
O caso é contá-lo, nom? Assim começava escrevendo Xosé Tarrío um texto recolhido no livro-homenagem Que la lucha no muera, editado em 2015 pola Editorial Imperdível, após dez anos do seu falecimento. O título do texto, cuja traduçom do original viria ser algo assim como Na procura da liberdade, define de maneira unívoca um dos elementos centrais que vertebram a literatura feita nas prisons. A procura da liberdade, a exterioridade, o corpo, a presença permanente do muro ou a sensaçom do tempo estático durante o encerro, som algumhas das imagens recorrentes nesta literatura que, como ferramenta das que padecem a crueldade destes centros de extermínio, fica definitivamente fora do campo literário e carente de qualquer reconhecimento das esferas de poder político e cultural.

Nesse capítulo do livro escrito por Tarrio, o preso anarquista descreve a fuga do barco que os transportava a ele e ao seu companheiro de cela, o preso Juan Redondo, da prisom de Tenerife até Cádiz. O interessante desta história é que a proposta de redaçom que deu nesse e noutros textos ocorreu-se-lhe a um outro preso, Juan José Garfia, quem seria tempo depois autor dum livro sobre as suas fugas do cárcere, Adiós, prisión (1995), publicado pola editorial basca Txalaparta. Foi assim, devido a umha coincidência durante umha estadia na prisom espanhola de El Dueso que decidírom, combinando a berros através das janelas das celas que os encerravam, escrever sobre as fugas de alguns dos presos que ali se davam cita, contadas em primeira pessoa. A redaçom viria da mao do próprio Garfia e de Tarrío, quem com esforço e empenho escreveria um dos livros do contra-cânone da literatura carcerária, Huye, hombre Huye (1997), traduzido ao galego em 2008. É interessante, para entender a precariedade dos presos quanto a material e quanto a formaçom, e a necessidade do coletivo, apontar que para a conservaçom e difusom de alguns dos textos desse livro do preso corunhês, foi importante a ajuda emprestada por outro preso anarquista, autor de Un resquicio para levantarse (2014), Javier Ávila Navas, quem puido mecanografiar algumha das suas narrativas.
A procura da liberdade, a exterioridade, o corpo, a presença permanente do muro ou a sensaçom do tempo estático durante o encerro, som algumhas das imagens recorrentes nesta literatura que, como ferramenta das que padecem a crueldade destes centros de extermínio, fica fora do campo literário.
Literatura galega e prisom
Na maior parte dos textos escritos em prisom, bem seja em forma de poema, de crónica ou a modo de diário pessoal, os temas comuns como a antes apontada procura da liberdade, a defesa da vida, materializam-se na maior parte dos casos numha confrontaçom com a instituiçom penitenciária, o Estado e as suas representaçons nesse espaço social: os carcereiros e os juizes. Esta confrontaçom reflete-se na escrita com muita evidência. Nom é necessária, neste sentido, umha linguagem literária que exceda o seu correspondente papel de desabafo ou de denúncia, o que seria obrigatório no campo das artes, mas sim umha relativa contundência ou adesom a esses mínimos de escrita para a subversom.
Neste contexto devemos entender também algumhas das criaçons poéticas de presos independentistas galegos, que nos últimos anos venhem ocupar posiçons de relativa relevância no espaço político que ocupa o antagonismo, as organizaçons de base, mas que seguem sem contar, polo geral, com reconhecimento dentro do campo literário. Poderíamos dizer que dentro dos repertórios do sistema literário galego, nom se possibilitou ainda a criaçom e distribuiçom dumha literatura carcerária, que apenas conta com algum exemplo de livros que tocam de maneira secundarizada a temática e nunca em primeira pessoa. Esta hipótese poderia vir explicar a razom da publicaçom em 1989 de alguns poemas do independentista Antom Garcia Matos, hoje preso em Estremera, na editorial basca Susa, referente na publicaçom e consolidaçom de literatura carcerária basca (nomeadamente de presos independentistas). García Matos participou também com alguns poemas no livro do XVIII Festival Da Poesia (2004).
Temos, contodo, algumha exceçom como o Diários (2015) de Carlos C. Varela, publicado durante a sua etapa em prisom (ainda que escrito parcialmente antes do seu ingresso) e do qual a editora Através conseguiu distribuir mais de quinhentos exemplares. Mas os obstáculos para a difusom e leitura das poéticas que chegam das prisons som, em geral, maiores do que em qualquer outro espaço social, o que incrementa as dificuldades para chegar ao público.
Dentro dos repertórios do sistema literário galego, nom se possibilitou ainda a criaçom e distribuiçom dumha literatura carcerária, que apenas conta com algum exemplo de livros que tocam de maneira secundarizada a temática e nunca em primeira pessoa. Esta hipótese poderia vir explicar a razom da publicaçom em 1989 de alguns poemas do independentista Antom Garcia Matos, hoje preso em Estremera, na editorial basca Susa, referente na publicaçom e consolidaçom de literatura carcerária basca.
O caso de Senlheiro
Essas dificuldades para a difusom e leitura evidenciárom-se no caso da criaçom poética do ex-preso independentista Adriám Mosquera Paços ‘Senlheiro’. Os seus poemários, publicados durante a sua etapa em prisom, contárom com a posta em marcha de mecanismos independentes para a sua circulaçom e difusom. Estou a falar aqui da engrenagem construída em volta do Coletivo de apoio a Senlheiro ou outros agentes e grupos afins que estivérom ao redor da recompilaçom, distribuiçom e receçom dos textos. Da mesma forma, ativou-se para a publicaçom do portal digital Caderno Senlheiro (aberto após a sua detençom em janeiro de 2013) umha rede de colaboraçons que, entre outras cousas, transcrevérom os textos do autor recebidos por meio de correio postal, com demoras e escritos originariamente a mao.

Em todos estes textos escritos dentro da prisom, aparecem algunhas das figuras antes referenciadas. O muro, como conceito referencial sobre o qual se constroem muitos dos poemas e que diversifica noutras marcas como a corporeidade, a violência física e simbólica do encerro, mas também na contestaçom resistente das que som privadas de liberdade. Também, a respeito dos textos publicados no blogue, constroem-se crônicas a partir de diálogos estabelecidos entre a pessoa presa e quem som (co)responsáveis do encerro. Estas dinâmicas estabelecem relaçons com outros escritos de literatura carcerária, como os do autor basco Joseba Sarrionandia, e ilustram através do texto muitas das dinâmicas de poder que se produzem dentro dos muros.
No caso de Senlheiro é importante também fazermos referència à ideia do território, representaçom da exterioridade e entendido nos seus textos como lugar de pertença e de desejo, materializado na ideia da naçom galega da tradiçom literária e cultural, mas que dialoga com referências do urbano e da mestizagem com o rap: Fago zapping e tento recordar as montanhas nevadas / respirar fundo polo nariz e imaginar-me no meio do Courel / […] e cantamos hinos antigos ou raps de aldeia / sabendo que um dia havemos voltar à Terra / berrar-lhes no ouvido um mecaghoendios bem alto.