ETA e que opera com um método invariável para construir o objeto investigado, pré-julgado e empacotado para sentença condenatória. Umha lógica implacável. Inquisiçom.
Assim acaba o segundo ato
- “Retírese!”, brama a voz de Guevara desde detrás das pontilhas.
Ugio Caamanho (acusado nº 10) acaba de pronunciar um adjetivo proibido no castelo da Justiça espanhola. O fiscal pedira para ele, ex-preso, no banco como membro de Ceivar, 12 anos de prisom por “integraçom em organizaçom criminal” e “quatro delitos de enaltecimento do terrorismo”. As provas: ter participado em quatro recebimentos a presos (2008, 2011 – o seu próprio recebimento –, 2012 e 2017) e estar em possessom de documentos como borradores de comunicados, cartas a jornais e missivas de presos, “incautos” pola Guarda Civil.
Na quinta e última sessom da vista, Caamanho tomou a palavra para se defender. “Neste juízo o que está baixo acusaçom é o direito dos galegos a participarem em política, e também a solidarizar-se com os perseguidos políticos…”, começou. “É difícil explicar a um inquisidor em que consiste a…”
“Neste juízo o que está baixo acusaçom é o direito dos galegos a participarem em política, e também a solidarizar-se com os perseguidos políticos…”, alegou Ugio Caamanho
- “Retírese!”, bramou a voz detrás das pontilhas. Visto para sentença.
Isso sucedeu na terça-feira 3 de novembro, quinze dias depois da primeira sessom do juízo. Foi um feche expressivo que uniu numha linha do tempo a Inquisiçom com o franquismo e a democracia vigiada. Quinze dias antes, aquela segunda-feira seca e fría, umha hora antes de que a Audiência Nacional abri-se as portas do tribunal, os acusados, no passeio e perante a polícia nada solícita, o acusado nº 3 (petiçom de 12 anos por ter participado em recebimentos a presos, num deles dixo – segundo o escrito de acusaçon: “A luita continua”, isso foi em 2009, e em 2010 também falou, e no recebimento de Ugio em 2011 sublinhou – segundo a acusaçom – o compromisso daquele, e em 2012 também se expressou no de H. M., e também lhe fôrom incautados papeis e manifestos sobre os que a Guarda Civil aplicou o método que aparentemente consiste numha leitura entre linhas para inferir desejos de atacar as bases do Estado), Óscar, fuma inquieto e nom perde a esperança. “O final está escrito, sim, mas…”.
Contra o inevitável
Contra o inevitável final rebelam-se os acusados e as acusadas. Rebela-se Joám Peres Lourenço, militante de Causa Galiza, acusado nº 1 com penas de 12 anos apontados quatro delitos de enaltecimento por participar em atos, etc., que nas semanas previas ao juízo e nas semanas posteriores fala nos meios que querem escuitar e sustém a tese de que eles som vítimas dum tribunal que se especializou em reprimir um terrorismo que já se apagou e agora persegue um fantasma. Joám di num bar dum hotel de Torrejón a segunda ou terceira tarde do juízo, um bar sem café polas restriçons, com o móbil apagado porque está até arriba do whatsapp, em roupa de desporto porque está canso, porque as tardes som frias e todas iguais em metade dum juízo longe da casa e depois de carregar anos com umha ameaça que espanta, di que desde que ETA abandonou as armas os tribunais espanhóis ditam mais sentenças de enaltecimento do terrorismo que nunca. E pensa que a eles lhes estám a aplicar a teoria do “entorno”, o método que constrói objetos empacotados para a condena e a reproduçom.
Peres Lourenço tomará a palavra na quinta-feira, ao remate da quarta sessom, para dizer que seja qual for a sentença eles continuarám a trabalhar pola independência da Galiza como patriotas galegos.
Joám Peres, encausado nº 1 com penas de 12 anos, di que desde que ETA abandonou as armas os tribunais espanhóis ditam mais sentenças de enaltecimento do terrorismo que nunca.
