A crise do trabalho assalariado e o incremento das desigualdades sociais costumam ser alguns dos argumentos dos movimentos que desde a esquerda apostam numha renda universal para garantir umha vida digna.
“É importante que a renda básica nom a implantem as multinacionais. Há que reivindicá-la dumha perspetiva de avanço social e conectar com diversos agentes sociais que até agora nom recolhêrom esta demanda. Infelizmente, nom está ser a esquerda a que está a mobilizar a ideia da renda básica a nível global”. Assim adverte Duarte Crestar, do coletivo Pola Renda Básica Universal (RBU) de Compostela, de que a reivindicaçom da renda básica nom é apenas dos coletivos que se mobilizam por umha vida digna, mas que também existem propostas de renda básica que entroncam com a tradiçom liberal e que surgem dos centros de poder do atual sistema. Deste jeito, pode-se entender que quando se enuncia o binómio ‘renda básica’, está-se também a falar de umha reivindicaçom em que se manifesta a luita de classes.
A renda básica universal
O coletivo pola RBU de Compostela trabalha com o modelo que promove a coordenadora estatal Red Renta Básica Universal. Segundo o coletivo compostelám, esta proposta “tem três eixos principais: a universalidade, o facto de ser um rendimento económico e a sua nom condicionalidade”. Para este coletivo, a RBU seria umha renda outorgada polo estado “que garanta umha existência digna, que seja umha ferramenta para erradicar a pobreza e que se constitua como um novo direito das pessoas. Isto aumentaria a dignidade das pessoas para se relacionar com o mundo laboral e rejeitar trabalhos com más condiçons”.
A crise do mercado de trabalho é um dos argumentos com que este coletivo defende a sua proposta de RBU. Antonio Pérez, membro do coletivo compostelám, expóm que “está a haver um sistema de trabalho com uns índices de produtividade que estám a medrar, mas os salários e a jornada de trabalho encontram-se congelados desde há anos”. Pérez acrescenta que “a riqueza a nível global está a medrar mas o problema está na sua distribuiçom. A soluçom nom pode ser criar mais trabalhos, há que fazer propostas novas para criar pessoas mais livres e garantir um mínimo vital”. Aparece assim umha ideia fundamental nas propostas de renda básica que partem da esquerda: a ideia da redistribuiçom da riqueza.
Para RBU Compostela "umha cidade nom pode ter umha renda básica, tem que ser no mínimo um estado
As críticas estendem-se às atuais rendas mínimas de inserçom, tal como a Risga, que o estado outorga quando as pessoas demandantes cumprem umhas condiçons estritas, como nom terem rendimentos nem aforros, e que conta com contraprestaçons, pois a pessoa beneficiária da Risga terá que seguir um itinerário de inserçom. “A condicionalidade traz muitos problemas. Há potenciais beneficiárias que nom a recebem e há umha série de atrancos administrativos. Está o problema da estigmatizaçom, o qual desapareceria se houvesse umha renda básica universal”, afirma Duarte Crestar. Para ele, a implantaçom de umha renda destas caraterísticas passaria fundamentalmente por umha decisom política. “É necessária umha decisom política e um consenso social” reflexiona Crestar, “ umha cidade nom pode ter umha renda básica, tem que ser, no mínimo um estado. É precisa umha vontade social maioritária, depois o sistema técnico seria simples de aplicar”.
E que é o trabalho garantido?

Na própria esquerda aparecem também dúvidas e críticas a estes modelos de rendas básicas. Se bem que boa parte destas críticas ataquem as propostas que provenhem do liberalismo, as quais procurariam a aniquilaçom de serviços como a segurança social ou ensino público, também salpicam as propostas que vem na renda básica umha fórmula para atingir umha vida digna.
O sociólogo Henrique Lijó mostra-se próximo das teses da proposta de trabalho garantido, que no estado espanhol está a reivindicar especialmente a Izquierda Unida, e acha necessário ré-conceptualizar o trabalho, incluindo nesta definiçom aqueles que nom som produtivos mas que tenhem um rendimento social. “Por que a administraçom pública nom considera a hipótese contratar pessoas para dinamizar a vida nos bairros?”, pergunta-se Lijó.
Assim, Lijó expom críticas às rendas básicas polo seu caráter universal e incondicional e diz que “nom entenderia que entre todas estejamos a financiar pessoas que realizam atividades que nom som benéficas socialmente, como por exemplo a caça. A alienaçom no século XX dava-se através do trabalho. Mas por se libertar do trabalho, a gente nom vai comportar-se de umha forma ética. Atualmente, é através da sociedade de consumo como se manifesta a alienaçom”, acrescenta Lijó.
