Recentemente um artigo na revista Nature afirma que as ‘nossas’ sociedades, o ‘nosso’ modelo socioeconómico, tem um 90% de possibilidades de colapsar. Sem duvida, evitar este destino implicará mudanças profundas e estruturais que permitam transiçons ecossociais mais ou menos ordenadas. Para isto temos de superar muitas barreiras, muitas. Entre elas, o imaginário dominante associado ao progresso tecnológico/digital. Sem dúvida umha parte importante da opiniom pública, e dos setores políticos e económicos, nom é consciente de que o uso da tecnologia digital requer da mesma ‘supervisom’ (ou ainda, reformulaçom do seu uso/decrescimento) que outros setores ou atividades económicas quanto a sua compatibilidade com os limites planetários e os problemas ambientais e climáticos. O informe internacional intitulado Climate Crisis: The unsustainable use of online video achega alguns dados interessantes neste sentido.
Atualmente, as tecnologias digitais vinculadas com a rede e o fluxo mundiais de dados som responsáveis polo 4% das emissons mundiais de gases de efeito de estufa (GEI), mais do que a aviaçom civil. Assim mesmo, estima-se que por volta de 2025 esta cifra pode atingir 8% das emissons já que, entre outras questons, o consumo energético associado a estas novas tecnologias cresce a umha taxa interanual de 9%. 45% do consumo energético está relacionado com a fabricaçom dos dispositivos (telefones, computadores, etc.) enquanto 55% restante com o uso dos terminais, data centers e mantimento das networks.
Durante o confinamento as usuárias destas tecnologias estivemos prendidas aos ecráns, de média, a arrepiante cifra de 9 horas e 16 minutos o dia
Com a apariçom da Covid-19 e do confinamento, o uso das novas tecnologias e Internet incrementou-se de maneira notável. Noutro estudo internacional, esta vez realizado por ‘la Caixa’, afirma-se que 70% das pessoas inquiridas (dumha mostra de 9.300) aumentárom bastante ou muito o tempo diante do computador ou do telemóvel, 27% figérom-no pouco e apenas 3% utiliza a tecnologia igual que antes. Assim, durante o confinamento os/as usuárias destas tecnologias estivemos prendidas aos ecráns, de média, a arrepiante cifra de 9 horas e 16 minutos o dia. Se bem é certo que o acesso à rede permitiu-nos manter o contacto com amizades, familiares e teletrabalhar (nos empregos que o permitírom) ou estudar com mais ou menos dificuldade, a quantidade de tempo dedicado aos ecráns influiu na perceçom de bem-estar das pessoas confinadas.
A maioria das participantes deste estudo intitulado El bienestar personal y el uso de la tecnología en confinamiento reconhecérom ter sofrido um impacto negativo no confinamento associado a esta nova situaçom. Como é evidente, as horas de uso variárom segundo o contexto e a situaçom socioeconómica das pessoas (capacidade de tele-trabalho, número de computadores no núcleo familiar, responsabilidades de cuidados, etc.). Para além dos efeitos sociais desta realidade, e num contexto de crise ecológica global, umha pergunta pertinente poderia ser: Qual foi o impacto ambiental desta ‘nova’ mega-intensidade tecnológica?
As tecnologias digitais vinculadas com a rede som responsáveis polo 4% das emissons mundiais de gases de efeito de estufa
Até onde chega o meu conhecimento, os dados sobre os efeitos globais ainda nom estám disponíveis. Apesar disto, e como exercício pedagógico, é possível pôr alguns exemplos a nível usuário que permitam dar significado quotidiano aos possíveis impactos macro. Assim, se durante o confinamento mercamos um computador portátil novo –com o seu rato e disco rígido- a nossa pegada ecológica incrementou-se em quase 1 tonelada de CO2-eq, mas se cambiamos de impressora o impacto ascenderia a mais de 214 kg de CO2-eq (é dizer, o nosso consumo seria ‘responsável’ por esta quantidade de emissons antropogénicas produzidas ao longo e ao largo do planeta).
Da mesma forma, se tomamos como referência os tempos médios de uso dos ecráns durante o confinamento, podemos chegar a resultados bastante surpreendentes. Nove horas de visualizaçom de vídeos online ou videoconferências supugérom umhas emissons nada desprezíveis 0,5 e 1,1 kg CO2-eq, isso sim, sem considerar o uso dos terminais e o mantimento dos data centers e networks que poderia chegar a multiplicar este impacto por 2,7. Para nos entendermos melhor, estas emissons associadas ao uso dum portátil seriam equivalentes àquelas produzidas num deslocamento de 1,4 e 3,6 km dum carro mediano ou de 4,1 e 10,7 km por passageiro/a de autocarro. Mas isso nom é todo, porque a mudança climática nom é o único problema ambiental sério que temos na atualidade. Se cambiamos de categoria de impacto e analisamos os efeitos sobre o esgotamento dos recursos abióticos (combustíveis fósseis, minerais, argila, etc.), as proporçons incrementam-se. A pressom ambiental das famosas nove horas de uso do terminal seria equivalente a um deslocamento de 10 km dum carro ou 350 km dum passageiro/a de autocarro.
Tendo em conta estes impactos ambientais, a seguinte pergunta pertinente poderia ser: ¿qual é o uso que lhe estamos dando a este mundo virtual? Novamente, segundo o estudo de la Caixa, durante o confinamento algo mais de 5 horas de uso estivo relacionado com o trabalho ou o estudo e, o resto, com outros usos como comunicar-se ou entreter-se. Volvendo aos dados macro, o primeiro informe mencionado afirma que 80% dos fluxos globais de dados a nível mundial está relacionado com a visualizaçom de vídeos e 20% restante com outros usos (webs, emails, networks empresariais, etc.). Isto é, ver vídeos é o uso mais ‘importante’ da rede!
Desta forma, utilizamos a rede, por ordem, para ver vídeos online VoD (filmes, séries), pornografia, tubes ou outro tipo de vídeos (televisom, camgirls, redes sociais, etc.). Em 2018, a visualizaçom de vídeos online (60% do fluxo dos dados) supugérom umhas emissons de 306 milhons de toneladas de CO2-eq (1% de las emissons globais). Se aceitamos a hipótese de que, num contexto de choque contra os limites planetários, o decrescimento do consumo material é a única opçom viável –que abre portas à justiça distributiva- cumpre, ainda que nom seja totalmente do nosso agrado, politizar e priorizar os usos das novas tecnologias assim como focalizar os esforços em fortalecer outras formas de socializaçom e ócio (nom-consumistas), que nos permitam um ‘desenganche’, até, mui satisfatório.