No ano 1986 Martinho, Jose Manuel Samartim Bouça, obreiro do naval ferrolano de 27 anos, integrava umha base operativa na legalidade do Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive (EGPGC), encarregada de dotar de recursos materiais e económicos ao nascente projeto militar. A este mesmo fim contribuiria com o seu próprio finiquito no estaleiro, em torno a cinco milhons de pesetas (35.000 euros). Numha falida açom de expropiaçom a umha sucursal bancária das Pontes, cairá preso depois de ser brutalmente torturado a mans da Guarda Civil.
Após algo mais dum ano preso, recupera a liberdade e retoma a sua militância no Exército Guerrilheiro, desta vez já na clandestinidade. Nestes anos a organizaçom decide fazer das infraestruturas de espólio elétrico um dos seus objetivos prioritários. Na altura, o projeto iniciado com o franquismo de converter a Galiza numha colónia energética, tem culminado a fase de construçom das grandes barragens para a geraçom de energia hidráulica. A Galiza produz mais do duplo da energia que consome e isto agrava-se mais se temos em conta que arredor de metade da energia que se gasta no país fai-se noutros enclaves coloniais: industrias como ENCE, Alumina-aluminio… Responsável da base que opera na zona da provincia de Ponte Vedra, Martinho terá um papel mui importante no desenvolvimento da tecnologia que permitirá ao EGPGC atacar torres de alta tensom, sendo obra sua a que abrirá a campanha, em Matamá (Vigo) em Novembro de 1987.
Desenhará e comandará umha das operaçons mais exitosas e importantes da organizaçom armada, aquela que em 1988 paralisará ENCE durante vários dias, por primeira e única vez desde que fora inaugurada por Franco no ano 1963. O caráter colonial e biocida desta infraestrutura, a terrorífica política florestal que iniciou a sua implantaçom e a oposiçom popular que despertou desde que o governo fascista anunciara o seu projeto, converteram ENCE em objetivo do Exército Guerrilheiro. O 30 de Abril, um pequeno grupo de combatentes com Martinho à frente, voaria com cargas explosivas as infraestruturas de água e eletricidade que abasteciam a celulose, obrigando a paralisar a sua atividade.
‘Martinho’ tratava com o mesmo respeito ao velho e reconhecido militante que à jovem recém chegada ao movimento. Dava conselhos e nom liçons, e mostrava-se acessível, afetuoso
Em 1988, o EGPGC conta com duas bases nos montes galegos e Martinho agirá como responsável de ‘Augas Limpas’, o refúgio que se estabelecerá ao pé da barragem das Portas, nos montes do Invernadeiro. Será nesta altura em que entre a formar parte do Estado Maior Irmandinho (EMI), a direçom da organizaçom armada. Assiste a umha juntança de dito órgao quando será detido, torturado no monte e depois no calabouço, onde, para evitar que continue aquela situaçom, se abalançará contra umha vidraça, após o qual terá de ser trasladado ao hospital.
No cárcere continuará a sua militância no Exército Guerrilheiro: depois de ingressar em prisom, iniciará umha greve de fame como protesto polo seu traslado a um cárcere espanhol. Dinamizará o coletivo de presos e presas independentistas, que levará adiante múltiplas açons de protesto pola situaçom de dispersom. Permanecerá na cela por volta de seis meses em protesto polas condiçons carcerárias e participará em greves de fame do coletivo, sendo amonestado em celas de isolamento em diversas ocasions.
Sairá do cárcere em 1996 e, mália topar o independentismo derrotado, sem apenas estruturas próprias e mans para construí-las, retoma o seu compromisso na rua. Participará nas Juntas Galegas pola Amnistia (JUGA), o coletivo que dá apoio anti-repressivo às presas do EGPGC, e contribui ao renascimento do movimento ao lado dumha nova geraçom de militantes organizadas na Assembleia da Mocidade Independentista (AMI). Também aportará a sua bagagem ao germolar dumha nova experiência de resistência combativa que se iniciará com o lume dos coqueteles molotov nos primeiros anos do novo século. Aliás, será umha pessoa ativa nos projetos sociais da sua contorna, na Fundaçom Artábria e nas apostas políticas que o independentismo leva avante nestes anos.
No ano 2010, umha enfermidade fulminante atravessou a vida de Martinho, que morreu no mês de Novembro com 51 anos de idade. A dor que deixou em todo o movimento só se explica se entendemos o escassas que som as notas biográficas descritas nos parágrafos anteriores para referirmos quem foi ele. Para falarmos de Martinho e entender a importância da sua pegada, há que ir muito além das qualidades habitualmente proclamadas dos bons militantes ‑que também personificou- como a valentia, diligência, audácia… Cumpre atendermos àquelas outras relegadas a um segundo plano (ou mesmo invisibilizadas): Martinho inaugura um novo tipo de liderança, umha liderança saudável, respeitosa com as fraquezas próprias e alheias, humilde, singela, bondosa.
Em palavras do seu irmam Antom Garcia Matos: “Um rasgo do seu carácter define‑o mui bem: a timidez. A timidez em Martinho era um precioso regalo político (…) tinha muito a ver com a genuína manifestaçom externa dum estado interno de notável submetimento do ego, essa pulsom corrosiva que nos empurra ao fratricídio, à prepotência, ao exibicionismo, ao ódio e o seitarismo. Que lindo senti-lo viver nas pontas dos pés! Deixou pegada sem pisar; foi escuitado sem alçar a voz, respeitado sem acumular cadáveres. Sobressaiu sem competir, foi reto sem ser altivo, íntegro sem ferir. Fijo o que havia que fazer, sem nunca se exibir e gabar; excelente combatente, mas nunca agressivo e irascível. Fijo da sua própria vida e dos seus atos a sua grande obra mestra, fermosa e transcendente. Ou entendemos algo do que uma vida como a de Martinho nos transmitiu ou nom poderemos fazer-lhe frente ao cainismo que nos reclama”.
Martinho tratava com o mesmo respeito ao velho e reconhecido militante que à jovem recém chegada ao movimento. Dava conselhos e nom liçons, e mostrava-se acessível, afetuoso. Silandeiro, escolhia os trabalhos de menor reconhecimento, falava o justo nas assembleias, cumpria com as suas responsabilidades sem gabar-se por isso; fugia dos protagonismos, nom presumia de curriculum. É por isto que este ano se lhe dedica o dia da Galiza Combatente, com atos de homenagem que decorrerám o dia 15 de Outubro na vila de Burela, onde passou os seus últimos anos: para pôr o foco nos valores militantes que inspiram outros tipos de compromissos e lideranças, lideranças amorosas, as que enchem de significado o conceito de irmandade.