
Segundo dados do Instituto Galego de Estatística para o ano 2023 a percentagem de populaçom migrante na Galiza é 5,16%, muito longe de 17% se o compararmos com o estado espanhol. Embora suponha um crescimento percentual de 0,28% no último ano, o aumento de populaçom migrante no nosso país continua crescendo muito por baixo da média do Estado, que aumentou em 0,95%; mesmo assim, a chegada de populaçom estrangeira à Galiza possibilita aumentara populaçom num país com um saldo vegetativo negativo e que acusa um grave deficit demográfico.
Os dados comparativos explicam, embora parcialmente, o espaço marginal que o fenómeno migratório ocupa no debate público dum país historicamente lacerado pola expulsom de populaçom nativa, que mesmo mantendo constantes os índices de populaçom expulsa, sobretudo nas camadas mais jovens da nossa sociedade, já se situa por baixo das cifras de receçom de populaçom estrangeira. Se atendermos ao cômputo do último Barómetro Trimestral de Sondaxe realizado polo Instituto de Sondaxe, podemos inferir que o fenómeno migratório nom ocupa nengum lugar entre a perceçom das inquietaçons primordiais da sociedade galega, mais preocupadas com a situaçom da saúde pública, a habitaçom e o desemprego; facto que contrasta, de novo, com a perceçom que no conjunto do estado se tem sobre o fenómeno migratório, segundo o barómetro de opiniom publicado polo CIS em novembro de 2024: a imigraçom ocupa a primeira posiçom entre as principais preocupaçons da populaçom espanhola, por cima da saúde pública, o desemprego, a corrupçom ou a violência de género.
O fenómeno migratório nom ocupa nengum lugar entre a perceçom das inquietaçons primordiais da sociedade galega
Destes factos podem ser tiradas diferentes leituras, e umha delas bem pode ter a ver com a experiência histórica da Galiza como povo emigrante e a sua familiaridade com o fenómeno, traduzida numha posiçom de empatia com as pessoas estrangeiras que procuram estabelecer um projeto de vida no nosso país. A mobilizaçom do povo de Monterroso para acolher e dar as boas-vindas aos 126 migrantes procedentes do Mali, de Senegal e de Mauritânia que chegárom à Ulhoa como consequência da distribuiçom ditada polo governo espanhol de migrantes que procuram a entrada na Europa através das Ilhas Canárias, assim como a concentraçom de vizinhos de Compostela, ocorrida em 18 de dezembro do passado ano, denunciando a situaçom de desproteçom dos migrantes que chegárom a Compostela polo mesmo procedimento, assim o demostram. Mas estes factos ilustrativos, que constituem exemplos significativos de solidariedade popular, ocupam um lugar anedótico no plano mediático se os defrontarmos com o silenciamento sistemático do trabalho de acolhimento, atendimento às necessidades da populaçom migrante e denúncia da vulneraçom dos seus direitos. Um trabalho assumido por organizaçons humanitárias, associaçons de migrantes e coletivos sociais, num contexto de desamparo absoluto e inexistência de políticas de integraçom da parte das instituiçons do nosso país; um silenciamento que nos proporciona umha outra leitura possível do mesmo fenómeno.

Colocamo-nos, portanto, perante umha situaçom paradoxal: se a ausência de debate público em torno da questom da migraçom explica, em parte, a ausência de discursos explicitamente xenófobos, ou a nula representatividade no país da ultradireita espanhola, encabeçada por Vox e o seu discurso anti-migraçom, o silêncio é, ao mesmo tempo, responsável da invisibilizaçom da violaçom de direitos do coletivo migrante, condenado à exclusom social e exposto à vulneraçom sistemática do seus direitos. Apenas um exemplo serve para ilustrar o silenciamento mediático, social e político que se tem convertido em norma até ao momento: nas últimas eleiçons ao governo galego, os distintos representantes dos partidos que se apresentavam à convocatória nom gastárom nem um segundo do seu tempo de intervençom nos debates televisivos em manifestarem à cidadania galega a postura das suas formaçons a respeito do fenómeno migratório no país.
Resultaria ingénuo pensar que o nosso país está vacinado contra a doença do racismo e a xenofobia
O silêncio é também umha forma de construir o consenso, um pacto tácito para delimitar o campo de discussom, e deitar fora aquilo que ameaça os privilégios comuns dos contendentes. O silêncio é, portanto, umha posiçom política, como o denunciara Chomsky nos anos 80 do século passado. Porém, assistimos na atualidade como testemunhos passivos, fruto da crise teórica da esquerda mundial, à rutura dos consensos sociais por parte dum neofascismo galopante, que se impom como soluçom apocalíptica para aqueles que vem ameaçados os seus privilégios, conquistados, isso sim, com a cumplicidade muda de quem hoje se escandaliza perante o fenómeno reacionário. Resultaria ingénuo portanto, pensar que o nosso país está vacinado contra a doença do racismo e a xenofobia que se estende no mundo como umha pandemia mortal, além de constituir também umha posiçom pouco ética, pois “a injustiça ou justiça dum sistema social só pode ser julgada se a relacionarmos com o ser total do ser humano”, di-nos o intelectual inglês John Berger num velho livro que recolhe a experiência migratória de cidadãos do sul da Europa, nas vagas migratórias dos anos 60 e 70 do passado século, em que umha multidom de pessoas, entre as quais milhares de galegas, deixárom os seus lares para procurar umha oportunidade de progresso na França, na Suíça ou na Alemanha.
