Lucía Barros Miñones (A Corunha, 1984) preside a Esculca, o observatório para a defensa dos dereitos e liberdades desde há dois anos. Vive em Ferrol, trabalha em Narón como farmacêutica e é bisneta de Pepe Miñones, político republicano e empresário assassinado em Ponta Herminia na Corunha em 1936. Lucía Barros é umha ativista polos direitos e liberdades que continua a esmagar a bota do poder até hoje.
Porque lançou a Esculca umha campanha contra o confinamento solitário nas prisons?
Porque é algo que acontece todos os dias e porque é algo totalmente desconhecido para a maioria da populaçom. O regime de isolamento penitenciário implica que os presos fiquem mais de 21 horas por dia trancados nas suas celas em total solidom. O contacto com outras pessoas presas nom é permitido, e o contacto com os funcionários e funcionárias das prisons também é restrito. Às vezes, eles até criam as condiçons para que ocorra o abuso, porque as presas nom tenhem fácil denunciarem.
Qual é a finalidade do isolamento?
Certamente, nom tem qualquer propósito reabilitador. Na realidade, o próprio sistema torna essa reabilitaçom impossível. A falta de contato e atividade humana traduz-se em graves prejuízos à saúde física e mental, quando nom pom fim diretamente à vida de quem o sofre. Descobrimos que muitas das mortes que ocorrem nas prisons som de pessoas que estám isoladas ou que passárom por esse regime. Registam-se suicídios. O isolamento provoca doenças que vam da depressom à psicose… Para a Esculca, este regime envolve um tratamento desumano, é um tratamento cruel e degradante das pessoas. Acaba por ser umha forma de tortura. Pedimos que se elimine. Por lei.
Quantas presas e presos passam por isso?
No Estado espanhol, cerca de 1.700 pessoas passam por essa situaçom todos os anos. Mais de umha centena delas permanecem isoladas de forma indefinida. Há casos arrepiantes. Na Galiza, temos evidências dalguns. F.J. morreu na Lama após dous anos sem contacto com ninguém. A certa altura, os funcionários deixárom de se comunicar diretamente com ele e passárom a fazê-lo com ordens emitidas remotamente. No caso de A.M. passou os últimos nove anos em 16 prisons diferentes, sete anos em confinamento solitário. Acumula várias tentativas de suicídio. As últimas, em Teixeiro, onde esteve recluído num cubículo de vidro da enfermaria. Foi transferido para Saragoça, onde foi novamente isolado num cubículo. Tudo parece montado para destruir a humanidade destas pessoas.
“Podemos dizer que no Estado espanhol o isolamento penitenciário afeta muitas pessoas e é usado com muita frequência. Parte das puniçons nas prisons som realizadas através deste regime”
Qual é o nível de aplicaçom deste regime em Espanha em relaçom a outros estados?
Podemos dizer que afeta muitas pessoas e é usado com muita frequência. Parte das puniçons nas prisons som realizadas através do recurso ao isolamento”
Qual é a situaçom das prisons na Galiza?
Esta é umha realidade opaca, que se esconde das populaçons, aqui e no Estado e em todo o mundo. As principais deficiências, para além da saúde, som os problemas de habitabilidade e, também, o acesso a estudos ou formaçom. E temos um sério problema de opacidade, umha parede com a qual constantemente nos deparamos as associaçons que queremos saber o que se está a passar lá por dentro.
Qual é a sensibilidade da Administraçom galega a este respeito?
Nom tem competências. Os nossos interlocutores som as Instituiçons Penitenciárias e o Defensor del Pueblo.
Que capacidade tem a Esculca para intervir perante a Administraçom?
Os interlocutores som entidades estatais. Quando podemos, chegamos mesmo ao Parlamento galego. A Junta nem reclama para os Sergas as competências em matéria de saúde dentro das prisons. Existe umha lei de coesom do sistema de saúde desde 2003 que permite essa transferência. Na Catalunha tenhem essa competência. Esculca leva tempo pedindo‑a no Parlamento galego.
“Os interlocutores som entidades estatais. Quando podemos, chegamos mesmo ao Parlamento galego. A Junta nom reclama para o Sergas as competências em matéria de saúde dentro das prisons”
As chamadas operaçons Jaro já concluírom o seu périplo judicial. Esculca foi muito crítica em relaçom a esse processo e, especialmente, ao uso das periciais em inteligência como evidência. Que se passa com as periciais em inteligência?
Estamos habituadas a ver montagens policiais que servem para encher páginas de jornais, criminalizar movimentos políticos e que acabam por virar provas em julgamentos. Este caso deixou de ser umha perseguiçom por parte do Estado de umha opçom política que culminou num processo que deixou clara a montagem policial e a fragilidade dos julgamentos com base na expertise da inteligência. O objetivo de qualquer relatório pericial é fornecer conhecimento especializado que os juízes nom tenhem. O problema com as periciais em inteligência é que som relatórios preparados por forças e órgaos de segurança com base nas suas próprias hipóteses, como parte de umha investigaçom. Geralmente tenhem umha intençom claramente incriminadora. “Achamos muito preocupante que este tipo de relatórios de inteligência sejam admitidos como prova pericial, mas isso já é umha tradiçom na Audiência Nacional”
Hoje, o caso de Assange fai com que, a nível global, todas essas estratégias de reunir evidências, julgamentos condicionados e, em última análise, destruir umha pessoa, sim sejam questionadas.
A primeira cousa que chama a atençom no caso de Assange é que nengum dos crimes de guerra denunciados polo WikiLeaks foi julgado, e quem é julgado é Assange. Além disso, existe um desprezo absoluto pola justiça, porque Assange tem vindo a sofrer abusos contra os seus direitos e liberdades ao longo de todo o processo. Ele está atualmente em regime de isolamento com muitos problemas de saúde. E sim, parece claro que Assange sofre de distúrbios físicos e mentais como resultado das deficiências do isolamento prisional.
Acabamos de vivenciar a polémica das manifestaçons do 8 de março e, no caso de Ferrol, também do 10 de março com greve geral. Como é que fôrom as cousas por aqui com o debate sobre as restriçons?
Existe um claro retrocesso no que toca à liberdade de expressom em toda Espanha. Parece que a pandemia, ao invés de ser tratada como um problema de saúde, está a ser tratada como um problema de outra natureza, e com soluçons cada vez mais restritivas. É surpreendente o quanto o Governo comprou a mensagem da direita que apontava para o 8M. Por trás da proibiçom em Madrid está a criminalizaçom do movimento feminista, mas também um enorme paternalismo. Aqui em Ferrol passou-se algo significativo. Manifestamo-nos com toda a normalidade no 8M, como no resto da Galiza, e depois o 10M… mas nos dias anteriores a única data que se questionou foi a do 8M, a necessidade de manifestarmo-nos tendo em conta a situaçom de saúde, nom a do dia 10. O paternalismo foi evidente. É como se as demandas feministas fossem deixadas em segundo plano na agenda política real.