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Imagem de umha exploraçom ovina.

Modelo agroindustrial abafa práticas de soberania alimentar galegas

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Imagem de umha exploraçom ovina.
e.d. sal­gado

A transformaçom do modelo de produçom de alimentos segundo os interesses da agroindústria modificou desde os hábitos alimentares até à paisagem. A regulaçom que impulsiona o processo converte-se no último obstáculo para o autoconsumo e a possibilidade de soberania alimentar. 

Há uns anos, quando o meu fi­lho ainda nom se di­vor­ci­ara, ti­ve­mos umha vaca em casa. Um dia cha­mou-me ao te­le­fone, es­tava com a mu­lher numha ex­plo­ra­çom de leite, aí em Torneiros, em Alhariz. Dixo-me que es­ta­vam a ver uma be­cerra ruiva, ‘pre­ci­osa, rui­vi­nha’, dixo, ‘po­de­mos levá-la para casa?’. ‘Vai-se pôr preta’, ad­ver­tim-lhe, ‘mas, se gos­ta­des dela, trazei‑a’. A ver­dade é que era bem bo­nita. E pujo-se preta, é claro. Acabamos por nos afei­çoar a ela. Um dia de­ci­di­mos que a ía­mos criar. Assim que o fi­lho foi até Ginzo fa­zer os trâ­mi­tes. Saiu um ve­te­ri­ná­rio e dixo-lhe que de nen­gumha ma­neira, que esse ani­mal ha­via que sa­cri­ficá-lo e queimá-lo, que nom tí­nha­mos os pa­péis para criá-lo. Mas o meu fi­lho nom ca­lou, as­sim que ao pouco apa­re­ceu ou­tro ve­te­ri­ná­rio e dixo que nom era mui re­gu­lar, mas que se po­dia ama­nhar. Fijo uns pa­péis para ter­mos umha ex­plo­ra­çom de um só ani­mal. Foi a úl­tima vaca que ti­ve­mos. Quando eu era neno, tí­nha­mos toda a classe de ani­mais em casa, como todo o mundo. Aqui vi­viam vinte fa­mí­lias e to­das ti­nham pi­tas ou ove­lhas, por­cos, ca­va­los, va­cas… Agora isso é im­pos­sí­vel”, conta Manuel, que nom emi­grou, tra­ba­lhou na Finsa em Ourense e re­for­mou-se no se­tor da ma­deira, sem­pre mui perto de casa, na Límia, en­tre as mon­ta­nhas que bai­xam do Laboreiro e a veiga do rio, umha zona mui po­pu­losa e um mo­saico de hor­tas e pra­dos até a dé­cada de 80; hoje quase um bos­que fe­chado, com pouca gente e cans nas ca­sas que res­tam, com umha ame­aça de par­ce­lá­ria acima da mesa que a pró­pria Administraçom jus­ti­fica como ne­ces­sá­ria para do­tar de su­per­fí­cie o novo mo­delo pro­du­tivo: a agroin­dús­tria das gran­des ex­plo­ra­çons in­ten­si­vas de ani­mais para carne. 

A in­dús­tria con­cen­tra 99% das va­cas, 99,5% dos por­cos e 99,7% das pi­tas e po­los. Trata-se de pro­du­çom para o co­mér­cio, o grosso, a grande escala

A es­ta­tís­tica de ex­plo­ra­çons pe­cuá­rias é de 2020 e in­dica que no país há 9.000 uni­da­des de gado bo­vino em 5.400 ex­plo­ra­çons de me­nos de duas uni­da­des; 64.000 uni­da­des de ovino em 6.500 ex­plo­ra­çons de cinco ou me­nos uni­da­des; 12.000 ca­be­ças de ca­prino em 2.000 ex­plo­ra­çons de me­nos de dez uni­da­des; e 7.200 por­cos em 3.000 ex­plo­ra­çons por­ci­nas de cinco uni­da­des ou me­nos; as­sim como 71.000 aves de cur­ral em 5.400 ex­plo­ta­çons re­gis­tra­das de cinco ou me­nos unidades. 

Comparadas as uni­da­des de gando das ex­plo­ra­çons pe­que­nas (fa­mi­li­a­res e/ou au­to­con­sumo) re­pre­sen­tam o 0,9% das ca­be­ças de bo­vino; o 40% dos ani­mais no caso do ovino; o 31% do ca­prino; o 0,5% dos por­cos; e o 0,28% no caso das aves de curral. 