Deste modo, a exclusom do discurso público das comunidades migrantes, tanto como objeto de debate quanto como sujeito partícipe do mesmo, pode ser interpretada como o reflexo da exclusom social destas pessoas e a negaçom sistemática, para este coletivo, do direito pleno de cidadania. No discurso mediático que modela as perceçons sociais da populaçom, o migrante converte-se em notícia apenas no espaço marginal que os média dedicam aos estratos marginalizados da sociedade, isto é, à secçom de sucessos, o espaço destinado para a reproduçom dos estigmas e os estereótipos que legitimam a ordem social.
O ruído disfarçado de crise
Porém, neste tratamento que habitualmente é dado nos meios galegos ao fenómeno migratório, tem-se operado umha mudança qualitativa nos últimos tempos, cuja direçom coincide com a introduçom no debate público europeu do relato neofascista a que nos temos referido anteriormente. No decurso do verão e outono do passado ano, os meios de comunicaçom galegos colocárom o foco informativo sobre os refugiados de guerra procedentes do Mali e migrantes vindos da Mauritânia e do Senegal, chegados à Galiza como consequência da dispersom de migrantes organizada polo governo espanhol, após umha travessia épica que levou estas pessoas a arriscarem a sua vida atravessando a Mauritânia a pé, para depois se enfrentarem a umha viagem marítima de oito dias em balsas com destino às costas das Ilhas Canárias. O seguimento informativo pola imprensa comercial dos pouco mais do milhar de migrantes que chegárom ao país foi exaustivo, dando a conhecer o número de migrantes em cada umha das localidades de acolhimento, em cada centro onde fôrom alojados, o número de solicitudes de asilo, as que fôrom rejeitadas, o número dos que fôrom expulsos dos centros de acolhimento, dos que passárom as noites na rua…, num exercício mais parecido com a monitorizaçom e o controlo policial que com o desempenho jornalístico. A migraçom subsaariana foi exposta à luz do debate público como bode expiatório; umha comunidade que apenas representa 4,12% da populaçom migrante no estado, segundo dados do INE, acaparao foco de atençom mediática e política sem ter a mínima possibilidade de questionar um marco de discussom previamente estabelecido e importado do debate público espanhol, e que situa qualquer possível posicionamento no contexto da “crise migratória”, associando assim o fenómeno migratório a umha conjuntura perigosa e a umha situaçom anormal, que é como define o dicionário Estraviz o termo crise e as crises, no imaginário coletivo, devem ser combatidas tal como é combatida umha crise económica ou umha crise nervosa.

A migraçom converte-se entom num problema de gestom para as administraçons que estabelecem repartiçons e negociam quotas, submetendo a populaçom migrante aos ditados dumha intrincada burocracia que apaga os seus nomes, as suas identidades, as suas aspiraçons e os seus sonhos para mudá-los por cifras e números. Ao mesmo tempo a maquinaria burocrática transforma as políticas de repressom contra o fenómeno migratório em equaçons e cálculos de rendibilidade cujo resultado final determina quem é refugiado político e quem migrante económico, quem chegou por vias regulares e quem por vias irregulares, qual é o migrante bom e qual é o mau e, em definitivo, quem é necessário e quem descartável.
Este modelo de racionalizaçom utilitarista de entender a migraçom, que se impom como única forma de pensar um fenómeno tam antigo como a humanidade, aliás, como criador da humanidade mesma, é novo e alheio ao nosso povo, cuja experiência histórica condiciona a perceçom da migraçom de umha perspetiva solidária e empática. As narrativas impostas pola imprensa convencional obrigam a sociedade a tomar partido no quadro dum debate estabelecido por eles mesmos, e servem de cobertura às políticas racistas e criminais que o estado pratica contra as comunidades migrantes, ao amparo da guerra declarada pola UE contra as pessoas que tentam chegar à Europa por “vias irregulares”. Assim no contexto do extraordinário seguimento mediático dos migrantes subsaarianos, o jornal El Progreso de Lugo, na sua ediçom de 17 de outubro, publica o resultado dum inquérito realizado polo próprio jornal com a pergunta “¿Qué le parece crear centros de migrantes ilegales fuera de la UE?”. Mas também num artigo de 15 de dezembro, na sequência do aluviom de notícias sobre os destinos dos migrantes transferidos das Canárias para a Galiza, La Voz de Galicia alerta: “El fenómeno de las habitaciones patera donde se alojan familias enteras irrumpe en Santiago y O Milladoiro”.
Este modelo de racionalizaçom utilitarista de entender a migraçom é novo e alheio ao nosso povo
Mais significativa ainda foi a utilizaçom mediática e política da expulsom das pessoas alojadas no albergue do Monte do Gozo em novembro do passado ano após ter sido denegada a sua petiçom de asilo. A situaçom de desamparo e abandono dos migrantes provocada pola inaçom do estado e o governo galego deixou também em evidência as carências dos serviços municipais para dar cobertura humanitária às 20 pessoas desalojadas do albergue. Etretanto, a mesma cidade recebeu a visita de 450.000 turistas no passado ano. Em declaraçons feitas aos meios públicos, a regedora da câmara municipal, Goretti Sammartín, pronunciava-se desta forma sobre os acontecimentos referidos aos migrantes expulsos do Monte do Gozo: “isto significa também um problema para o Concelho de Santiago, um problema que vem de como se geriu esta crise, esta emergência”, reproduzindo, sem pretendê-lo, um discurso estabelecido polas narrativas que tencionam decretar um pensamento uniforme e acrítico sobre o fenómeno migratório impondo, através do termo “crise migratória”, um contexto de ameaça e perigo inexistentes.