A proposta de trabalho garantido procura pôr nas maos das administraçons a contrataçom de pessoas para realizar um trabalho
A proposta de trabalho garantido nom contempla a implantaçom de nengumha renda de tipo universal outorgada polo estado, mas procura pôr nas maos das administraçons a contrataçom de pessoas para a realizaçom de trabalho. Lijó expóm que “a automatizaçom pode estar a produzir nichos de trabalho que há que suprir, mas som nichos nom rendíveis. Nom há nengumha rentista que se beneficie de que limpemos um rio ou cuidemos das nossas avós mas as administraçons públicas deveriam preocupar-se com este tipo de atividades”. Assim, Lijó acha também que a proposta de trabalho garantido é o bastante ampla para ser reconfigurada. “O trabalho garantido pode ser gerido polos concelhos e, portanto, ser gerido pola vizinhança. A minha proposta ideal seria que existissem vizinhas que se reunissem e decidissem as tarefas e o dinheiro que é necessário para as fazer. O estado serviria apenas de peto”, reflete o sociólogo.
A renda básica das iguais
Baladre, umha coordenaçom a nível estatal de pessoas e coletivos que luitam contra a precariedade e exclusom social, leva anos a refletir sobre umha renda básica universal e incondicionada e estám a elaborar a proposta da renda básica das iguais (Rbis). Manolo S. Bayona, de Baladre, indica que esta iniciativa “vai além da distribuiçom de recursos. É umha proposta de processo para colocar a centralidade da vida nas relaçons e é umha ferramenta que procura elementos para sair do sistema”.
A Rbis contaria com um fundo comum que pretende diminuir progressivamente a parte individual e desenvolver projetos comunitários
Em que consistiria essa renda básica das iguais? Algumhas caraterísticas seriam similares à da RBU, trataria-se de umha renda individual, universal e incondicionada, mas acrescentam que a quantia terá que ser de metade da renda per cápita do território em que se implante e apresentam a ideia de um fundo comum. Por palavras de Bayona, “esta renda entregaria-se em 80 por cento ao indivíduo e em 2o por cento a um fundo comum, com umha tendência a que a parte individual diminua e a comum aumente. Isto implica, entre outras cousas, a criaçom de mecanismos de decisom em comunidade, por exemplo, vizinhais. É um instrumento para desmantelar os sectores sociais parasitários da nossa força de trabalho e ré-apropriar-nos do comum e as relaçons. Na nossa proposta, quando cheguemos a 100% no fundo comunal o estado estaria desmantelado”.
As pessoas que desenvolvem trabalho político em Baladre sublinham que a Rbis é um processo, e é nesse processo de debate e de troca de ideias fora das instituiçons onde vám aparecendo linhas de trabalho e construçom de comunidade. Assim, Bayona acrescenta que a proposta da Rbis entrecruza-se com diversas iniciativas “como a criaçom de entidades financeiras alternativas ou todo tipo de processos emancipativos em paralelo. É importante também gerar debate social e acumular forças ao mesmo tempo que se deam passos”.
Muitas das gentes de Baladre participam em gabinetes de direitos sociais com pontos de informaçom e denúncia, o que lhes fai estar em contato com as pessoas que som demandantes e beneficiárias das rendas mínimas de inserçom e que recorrem aos serviços sociais. Assim, Bayona explica que “algumhas reivindicaçons primeiras de cara a essa RBis passam por melhorar a Risga, para que passe a atingir a quantidade de um salário mínimo e finalizar com as suas contraprestaçons”. A Baladre denuncia também o labirinto administrativo que o atual sistema implica para as pessoas demandantes de umha Risga, assim como as relaçons de dominaçom e controlo que se estabelecem entre os serviços sociais do estado e as pessoas beneficiárias da Risga, que vem a sua vida totalmente exposta.
Desde os centros de poder
A reivindicaçom de umha renda universal nom é só dos coletivos por umha vida digna
O facto de que os centros de poder económico globais, como o Foro de Davos, estejam a debater sobre a viabilidade de umha renda universal pode fazer suspeitar que, num futuro nom mui remoto, comecem a implantar-se. Porém, se nom houver uma mudança no rumo de entidades como a Uniom Europeia, todo parece indicar que esse modelo de renda básica nom será próximo dos modelos que se estám a debater do ponto de vista da construçom de umha vida digna para as classes populares, senom que dará resposta às necessidades de umha nova fase do capitalismo.
Economia feminista e renda básica
No trabalho que está a fazer Baladre de debate e indagaçom da sua proposta da Rbis estám a incorporar enfoques procedentes da economia feminista, chegando a publicar-se o livro Renda básica das iguais e feminismos. Da centralidade do emprego à centralidade da vida, da autoria de Mari Fidalgo, Alicia Alonso Merino e Rosa Zafra Lizcano. Umha delas, Mári Fidalgo, que participa deste coletivo na Galiza, salienta que a forma que tem Baladre de entender o trabalho político arredor da renda básica “vai na linha da premissa feminista de que o pessoal é político. Nos obradoiros e encontros que realizamos sobre a Rbis lançamos a seguinte pregunta: o que achas que mudaria na tua vida se o emprego assalariado deixasse de ocupar a centralidade?”. Fidalgo acrescenta que com estas questons procura-se “poder implantar já mudanças e propostas, recuperando espaço ao mercado e as suas lógicas durante o processo”.
