A Galiza é maioritariamente monte. Um monte que foi tradicionalmente a base do sistema agrário tradicional e que possibilitou a subsistência das comunidades rurais. Esta superfície subministrava, em muitas ocasiões a partir de manejos comunitários, pasto para o gado, cereais para a alimentação das pessoas, lenha para aquecer as moradas e o estrume, que exercia de motor da fertilização das terras agrárias. A instauração da ditadura franquista provocou a usurpação das propriedades comunitárias e o começo dum caminho sem retorno cara a uma florestação massiva com espécies de crescimento rápido, primeiramente com coníferas e depois com o eucalipto. Esta obrigada mudança de uso fiz desaparecer paulatinamente uma grande parte dos rebanhos de gado menor e maior geridos comunitariamente no monte, além de outros aproveitamentos tradicionais, nomeadamente as estivadas.
o franquismo provocou a usurpação das propriedades comunitárias e o começo duma florestação massiva com espécies de crescimento rápido
Após a recuperação das propriedades comunitárias, depois da morte do ditador, grande parte da vizinhança tinha perdido a conexão ancestral entre população e monte. No entanto, a luta social conseguiu recuperar o monte, mas eram umas propriedades muito diferentes das geridas décadas atrás. Os montes foram maioritariamente florestados e essa ocupação do território competia com os aproveitamentos tradicionais e comunitários anteriores. Esta situação continuou nas últimas décadas até hoje. Assim, favorecido pelas políticas públicas do Governo galego, grande parte das mais das 2.800 Comunidades de Montes Vizinhais em Mão Comum (CMVMC) que há na atualidade focam-se na produção de madeira de crescimento rápido para pasta de papel e produções sem apenas valor acrescentado. O processo de “modernização” e industrialização do monte, mesmo ameaça nesta altura com um novo passo adiante, nomeadamente a introdução massiva das culturas energéticas florestais para as grandes centrais de produção de eletricidade a partir da queima de biomassa que estão projetadas no território galego.
grande parte das mais das 2.800 Comunidades de Montes Vizinhais em Mão Comum focam-se na produção de madeira para pasta de papel
Mas, não é tudo eucalipto nos montes vizinhais. Com certeza, dentro dos quase 700.000 hectares de propriedade comunitária, perto da quarta parte da superfície da Galiza, é possível encontrar situações muito diferentes e interessantes aproveitamentos sustentáveis e inovadores. E isto é apoiado pelo feito de que as propriedades comunitárias são ferramentas de gestão do território com umas características que as fazem muito diferentes das terras privadas convencionais. Assim, os montes vizinhais são inalienáveis, indivisíveis, inembargáveis, imprescritíveis e estão vinculados com a morada no lugar onde radica a propriedade. Estas características singulares enfrentam de facto com a racionalidade do próprio sistema capitalista e com o modelo economicista convencional. Deste jeito, a partir da existência da propriedade comunitária, é possível avançar na lógica da ação coletiva para a consecução do bem comum para as pessoas que formam a comunidade. E há evidencias neste senso. Assim, nos últimos anos, sobretudo depois dos terríveis incêndios florestais do ano 2006, estão a grelar interessantes iniciativas nos montes vizinhais. Experiências que, baixo o paradigma da multi-funcionalidade, estão a gerir o monte conforme a um equilíbrio entre as funções económica, social e ambiental. Um bom exemplo é a luta da CMVMC de Teis (Vigo) contra as espécies invasoras com o objetivo de recuperar o bosque atlântico autóctone. Ou também os aproveitamentos inovadores. Sirva como exemplo a Comunidade de Montes de Couso, em Gondomar, que produz um cogumelo muito apreciado, o shii-take, a partir dos troncos do seu monte. A sustentabilidade dos recursos micológicos próprios e a sobre-exploração previa existente, motivou o nascimento de vários coutamentos micológicos vizinhais, há mais de 10 anos, nas áreas de montanha de Lugo e Ourense. Mesmo, já há Comunidades vizinhais que inseriram o seu monte dentro da agricultura biológica para apanhar os cogumelos certificados, sendo em destaque o caso da Comunidade de Carvalho (Friol). Esta Comunidade de Montes é um claro exemplo de entidade que aposta pela multi-funcionalidade. Aliás a existência do coutamento micológico, existem no seu monte diversos projetos comunitários como o projeto de cavalo de pura raça galega para manejar o mato, uma iniciativa com porco celta para produzir carne de qualidade e, finalmente, um aproveitamento apícola onde a Comunidade obtém mel para as vizinhas e um benefício polinizador ao monte e a contorna.
depois dos incêndios florestais de 2006, estão a grelar experiências de gestão do monte conforme a um equilíbrio entre as funções económica, social e ambiental
O aproveitamento da riqueza natural e patrimonial também é visto como uma oportunidade de dinamização do território através do turismo por várias Comunidades de Montes. Um exemplo muito singular é o da CMVMC de Zobra (Lalim), localizada na Serra do Candám, espaço inserido dentro da Rede Natura. Esta Comunidade restaurou as antigas “Casas das Minas” para criar estabelecimentos de turismo rural geridos pela Comunidade onde as pessoas visitantes podem percorrer os roteiros criados pela entidade vizinhar. A Comunidade de Paranhos no Covelo é outra experiência de aposta pela dinamização local a partir do património material e imaterial tradicional. Esta Comunidade tem desenvolvido um projeto dinamizador a partir da recuperação do património ligado ao processo tradicional de trabalho da cera de abelha. Deste jeito, a Comunidade criou um centro de interpretação do ofício cirieiro tradicional e restaurou e sinalizou diverso património vinculado a este oficio, entre o que destaca pela sua singularidade, um lagar de cera de prensa de viga.
As Comunidades de Montes são uma importante ferramenta comunitária para a gestão do território que possibilita a oportunidade de gerir com uma racionalidade sustentável o monte. Mas as iniciativas inovadoras são, até o momento, muito desconhecidas. Seria positivo que as pessoas com interesse em manter um mundo rural vivo, conhecessem e apoiassem as muitas iniciativas vizinhais de âmbito local que estão a dar vida aos espaços rurais da Galiza a partir dos princípios da sustentabilidade.