A ideia duma sociedade monolíngue como objetivo começa afortunadamente a desaparecer, a medida que se entende que outras línguas, chegadas por distintos devires históricos, devem ser conservadas. Mas esta visão pode levar a entender que o multilinguismo nasce só dos deslocamentos de população. Na realidade, quase todas as sociedades, por isoladas que estiverem, contam com polo menos duas línguas. Mesmo entre o povo sem contatar da Sentinela do Norte, é possível que se use, junto ao enigmático sentinelês, uma língua gestual (LG).
Ignoradas muitas vezes mesmo pola Linguística, sobre as LG pesam numerosos preconceitos. É frequente pensar que não são verdadeiros idiomas, apenas ferramentas para que as surdas se expressem na língua oral dos seus territórios. Nada mais longe: a LG russa não tem nada a ver com o russo nem com o francês, mas sim com a LG francesa, com a que está emparentada, enquanto uma utente de LG espanhola e outra de LG venezuelana teriam muitas dificuldades para entender-se.
Como sistemas de comunicação plenos, as LG contam com léxico, morfologia ou gramática próprias. Em vez de fonologia, a quirologia usa a forma das mãos, a localização ou o movimento para construir significados. Os elementos não manuais podem achegar informação semelhante à da prosódia nos idiomas falados. A transmissão e evolução é completamente independente das línguas orais.
Se bem boa parte das LG atuais (mais de 200 documentadas) tenhem origem no ensino para surdas a partir do s. XVIII, os gestos, mesmo se no seio das famílias e sem transmissão intergeracional, utilizam-se como linguagem desde a antiguidade. Ali onde as pessoas surdas representaram uma maior parte da população ou criaram comunidades, estes gestos evolucionárom até se converter em línguas.
Um exemplo disto é a LG nicaraguana. O sandinismo realizara nos 80 um esforço para a educação das crianças surdas, mas focado apenas no ensino do castelhano. Com os gestos usados nas suas casas e a própria intuição, as alunas desenvolvêrom uma língua para se comunicar entre elas, enquanto tinham muitos problemas para se entender com o professorado. O idioma nascido nas escolas seria reconhecido oficialmente em 2009.
Mas este não é só um património das comunidades surdas. A LG dos índios das planícies usou-se por mais de três séculos como língua franca das falantes duns 37 idiomas, num território de 2.600.000 km2 entre os atuais Canadá e México, chegando mesmo a escrever-se. Pola sua banda, a LG yolngu é usada por esta comunidade australiana quando falar é tabu, como no tempo de dó por um familiar.
As LG tampouco são alheias às relações de poder que se dão entre línguas. Há algumas ameaçadas, como a LG inuit, e outras em expansão, como a indiana, o 151º idioma mais usado do mundo. Cada língua tem variedades dialetais menorizadas pola imposição de padrões desde os centros de poder. E mesmo existe a LG internacional, que, com a mesma vontade do esperanto, mas com maior éxito, é usada nos congressos da Federação Mundial de Surdas.