- “Basta de mitins políticos”, interrompe o juiz Guevara com enfado, após quatro sessons a escuitar paciente as testemunhas do fiscal fazer juízos políticos para tratar de incriminar os independentistas galegos, num delito de enaltecimento e noutro de organizaçom criminal, e de passo ilegalizar Causa Galiza e Ceivar. Apontando como evidencia, de nom se sabe moi bem o quê, “a multimilitância”, um conceito inventando para explicar o tribunal que os súbditos som mais perigosos canto mais ativos. Ou o conceito de “independentismo radical”, para carregar com um prejuízo umha opçom política tam lexítima como outra qualquer. Ou chegar ao delírio – consentido pola voz togada detrás das pontilhas – de manter que um rapaz que fai pintadas no muro dum banco, com um pouco de financiamento, o que faria seria pôr umha bomba… E isso dixo o chefe da investigaçom da Guarda Civil diante da Audiência Nacional e nem ao juiz nem ao fiscal lhes pareceu anormal porque esse é exatamente o ponto de vista desde o que se julga a dissidência no Estado espanhol.
Brais González, um dos advogados da defensa, resumiu-no numha fórmula o último dia: “pintada+financiamento=bombas”. Ergo, terrorismo. O terrorismo incipiente num bote de pintura, num tweet, num rascunho dumha proclama política. Assim nom há defensa possível. O final está escrito e Guevara só tem de botar umha assinatura.
O único que lhes resta
O direito a rebelar-se é o único que lhes resta às acusadas e aos acusados antes de entrarem na sala, enquanto botam um cigarro acompanhados por um deputado do BNG e umha senadora de Bildu, defendidos mais tarde polos testemunhos de Vence e Lobeira, líderes do nacionalismo que consinte o Estado, e defendidos polos testemunhos de historiadores que participárom nesses mesmos atos polos que os independentistas sentam na segunda, terça, quarta e quinta-feira, um outono seco e menos frio do que outros outonos a centos de quilómetros da casa, rodeados de polícias e escuitando o serviço de inteligência da Guarda Civil cuspir argumentos dignos de ‘Mortadelo e Filemón’, atos em que os historiadores falárom de cousas parecidas, do que acontece na Galiza hoje, o ano passado, a década passada e os séculos passados, que há gente, pouca, arredistas desde Fuco Gómez, que o fôrom Celso Emilio e Luís Soto, e som Joám, Irinha, Antom, Borja, Óscar, Ugio, Afonso, Henrique… homens e mulheres que pensam hoje, honestamente, que a liberdade está na independência do país e que a independência é umha causa justa e mesmo pensam que há cousas que estám dispostos a sacrificar por essa causa.
Pensar nom é delito, e contra a perseguiçom do pensamento há que rebelar-se ou morrer… porque assumir o silêncio é umha morte civil, e de silêncios em longas noites de pedra sabemos muito no país, como contam os historiadores que nom fôrom detidos nem acusados nem sentam no banco nem precisam vagas de solidariedade imensas e indignadas para parar esta barbárie, o novo rosto da barbárie, que se parece muito com os anteriores, inquisidores, fascistas e assassinos normalizados nesta democracia vigiada.
A batalha sempre é tática
A batalha nestes campos sempre é tática. Ugio e o seu defensor, Brais González, colhêrom com o pé trocado o fiscal no primeiro dia. Ugio decidiu responder as perguntas do fiscal e o fiscal nom sabia quais perguntas lhe fazer. Assim que o acusado conduziu o interrogatório e deixou em evidência o interrogador. “Ceivar nom admite que exista umha organizaçom armada na Galiza chamada Resistência Galega”, tivo ocasiom de responder Caamanho em duas ocasions. “Em Ceivar nom fazemos avaliaçons sobre a acusaçom que pesa sobre as pessoas presas com as que nos solidarizamos”, assinalou, e precisou, “o que defendemos som os direitos que lhes som negados às presas e aos presos, defendemos presos políticos, sindicalistas… defendemo-nos a nós mesmos [em referência aos doze que sentavam no banco] porque hoje mesmo estivemos a denunciar que este é um juízo político”. Guevara deu por rematada a primeira sessom nesse ponto para dar ao fiscal a oportunidade de preparar melhor o ataque.