Nos obradoiros, que levam por nome Umha olhada feminista a Rbis, as integrantes de Baladre costumam empregar a imagem do icebergue para explicar a estrutura do atual sistema de produçom capitalista-patriarcal: numha parte pequena visível por cima encontra-se o trabalho assalariado e as suas lógicas produtivistas, que se considera a via para o acesso a recursos e direitos. Mas essa parte encontra-se sustentada por outra maior, invisível e mergulhada, que é onde tenhem lugar os trabalhos de reproduçom, como os cuidados ou o trabalho doméstico, historicamente feminizados e que se encarregam de que a mao de obra da parte superior renove diariamente a sua força de trabalho, de que as pessoas satisfaçam as suas necessidades materiais e afetivas e a vida possa reproduzir-se em condiçons adequadas.
Com este trabalho de contato e de reflexom sobre o dia a dia das pessoas, procura-se pôr em causa vários dos pilares fundamentais do atual sistema como a propriedade privada, o trabalho assalariado e a família. Com a Rbis, explicam em Baladre, “trata-se de criar um direito a viver dignamente e portanto a satisfazer as necessidades através do acesso à riqueza que todas, de jeito direto ou indireto, contribuimos á produzir. Entendemos a riqueza como umha cadeia ampla onde também se encontram os afetos, cuidados, saberes, as expressons culturais…”.
Entendem que, com a criaçom desse direito individual, a Rbis contribuiria a luitar contra as violências machistas, pois através do seu trabalho com pessoas em risco de exclusom social detectárom que as mulheres empobrecidas padecem altas doses de violência, tanto direta como estrutural por parte de instituiçons como os Serviços Sociais.
Porém, as feministas que participam de Baladre salientam que há aspetos nos quais propostas como a renda básica ou o trabalho garantido tenhem umha incidência limitada, como podem ser a divisiom sexual do trabalho e a co-responsabilidade de homens e mulheres nas tarefas de cuidados, se nom forem acompanhadas de outras medidas ou compromissos. Daí a importáncia de se refletir sobre o dia a dia, os cuidados, as relaçons de poder que estabelece a ordem patriarcal e a vida que poderá viver-se se nalgum momento as pessoas tiverem as suas necessidades vitais cubertas.
Experimentando com as rendas básicas
Nos últimos tenhem-se realizado a nível global experimentos arredor da renda básica mas nengum deles se trata realmente de umha renda universal, incondicionada ou de umha quantidade suficiente para umha vida digna. Estas experimentaçons costumam procurar os efeitos que terá na relaçom das pessoas com o trabalho assalariado, mas encontram-se longe dos objetivos fixados por quem defende este modelo a partir da esquerda.
Em janeiro de 2017 foi lançada umha iniciativa financiada polo estado na Finlándia, país governado por umha coligaçom de partidos direitistas. Nesta experimentaçom fôrom substituídos todos os subsídios e prestaçons por umha quantidade fixa mensal para um grupo experimental de pessoas: umhas 2000 demandantes de emprego de 25 a 58 anos escolhidos ao acaso receberám 560 euros por mês durante dous anos. No fim destes dous anos, o governo considerará generalizá-la a toda a populaçom com o objetivo de substituir o conjunto de prestaçons e subsídios.
Outro projeto piloto na Europa está a desenvolver-se nalgumhas cidades dos Países Baixos, como Utrecht. Nesta vila umhas 250 pessoas, desempregadas ou beneficiárias de rendas mínimas de inserçom, fôrom divididas em cinco grupos, tendo cada um destes umhas condiçons diferentes. Assim, existe desde um grupo que continuará com as mesmas condiçons que lhes impóm o estado atualmente até outro que receberá 960 euros mensais por adulto ou 1300 euros por lar de jeito incondicional. Os outros três grupos contam com diversas condiçons intermédias.
Os projetos-piloto sobre rendas básicas nom som monopólio da Europa. Em Namíbia, nos anos 2008 e 2009, desenvolveu-se umha renda básica com contributos económicas a umha comunidade namíbia de cerca de 1000 pessoas. As entidades que lançárom este projeto, que nom tivo apoio do governo namíbio, afirmam que se constatou umha maior escolarizaçom, umha melhoria na segurança alimentar e a criaçom de micro-empresas. Após a finalizaçom deste projeto, as entidades organizadoras pagárom umha quantidade menor mensal até 2012. Também na Índia houvo experimentaçons desde 2011 em vilas rurais com a finalidade de melhoras as condiçons de vida em matéria de alimentaçom, de saúde e de educaçom.
Porém, o exemplo mais polémico é o vigente no Alasca. Neste estado dos EUA, foi lançado o Alaska Permanent Fund, umha forma particular de renda básica com umha quantidade que ronda os 2000 euros anuais. Este dinheiro procede do capital que gera a exploraçom mineira e petrolífera no estado, tratando-se entom de umha renda financiada por umha atividade extrativa que nom pode perdurar no tempo.