A in­dús­tria (da pe­quena à grande) con­cen­tra, pois, 99% das va­cas, 99,5% dos por­cos e 99,7% das pi­tas e po­los que se criam atu­al­mente no país. Trata-se de pro­du­çom para o co­mér­cio, o grosso, a grande escala. 

Primeiro plano de umha galinha.
e. d. salgado

O Decreto 253/2008, de 30 de ou­tu­bro, polo que se crea e re­gula o Rexistro de Explotacións Agrarias de Galicia, de­fine a ex­plo­ra­çom agrá­ria como “o con­junto de bens e di­rei­tos or­ga­ni­za­dos em­pre­sa­ri­al­mente pola pes­soa ti­tu­lar no exer­cí­cio das ati­vi­da­des agrá­rias, pri­mor­di­al­mente com fim de mer­cado, e que cons­ti­tui em si pró­pria umha uni­dade téc­nico-eco­nó­mica”. Os ter­mos in­di­cam com pre­ci­som para onde ca­mi­nham as regulaçons. 

A Administraçom exige o re­gisto de umha ex­plo­ra­çom para ter na casa umha uni­dade de gado, se­jam va­cas, ove­lhas, ca­bras, aves de cur­ral, ca­va­los ou co­e­lhos. Os trâ­mi­tes con­sis­tem em apre­sen­tar de­ter­mi­nada do­cu­men­ta­çom e iden­ti­fi­car as par­ce­las ou ins­ta­la­çons, além de pre­en­cher umha so­li­ci­ta­çom em que se fa­zem de­cla­ra­çons de res­pon­sa­bi­li­dade, as­sim como abo­nar umhas ta­xas e sub­me­ter-se às obri­gas or­di­ná­rias (como, por exem­plo, me­di­car sob re­ceita ou uti­li­zar os ca­nais in­di­ca­dos para o sa­cri­fí­cio de ani­mais) que a um tempo im­pli­cam no­vos trâ­mi­tes. “Trata-se de ga­ran­tir a ras­te­ja­bi­li­dade dos ali­men­tos que con­su­mi­mos num con­texto mui com­plexo quanto à saúde a ní­vel mun­dial, com múl­ti­plos ris­cos. Som me­di­das de con­trolo para sa­ber onde te­mos os ani­mais e po­der, caso seja ne­ces­sá­rio, fe­char o cír­culo ao re­dor de um foco de con­tá­gio”, ex­pli­cam fon­tes con­sul­ta­das na Administraçom ga­lega. “Também”, acres­cen­tam, “som me­di­das para ga­ran­tir o bem-es­tar ani­mal que in­cide aliás na qua­li­dade da nossa ali­men­ta­çom”. Depois de su­ces­si­vas cri­ses sa­ni­tá­rias, a Administraçom é firme. Som trâ­mi­tes ne­ces­sá­rios, in­sis­tem as fon­tes, e no fundo nom som tam com­ple­xos. “Pode que se veja como uma mu­dança cul­tu­ral, mas pas­sou o mesmo quando se co­me­çou a exi­gir a ITV aos tra­to­res. Hoje nin­guém dis­cute que é um ele­mento mais de se­gu­rança”, resumem. 

As pro­du­çons lo­cais de ba­ta­tas e hor­tas abas­te­cem 70% dos ha­bi­tan­tes den­tro da co­marca; mas no caso dos ce­re­ais para o pam e das fru­tas o au­to­a­bas­te­ci­mento tem um dé­fice de 35.000 hectares. 

Tínhamos ca­bras, mas como as trou­xe­mos de crias es­ta­vam sem sa­near. Foi culpa mi­nha. Multárom-me com 850 €. Medírom-me com a mesma vara que se fosse um pe­cuá­rio”, la­menta Manuel. “E no caso do burro foi igual. Conhece-se que agora, se tés um burro, tés que es­tar dado de alta como pe­cuá­rio e que o ani­mal te­nha pas­sa­porte, mi­cro­chip e tudo isso. Pugérom-me umha coima de 650 €”. O burro trou­xera-lho um tra­tante de Ginzo em troca de lhe le­var umha besta que se tor­nara mui agre­siva, conta Manuel. “Toda a vida nes­tas al­deias ti­ve­mos bur­ros, eu nom sa­bia nada. Também me mul­tá­rom por ter os cans pre­sos. Formalizamos todo o dos ani­mais. Depois che­gou a hora de ma­tar e me­nos mal que ti­nha um vi­zi­nho com um veí­culo ha­bi­li­tado para o trans­porte, e de­pois tem-che que vir o ani­mal sa­cri­fi­cado num veí­culo fri­go­rí­fico. Afinal as ca­bras dei­xamo-las e o burro tam­bém. Isto está-se a pôr mui duro para a gente do campo. É mais ba­rato com­prar o ca­brito no Eroski”. 