O segundo dia começou a funcionar o aparato mediático. Os acusados almorçárom nos hotéis de Torrejón com as crónicas da prensa galega. “Al banquilho por apoyar a Resistencia Galega”, titulou o Faro de Vigo avançando a sentença. E La Voz informava de que “los acusados de enaltecer a Resistencia Galega alegan que organizaban sin jefes sus actos propagandísticos” acrescentava a nova a propósito dum “material intervenido en un depósito logístico de Resistencia Galega”, em Coimbra. Demasiado grosseiro em tempos de Twitter e Facebook.
O discurso final do fiscal, o quarto dia, foi igual de grosseiro. Começou citando a causa contra La Insurgencia como argumento de autoridade. “Fôrom declarados culpáveis o autor da música, o da letra, os intérpretes, os encarregados da gravaçom, a pessoa que realizou o logo e as que difundírom a peça através de internet. Considerou-se responsável a todo aquele que participou na organizaçom do ato em que se proferírom as expressons”.
Se eram atos públicos, comunicados, consentidos, mesmo vigiados pola polícia, e nunca se suspendérom nem dérom lugar a sançons nem a atuaçom das forças e corpos de segurança, por que se julgam agora?
Por que nom detiverom logo todos aqueles que participárom nos atos polos que doze pessoas sentam no banco? Perguntárom com insistência as defensas. Se eram atos públicos, comunicados, consentidos, mesmo vigiados pola polícia, e nunca se suspendérom nem dérom lugar a sançons nem a atuaçom das forças e corpos de segurança, por que se julgam agora?
A única explicaçom possível é a que nom se admitiu. O juiz nom admitiu as defensas qualificarem a investigaçom como prospetiva, ou “sair de pesca a ver que cai”. E o que caiu fôrom documentos, publicaçons, tweets, fotografias de felicitaçons de aniversários, faixas, cartas entre amigos, discursos políticos… que os investigadores tinham que editar e ordenar para chegarem a construir o discurso do “entorno”, “multimilitante” e “enaltecedor” e meter presas doze pessoas que nom se agocham porque mantenhem posiçons políticas lícitas numha democracia real.
Umha explicaçom verosímil
O advogado dos nove militantes de Causa Galiza, Manuel Chao, dixo na sua defensa final: “Na nossa sociedade nom tem sentido um modelo de democracia militante. O próprio Constitucional di que em política é legítimo discrepar do ordenamento e da constituçom, com o limite dos bens ou direitos relevantes… Pois digam-me quais bens ou direitos com relevância constitucional fôrom agredidos nesses atos de celebraçom do Dia da Galiza Combatente ou nos recebimentos a presos? Nengum. Os relatos históricos nom se mudam eliminando a dissidência política. Pense o que pensar, a Fiscalia tinha de ter desligado a causa da política. Causa Galiza defende a autodeterminaçom. Espanha tem subscrito um pacto internacional em que se contempla esse direito. Causa Galiza tem umha ideologia pacífica, mas a Fiscalia parece que busca umha sentença exemplarizante, lançar umha mensagem à sociedade para suprimir certas ideologias. Por que nom deixamos que intervenha antes o direito administrativo? Se os atos estavam legitimados e se venhem celebrando com continuidade, por que durante vinte e cinco anos nom houvo multas e fôrom legais? Deixárom de sê-lo em 2014 e 2015? Os Estados fortes e consolidados nom perdem o tempo nestas cousas”.