Chamavam-lhe a ‘Grande senhora da imprensa’. Era fevereiro do ano 1934 e María Luz Morales deixava a sua alma nas páginas dum velho número da revista catalá Esplai através destas verbas: “Durante bastantes anos fôrom muitas as pessoas que botárom em cara à Galiza o pecado de ser um povo que dorme. Mas, isto nom é exato. Estas pessoas nom sabem distinguir entre o sono e o sonho. Porquanto o dormir da Galiza nom foi nunca o brutal dormir do corpo que se bota à terra, e também nom o voluptuoso dormir daquele que só quer se dar um prazer dos sentidos. Nom: a Galiza é, talvez, um povo que dorme… mas, é, sobretudo, um povo que sonha. O ensonho galego prende-nos o espírito assim pomos os pés nesta terra. Nom já a tradiçom, senom, a lenda, por longínqua e confusa que for, toma vida, corpo de realidade, neste país de lenda. […] Nom, hoje a Galiza nom dorme. Como em todo Renascimento ‑Catalunha é um vivo e próximo exemplo- à voz precursora dos poetas, o povo pom-se em pé, para escuitar melhor. Depois seguem as vozes graves dos estadistas e os berros vibrantes dos luitadores. E entom, o sonho, os sonhos, tornam ideal, ideais; curar as feridas da Galiza camponesa, elevar a harmoniosa língua à desconhecida dignidade de instrumento literário, filosófico; reconstruir e estruturar umha cultura que seja a expressom da alma própria. Umha alma romântica, pacífica, ocidental e atlântica. Sonhos que o galeguismo renascente procura tornar realidades, e que talvez nom tenham longe o dia da sua realizaçom. Sonhos que empurram a açom, a vida, a fé, o optimismo… E nom seriam estéreis ainda que nom se cumprissem. Que nom todo é sonho nos sonhos”.
Considerava Morales o galego um povo que sonha e nom um povo que dorme. Evocava um país com história própria, um povo que se pom em pé, aos berros dos luitadores e das luitadoras. Escrevia sobre o despegar da língua, sobre um galeguismo renascente e, em definitiva, sobre umha história que considerava muito paralela à da Cantalunha que a viu crescer. “Que nom todo é sono nos sonhos”, ameaçava.
Em 1936 'La Vanguardia' ficava em maos dum comité obreiro que convidou María Luz Morales a ocupar a direçom do jornal
María Luz Morales nasceu na Corunha a finais do século XIX, mas emigrou para Barcelona de cativa, polo trabalho do pai. Após o passamento do progenitor, já a princípios do século XX, começaria a sua carreira profissional no âmbito do jornalismo, trabalhando em diferentes meios de comunicaçom do estado até que, nos anos 20, passou a fazer parte de La Vanguardia. Em 1936, com o estalido da Guerra Civil e a fugida de Gaziel, diretor do diário, o meio fica em maos dum comité obreiro, que convida María Luz Morales a ocupar a vacante. Assim é como Morales se converte na primeira mulher em ocupar a direçom dum jornal de grande tiragem no estado espanhol. O seu trabalho nesses anos custaría-lhe a cadeia. Por ser diretora deste jornal e também acusada de pertença ao Partido Galeguista, em 1940 o franquismo encarcera‑a num dos antigos conventos que faziam funçom de prisons, junto com outras 200 mulheres. À sua saída carregaria também com a proibiçom de voltar exercer o jornalismo.
Apartada de aquilo ao que entregara toda a sua vida, das páginas dos jornais onde tanto pelejara por criar consciência feminista entre as suas leitoras, María Luz Morales dedicou-se com maior intensidade à literatura e às traduçons, deixando trás de si umha valiosa obra que atinge da novela e os relatos curtos, passando pola literatura infantil, o cinema, o teatro e as enciclopédias, até umha grande suma de traduçons de obras clássicas em vários idiomas como o francês, catalám, inglês e português.
Hoje, tristemente, toda a sua produçom nom só se encontra fora de catálogo, senom que permanece oculta nos arquivos dalgumhas bibliotecas e instituiçons. Os anos nom lhe figérom justiça a aquela Grande senhora da prensa que, em 1930 chantava nas páginas do El Sol madrileno as seguintes palavras, pertencentes a um artigo posteriormente publicado em A Nosa Terra: “Outro dia, cara ao porvir, será loucura semelhante (a esa) a de negar em nome do patriotismo ‑seja qual seja- o dereito do neno a recever a primeira ensinança na língua materna. A um lado toda consideraçom de orde político, a violaçom dese direito constituirá um crime de lesa-pedagogia que nom quererá cometer nenhum maestro […] Já que o que importa ‑ou importou até o de agora- nom é tanto difundir o castelhano em todo o seu esplendor e fermosura, senom impô-lo mal que bem”. Palavras atuais as de Morales quem, ainda que catalá adotiva, jamais puido esquecer a sua verdadeira mátria. Deste modo, os arquivos da época recolhem que, a princípios dos anos 30, Morales participaria na campanha em favor do Estatuto de Autonomia para a Galiza, formando parte ademais, em Catalunha, do Grupo de Mulheres Galeguistas, em finais da década. Por esses anos participaria também em Compostela da constituiçom da Associaçom de Escritores Galegos e viajaria frequentemente à terra para presidir ou participar de diferentes atos do Partido Galeguista, ao que estava muito vencelhada. Mas, por cima de todas essas cousas, seria umha fervente admiradora e estudiosa da figura de Rosalia de Castro, à qual lhe dedicaria dezenas de escritos durante toda a sua vida.
Em 1940 o franquismo encarcerava-a num dos antigos conventos que fazian funçom de prisons junto com outras 200 mulheres
A sua sepultura encontra-se desde 1980 nalgum cemitério barcelonês aguardando justiça. As palavras que a ditadura quijo silenciar continuam vivas apenas entre as páginas dalguns velhos livros, entre as folhas dos jornais aos que já nom se lhe alcança a ver nem a data de publicaçom. María Luz Morales foi, durante toda a sua vida, umha pessoa carregada de misticismo, umha figura sobre a que hoje continuam a especular os ‑poucos- estudiosos que há. Mas, sobretudo, foi umha mente brilhante que, ainda na dificuldade da sua condiçom, entregou toda a sua vida às letras, porque acreditava firmemente que, através delas, poderia espertar a consciência social e política daquelas leitoras às que a seçom La mujer, el niño y el hogar do madrileno El Sol, lhes chegava todas as semanas à casa falando do sufrágio feminino, de grandes mulheres, de heroínas, dum acosso em forma de ‘piropo’ que nom pensava consentir, do esperpento da tauromaquia, da língua, da sua Galiza mais querida, da injusta situaçom da mulher na sociedade e, em definitiva, dum novo mundo que desejava abrir para elas. Um mundo que, quase 40 anos despois do seu falecimento, está ainda por chegar.