Segundo um es­tudo pu­bli­cado em 2018, as pro­du­çons lo­cais de pa­ta­cas e hor­tas abas­te­cem 70% dos ha­bi­tan­tes den­tro da sua co­marca; mas no caso dos ce­re­ais para o pam e das fru­tas o au­to­a­bas­te­ci­mi­ento tem un dé­fice de 35.000 hec­ta­res no con­junto do país de su­per­fí­cie de­di­cada a es­tas produçons. 

Um dos au­to­res, Emilio Carral, do­cente da área de eco­lo­gia da USC em Lugo, ex­plica que a Galiza, do ponto de vista da so­be­ra­nia ali­men­tar –da ca­pa­ci­dade de pro­du­çom que há numha de­ter­mi­nada zona para su­por­tar o con­sumo dessa zona–, tem umha pro­du­çom de porco ex­ce­den­tá­ria e de um mo­no­cul­tivo de leite, “grande con­su­mi­dor de re­cur­sos”, e “re­cen­te­mente, tam­bém de vi­nho”. Por ou­tro lado, o prin­ci­pal dé­fice está nos ce­re­ais. “É umha si­tu­a­çom po­la­ri­zada, di­ga­mos, a da pro­du­çom, pola aposta na agroindústria”. 

Quanto ao au­to­con­sumo ou o con­sumo de pro­xi­mi­dade, as­si­nala que cu­ri­o­sa­mente há umha de­manda po­ten­cial su­pe­rior à pro­du­çom e con­cede que, em ma­té­ria de re­gu­la­çom, as leis po­de­riam pro­mo­ver ou­tro mo­delo de pro­du­çom fo­cado na so­be­ra­nia ali­men­tar e no au­to­con­sumo. “Agora man­dam as po­lí­ti­cas eu­ro­peias e au­to­nó­mi­cas que fa­vo­re­cem o mo­delo que te­mos, mas pode-se va­riar o sen­tido das nor­mas, de­certo. Por exem­plo, in­cen­ti­vando ma­ta­doi­ros mó­veis, como se fijo na área de Santiago. Custou muito, mas fa­ci­li­tar o sa­cri­fí­cio de co­e­lhos e po­los, ou pe­que­nas in­fra­es­tru­tu­ras de trans­for­ma­çom aju­da­ria” e re­sume: “te­mos ca­pa­ci­da­des e su­per­fí­cie e tam­bém de­manda cres­cente deste ou­tro tipo de produtos”. 

Papéis e pa­péis, pla­nos, banco, con­tra­tos de alu­guer, ma­ta­doi­ros, cur­sos… e coi­mas. A gente que ti­nha umha vaca, duas ove­lhas e ce­vava um porco já nom as tem. Será mui ne­ces­sá­rio para a Administraçom, mas tam­bém é certo que dá para trás. Nom ajuda. Os pro­ble­mas da pe­cuá­ria som os que pro­voca a pe­cuá­ria in­dus­trial”, re­flite Manuel García, pro­du­tor em eco­ló­gico e mem­bro do MEL (Movimento Ecologista da Límia). “As do­en­ças es­tám aí, sim, a des­culpa som os pro­ble­mas da saúde. Antes a gente ti­nha de tudo e nom en­tra­vam es­sas epi­de­mias. Onde es­tám os pro­ble­mas, as con­di­çons para sur­gi­rem, é nas ma­cro­gran­jas. Contodo, as po­lí­ti­cas pro­mo­vem esse tipo de pro­du­çons e bus­cam so­lu­çons para esse tipo de in­dús­trias, nom para o rural”. 

Polo mo­mento, pa­rece que nom cha­teiam o porco. Nós te­mos dous em casa para ma­tar este ano”, conta Manuel, o re­for­mado da Finsa. “Quando cha­te­a­rem o porco, já deixa p’ra lá!”. 

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